MC BIEL, UM DOS EXEMPLOS DE ATITUDE MACHISTA DO "FUNK".
Por Alexandre Figueiredo
A chamada "cultura" brega-popularesca está em crise. Incidentes diversos envolvendo ídolos "populares" da música e, em parte, do comportamento, fazem com que a reputação deles estivesse em xeque. Por outro lado, mostra também a crise de uma intelectualidade apologista a esse "universo popular demais".
A citação de um "funk proibidão" no episódio do estupro coletivo de uma adolescente em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, há cerca de um mês, e o caso do assédio do ídolo do "funk ostentação" MC Biel revelam um impasse deixado pelo "funk", que teve que assumir uma postura que seu discurso propagandista tanto insistiu em desmentir: o machismo.
O "funk" demonstra dois graves equívocos: o discurso marqueteiro e a mania de ficar se explicando. Embora os funqueiros adotem uma postura triunfalista, há um certo ressentimento de seus envolvidos, sejam os intérpretes e os empresários e intelectuais associados, do "funk" nunca ser levado a sério.
Cria-se um discurso dominante, um monopólio de narrativa, no qual o "funk" tenha que se impor como o folclore carioca e tentar se adaptar à pressão das conveniências. O "funk" é um ritmo dançante comercial, sem pretensões artísticas, mas nos últimos quinze anos tenta adotar um discurso "ativista" no qual cai em inúmeras contradições.
O "funk" é um dos gêneros em que o discurso etnocêntrico de uma parcela de ativistas, acadêmicos, jornalistas e cineastas passou a prevalecer sob o rótulo de "cultura popular", e o incidente da citação de um "funk" num caso de estupro coletivo revela uma série de impasses.
POSTURA ESTRANHA
O "funk" adotou uma postura bastante estranha depois que armou um falso apoio à presidenta Dilma Rousseff, no dia em que a Câmara dos Deputados iria votar a abertura do processo de impeachment, 17 de abril deste ano.
Naquele dia, foi armado um "baile funk" em Copacabana, com a equipe da Furacão 2000, de Rômulo Costa, que havia feito parcerias com as Organizações Globo através da Som Livre, responsável por vários discos da equipe.
O "baile funk" teria sido uma forma de desviar o foco do protesto contra o impeachment que a oposição a Dilma Rousseff havia tramado através das manobras de Eduardo Cunha, que levaram o vice-presidente Michel Temer a trair a titular e encampar, juntamente com a mídia associada - Rede Globo, também das Organizações Globo, e a revista Veja, entre outros - , com um entretenimento que esvaziou o sentido político da manifestação.
A ação é comparável ao suposto apoio que o sargento José Anselmo dos Santos, o "Cabo Anselmo", ao governo de João Goulart. Mais tarde, Anselmo se revelou reacionário e, depois, agente da CIA, órgão de informação do governo dos EUA. O "funk" também é associado à CIA, de maneira comprovada, através do financiamento de entidades associadas ao órgão, como Fundação Ford e Soros Open Society, esta do magnata George Soros, a instituições que apoiam o "funk".
Com o afastamento de Dilma, o "funk" adotou uma postura estranha, diante de episódios em que o machismo no "funk" se tornou mais evidente. Além do estupro coletivo, houve a denúncia de uma repórter do portal IG de que o ícone do "funk ostentação" (derivado paulista do "funk carioca"), MC Biel, a assediou sexualmente.
Diante das polêmicas machistas, houve o dado estranho da funqueira Valesca Popozuda, conhecida pelo aparente feminismo, não ter se pronunciado a respeito da associação entre "funk" e machismo, preferindo viajar com a vencedora do Big Brother Brasil 16, Ana Paula Renault, para a Disney.
POLÊMICA
Mas a polêmica estourou quando o jornalista de O Globo, Artur Xexéo, havia escrito um texto, "O funk, o espelho e o reflexo", no qual comentava o machismo do "funk", no qual, citando uma lei do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) que definia o ritmo como "patrimônio cultural" - evidentemente sem os procedimentos técnicos como os feitos pelo IPHAN - , comentou: "O funk pode discriminar, o Estado não".
