Por Alexandre Figueiredo
Quando o assunto é o governo Michel Temer, toda medida tem um custo amargo a ser pago pelos brasileiros. O governo interino, que veio com o apetite não de uma gestão provisória, mas de um governo definitivo, já disse a que veio com uma agenda conservadora em vários aspectos.
Esta semana, por exemplo, veio com o dado surreal do ator Alexandre Frota, que fez parte do elenco da novela Roque Santeiro, da Rede Globo, mas hoje segue carreira de segundo escalão, atuando em filmes pornográficos, se reunindo com o ministro da Educação, Mendonça Filho, para dar sugestões para o projeto educacional nas escolas públicas.
Motivo de piadas na Internet, até pelo baixo carisma de Alexandre Frota associado a sua pouca, para não dizer nenhuma, especialização no setor e pelo seu caráter ideologicamente conservador - o ator é um entusiasta da política do PMDB-PSDB vigente, e estava acompanhado por Marcello Reis, um reacionário da Internet - , dá o tom do caráter tragicômico do confuso governo de Michel Temer.
O Ministério da Cultura chegou a ser extinto, com a fusão com o Ministério da Educação, retomando a antiga estrutura do Ministério da Educação e Cultura. Um paliativo chegou a ser feito, com a criação da Secretaria Nacional de Cultura, mas uma série de protestos e ocupações em prédios de propriedade do antigo MinC, com o apoio da classe artística, fizeram o governo voltar atrás.
Desta forma, o anunciado titular da SNC, Marcelo Calero, escolhido depois que uma sucessão de mulheres convidadas para o cargo recusaram assumi-lo, já que a escolha feminina era uma forma do presidente interino Michel Temer de abafar as acusações de ministério machista, colocando mulheres em postos de segundo escalão, foi então designado ministro da Cultura.
No seu discurso de posse, Calero prometeu que o ministério não estaria "a serviço de um projeto de poder" e que ele seria o "ministro do diálogo", assegurando que iria "ampliar a participação social", buscando soluções "através do debate e do entendimento". Calero havia sido secretário de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro, na gestão de Eduardo Paes.
A SECRETARIA DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
No dia do lançamento oficial do "novo" Ministério da Cultura, 23 de maio, o presidente Temer assinou a Medida Provisória 728, que criou duas secretarias especiais, uma a dos Direitos da Pessoa com Deficiência e outra, a do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural.
O ponto controverso é quanto a esta segunda secretaria. Afinal, a criação é uma provocação ao tradicional Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), autarquia que era uma das ligadas ao Ministério da Cultura, e que conta com 80 anos de existência.
Todo o trabalho fundado por Rodrigo Melo Franco de Andrade e herdado por seus sucessores, além das ideias trazidas pelo escritor modernista e ativista cultural Mário de Andrade que foram aos poucos introduzidas no IPHAN, como as atuais abordagens de patrimônio imaterial, foi simplesmente desprezado pelo governo ao criar um órgão paralelo de administração de nosso patrimônio cultural.
Até agora, o IPHAN, que surgiu como "serviço" e teve outras siglas, buscou fazer um trabalho acima das questões ideológicas, mesmo quando passava por períodos autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar, e governos de cunho conservador, como os de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
Até mesmo a gestão de Antônio Augusto Arantes, ligado a um órgão do governo paulista, que causou polêmica num contexto em que o Ministério da Cultura era exercido pelo compositor Gilberto Gil, não afetou a natureza cultural das atividades do IPHAN.
Atuações como as de Arantes e seus sucessores, Luiz Fernando de Almeida e Jurema Machado, diante de ministros da Cultura como Juca Ferreira, Marta Suplicy e a irmã de Chico Buarque, Ana de Hollanda, praticamente mantiveram uma estabilidade administrativa que trouxe muitos resultados positivos para o patrimônio cultural.
A criação da "secretaria especial", que de início não detalhou quem seria seu secretário ou que funções teria, não é a única estranheza. Há também a falta de transparência do ministro da Cultura, quanto à captação de recursos e os critérios de investimentos e outras medidas de incentivo e proteção da cultura.
Só depois é que se soube que um dos indicados para a secretaria especial foi o ex-superintendente do IPHAN na Bahia, o arquiteto Carlos Amorim, que havia sido acusado de negligência no controle de áreas protegidas pelo instituto, estando conivente com a especulação imobiliária. O então ministro da Cultura, Juca Ferreira, que o havia nomeado, o exonerou do cargo em 2015.
A simples promessa de "diálogo" já é estranha porque geralmente autoridades que decidem "de cima", sem consultar a sociedade e os setores envolvidos, sempre falam em "diálogo" como forma de "negociar" a decisão arbitrária como um meio de prevalecer os interesses da autoridade, mesmo quando alguma concessão é feita.
Desconfia-se também que o "novo órgão" seria uma forma de desviar do rigor técnico dos servidores do IPHAN, se adequando mais aos interesses financeiros do governo Michel Temer em detrimento de finalidades sociais, priorizando mais os interesses turísticos e favorecendo abusos como a especulação imobiliária, que só raramente conseguem barrar o caminho do instituto.
O certo é que a atuação de Marcelo Calero não terá a espontaneidade, a dedicação e a quase cumplicidade de Juca Ferreira, como se sabe que o governo Temer claramente rompeu com a agenda progressista da presidenta afastada Dilma Rousseff. O "novo" Ministério da Cultura, por mais que prometa não trabalhar em prol de um "projeto de poder", refletirá os propósitos deste governo.
FONTES: Blogue de Jotabê Medeiros (El Pajaro Que Come Piedra), UOL, Portal G1 e Diário do Centro do Mundo.
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