Citando a omissão do movimento feminista em relação ao "funk", Xexéo escreveu: " (...) é estranho que elas (as feministas) não tenham comprado ainda a briga contra o funk. Ou contra o proibidão. As letras do gênero continuam reduzindo a mulher à condição de objeto, mas elas preferem ser coniventes a mexer num assunto polêmico que supostamente contradiz o comportamento progressista sobre o qual elas consideram ter direitos exclusivos. Ou se é progressista ou se combate o funk".
Foi aí que o ex-presidente da APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk), MC Leonardo, escreveu uma resposta conjunta com a socióloga Marielle Franco, intitulada "Resposta de MC Leonardo a Artur Xexéo: 'O funk, por funkeiros'".
MC Leonardo já havia sido citado por Xexéo por conta de um comentário: "O funk é machista? É. O funk é homofóbico? É. O funk é sensual e erótico? É. O funk não vem de Marte. O funk nasce dentro dessa sociedade, que é machista, patriarcal, erótica, enfim. O funk não é um espelho da sociedade, e sim o reflexo da sociedade".
O argumento coincide com o do ícone do "proibidão" citado por um dos estupradores de Jacarepaguá, MC Smith, que apenas "falava da realidade da comunidade". Já no texto com Marielle Franco, o dirigente funqueiro mostra outros argumentos, caindo em contradição:
"A mesma redução da favela e dos bailes a espaços dominados pela violência e pela própria discriminação. A crítica ignora o cotidiano das pessoas que ali vivem e legitima a presença exclusivamente militar do Estado. O funk não é o criador da violência, como um espelho torto que produz imagens à revelia. O funk não inspira, mas canaliza a violência.
Não é à toa que a cultura do estupro é omitida no artigo, que não vê que a luta feminista se dá em diversos campos e formas. As MCs Carol, Tati Quebra Barraco, Valesca Popozuda e outras evidenciam seus desejos e se declaram as donas de seus corpos. Contra a cultura do estupro, somente uma cultura de direito das mulheres sobre seus corpos".
DISCURSO CONFUSO, MAS PERSISTENTE
O "funk" produz ou é produto da realidade? A mania de tentar rebater críticas do "funk" já põe em xeque o caráter de "cultura popular autêntica", uma vez que uma manifestação cultural genuína não fica se explicando o tempo todo.
A comparação com o samba, que os apologistas do "funk" tanto fazem, é tendenciosa, pois o samba teve uma musicalidade muito diversificada, do contrário do rigor estético que o "funk" sempre teve, nivelado por baixo.
Só para citar um exemplo, durante anos um MC do "funk" não podia tocar um instrumento musical. E não é por falta de dinheiro de comprar um violão ou uma gaita, mas pela imposição de um rigor sonoro, de uma "linha de montagem" no qual o DJ fazia o som e o MC se limitava ao karaokê. E está se falando do "funk de raiz", de MC Leonardo, de MC Cidinho & MC Doca.
O discurso de defesa do "funk" cai em inúmeras contradições. Ele é tão somente um entretenimento, um pop dançante como qualquer um de caráter estritamente comercial, mas adota um discurso falsamente ativista.
No caso do machismo no "funk", é contraditório que as funqueiras adotem um suposto feminismo, falando em "direito ao corpo", quando elas ostentam seus corpos na sua "sensualidade" tão grotesca quanto exibicionista. Como no caso da Mulher Melão, embora sem esquecer do caso de Valesca, que sempre se promoveu através da exibição dos glúteos que inspiram seu sobrenome artístico.
Afinal, elas se definem como "donas de seus corpos", mas a ostentação acaba estimulando o apetite sexual do seu público. Recentemente, a Mulher Melão afirmou que "namora seus fãs". Isso mostra uma simbologia de que, no "funk", o corpo feminino acaba sendo um "bem simbólico" dos homens, daí o caso do estupro coletivo.
No caso da glamourização das periferias feita por um "baile funk" no Pier Mauá, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, outra contradição: reclama-se da atitude de jovens ricos de forjar um "baile funk" à maneira luxuosa deles. O próprio "funk" tinha se empenhado para ter a aceitação das elites e, constantemente, o DJ Marlboro sempre arruma eventos de elite para sua agenda de apresentações.
O "funk" glamouriza a pobreza e espetaculariza a vida nas periferias, focalizando as classes populares de maneira estereotipada, pregando o consumismo em vez da defesa de avanços sociais. Tenta se alinhar na mídia independente, mas tem na Rede Globo seu mais significativo e expressivo espaço de visibilidade.
Com o episódio do estupro coletivo, o "funk" apresentou novas contradições. Afinal, os defensores do "funk", que antes apostavam em qualidades surreais para o gênero, agora admitem os defeitos do gênero, mas atribuem a isso um suposto reflexo da realidade.
O "funk" não veio de Marte, mas veio do mercantilismo midiático. E o "reflexo da realidade" encontra um problema diante do fato de que a "realidade das periferias" é um discurso construído, uma "realidade" concebida pela influência dos poderes do mercado e da grande mídia.
A própria atuação das Organizações Globo no "funk" é algo que poucos conseguem ver ou admitir. Embora o "funk" se autoproclame "progressista", sua associação com o status quo midiático é notória. O maior divulgador do "funk", por exemplo, é Luciano Huck, considerado um dos maiores amigos do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
A maior contradição é que, se o "funk" mostra defeitos como o machismo e a violência como "reflexos da realidade", por que o ritmo não adota uma postura contrária? Os ideólogos do "funk" adotam sempre uma postura "coitadista", reclamando da rejeição que o ritmo recebe, mas eles se esquecem que, na verdade, a rejeição é que é o reflexo dos defeitos que o "funk" desenvolveu, de propósito.
O "funk" foi uma ruptura ideológica com o funk autêntico original, associado à presença de músicos e arranjadores e uma compostura temática até quando eram utilizadas alusões a atos sexuais. Criou um rigor estético que só muda de dez em dez anos, quando diferentes intérpretes praticamente fazem o mesmo som, e, não raro, se servindo dos mesmos efeitos sonoros do DJ.
O próprio "funk" não consegue estabelecer uma distinção entre marketing e etnografia, entre a visão idealizadora dos intelectuais associados, que atribuem ao gênero uma riqueza de referências culturais que nunca existiu, e se contradiz mais ainda quando tenta se eximir das responsabilidades quando transmite não suas supostas qualidades positivas, mas as claramente negativas.
Diante disso, o "funk" não consegue provar sua alegação de "cultura popular autêntica". É como uma banana de cera que faz o possível para dizer que veio de uma bananeira. As contradições discursivas e a mania de ficar explicando através das mesmas só agrava a imagem duvidosa que o "funk", um mero produto da "cultura de massa", apresenta em sua realidade prática.
FONTES: O Globo, Blogue Linhaça Atômica.
Por Alexandre Figueiredo
A chamada "cultura" brega-popularesca está em crise. Incidentes diversos envolvendo ídolos "populares" da música e, em parte, do comportamento, fazem com que a reputação deles estivesse em xeque. Por outro lado, mostra também a crise de uma intelectualidade apologista a esse "universo popular demais".
A citação de um "funk proibidão" no episódio do estupro coletivo de uma adolescente em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, há cerca de um mês, e o caso do assédio do ídolo do "funk ostentação" MC Biel revelam um impasse deixado pelo "funk", que teve que assumir uma postura que seu discurso propagandista tanto insistiu em desmentir: o machismo.
O "funk" demonstra dois graves equívocos: o discurso marqueteiro e a mania de ficar se explicando. Embora os funqueiros adotem uma postura triunfalista, há um certo ressentimento de seus envolvidos, sejam os intérpretes e os empresários e intelectuais associados, do "funk" nunca ser levado a sério.
Cria-se um discurso dominante, um monopólio de narrativa, no qual o "funk" tenha que se impor como o folclore carioca e tentar se adaptar à pressão das conveniências. O "funk" é um ritmo dançante comercial, sem pretensões artísticas, mas nos últimos quinze anos tenta adotar um discurso "ativista" no qual cai em inúmeras contradições.
O "funk" é um dos gêneros em que o discurso etnocêntrico de uma parcela de ativistas, acadêmicos, jornalistas e cineastas passou a prevalecer sob o rótulo de "cultura popular", e o incidente da citação de um "funk" num caso de estupro coletivo revela uma série de impasses.
POSTURA ESTRANHA
O "funk" adotou uma postura bastante estranha depois que armou um falso apoio à presidenta Dilma Rousseff, no dia em que a Câmara dos Deputados iria votar a abertura do processo de impeachment, 17 de abril deste ano.
Naquele dia, foi armado um "baile funk" em Copacabana, com a equipe da Furacão 2000, de Rômulo Costa, que havia feito parcerias com as Organizações Globo através da Som Livre, responsável por vários discos da equipe.
O "baile funk" teria sido uma forma de desviar o foco do protesto contra o impeachment que a oposição a Dilma Rousseff havia tramado através das manobras de Eduardo Cunha, que levaram o vice-presidente Michel Temer a trair a titular e encampar, juntamente com a mídia associada - Rede Globo, também das Organizações Globo, e a revista Veja, entre outros - , com um entretenimento que esvaziou o sentido político da manifestação.
A ação é comparável ao suposto apoio que o sargento José Anselmo dos Santos, o "Cabo Anselmo", ao governo de João Goulart. Mais tarde, Anselmo se revelou reacionário e, depois, agente da CIA, órgão de informação do governo dos EUA. O "funk" também é associado à CIA, de maneira comprovada, através do financiamento de entidades associadas ao órgão, como Fundação Ford e Soros Open Society, esta do magnata George Soros, a instituições que apoiam o "funk".
Com o afastamento de Dilma, o "funk" adotou uma postura estranha, diante de episódios em que o machismo no "funk" se tornou mais evidente. Além do estupro coletivo, houve a denúncia de uma repórter do portal IG de que o ícone do "funk ostentação" (derivado paulista do "funk carioca"), MC Biel, a assediou sexualmente.
Diante das polêmicas machistas, houve o dado estranho da funqueira Valesca Popozuda, conhecida pelo aparente feminismo, não ter se pronunciado a respeito da associação entre "funk" e machismo, preferindo viajar com a vencedora do Big Brother Brasil 16, Ana Paula Renault, para a Disney.
POLÊMICA
Mas a polêmica estourou quando o jornalista de O Globo, Artur Xexéo, havia escrito um texto, "O funk, o espelho e o reflexo", no qual comentava o machismo do "funk", no qual, citando uma lei do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) que definia o ritmo como "patrimônio cultural" - evidentemente sem os procedimentos técnicos como os feitos pelo IPHAN - , comentou: "O funk pode discriminar, o Estado não".
Citando a omissão do movimento feminista em relação ao "funk", Xexéo escreveu: " (...) é estranho que elas (as feministas) não tenham comprado ainda a briga contra o funk. Ou contra o proibidão. As letras do gênero continuam reduzindo a mulher à condição de objeto, mas elas preferem ser coniventes a mexer num assunto polêmico que supostamente contradiz o comportamento progressista sobre o qual elas consideram ter direitos exclusivos. Ou se é progressista ou se combate o funk".
Foi aí que o ex-presidente da APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk), MC Leonardo, escreveu uma resposta conjunta com a socióloga Marielle Franco, intitulada "Resposta de MC Leonardo a Artur Xexéo: 'O funk, por funkeiros'".
MC Leonardo já havia sido citado por Xexéo por conta de um comentário: "O funk é machista? É. O funk é homofóbico? É. O funk é sensual e erótico? É. O funk não vem de Marte. O funk nasce dentro dessa sociedade, que é machista, patriarcal, erótica, enfim. O funk não é um espelho da sociedade, e sim o reflexo da sociedade".
O argumento coincide com o do ícone do "proibidão" citado por um dos estupradores de Jacarepaguá, MC Smith, que apenas "falava da realidade da comunidade". Já no texto com Marielle Franco, o dirigente funqueiro mostra outros argumentos, caindo em contradição:
"A mesma redução da favela e dos bailes a espaços dominados pela violência e pela própria discriminação. A crítica ignora o cotidiano das pessoas que ali vivem e legitima a presença exclusivamente militar do Estado. O funk não é o criador da violência, como um espelho torto que produz imagens à revelia. O funk não inspira, mas canaliza a violência.
Não é à toa que a cultura do estupro é omitida no artigo, que não vê que a luta feminista se dá em diversos campos e formas. As MCs Carol, Tati Quebra Barraco, Valesca Popozuda e outras evidenciam seus desejos e se declaram as donas de seus corpos. Contra a cultura do estupro, somente uma cultura de direito das mulheres sobre seus corpos".
DISCURSO CONFUSO, MAS PERSISTENTE
O "funk" produz ou é produto da realidade? A mania de tentar rebater críticas do "funk" já põe em xeque o caráter de "cultura popular autêntica", uma vez que uma manifestação cultural genuína não fica se explicando o tempo todo.
A comparação com o samba, que os apologistas do "funk" tanto fazem, é tendenciosa, pois o samba teve uma musicalidade muito diversificada, do contrário do rigor estético que o "funk" sempre teve, nivelado por baixo.
Só para citar um exemplo, durante anos um MC do "funk" não podia tocar um instrumento musical. E não é por falta de dinheiro de comprar um violão ou uma gaita, mas pela imposição de um rigor sonoro, de uma "linha de montagem" no qual o DJ fazia o som e o MC se limitava ao karaokê. E está se falando do "funk de raiz", de MC Leonardo, de MC Cidinho & MC Doca.
O discurso de defesa do "funk" cai em inúmeras contradições. Ele é tão somente um entretenimento, um pop dançante como qualquer um de caráter estritamente comercial, mas adota um discurso falsamente ativista.
No caso do machismo no "funk", é contraditório que as funqueiras adotem um suposto feminismo, falando em "direito ao corpo", quando elas ostentam seus corpos na sua "sensualidade" tão grotesca quanto exibicionista. Como no caso da Mulher Melão, embora sem esquecer do caso de Valesca, que sempre se promoveu através da exibição dos glúteos que inspiram seu sobrenome artístico.
Afinal, elas se definem como "donas de seus corpos", mas a ostentação acaba estimulando o apetite sexual do seu público. Recentemente, a Mulher Melão afirmou que "namora seus fãs". Isso mostra uma simbologia de que, no "funk", o corpo feminino acaba sendo um "bem simbólico" dos homens, daí o caso do estupro coletivo.
No caso da glamourização das periferias feita por um "baile funk" no Pier Mauá, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, outra contradição: reclama-se da atitude de jovens ricos de forjar um "baile funk" à maneira luxuosa deles. O próprio "funk" tinha se empenhado para ter a aceitação das elites e, constantemente, o DJ Marlboro sempre arruma eventos de elite para sua agenda de apresentações.
O "funk" glamouriza a pobreza e espetaculariza a vida nas periferias, focalizando as classes populares de maneira estereotipada, pregando o consumismo em vez da defesa de avanços sociais. Tenta se alinhar na mídia independente, mas tem na Rede Globo seu mais significativo e expressivo espaço de visibilidade.
Com o episódio do estupro coletivo, o "funk" apresentou novas contradições. Afinal, os defensores do "funk", que antes apostavam em qualidades surreais para o gênero, agora admitem os defeitos do gênero, mas atribuem a isso um suposto reflexo da realidade.
O "funk" não veio de Marte, mas veio do mercantilismo midiático. E o "reflexo da realidade" encontra um problema diante do fato de que a "realidade das periferias" é um discurso construído, uma "realidade" concebida pela influência dos poderes do mercado e da grande mídia.
A própria atuação das Organizações Globo no "funk" é algo que poucos conseguem ver ou admitir. Embora o "funk" se autoproclame "progressista", sua associação com o status quo midiático é notória. O maior divulgador do "funk", por exemplo, é Luciano Huck, considerado um dos maiores amigos do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
A maior contradição é que, se o "funk" mostra defeitos como o machismo e a violência como "reflexos da realidade", por que o ritmo não adota uma postura contrária? Os ideólogos do "funk" adotam sempre uma postura "coitadista", reclamando da rejeição que o ritmo recebe, mas eles se esquecem que, na verdade, a rejeição é que é o reflexo dos defeitos que o "funk" desenvolveu, de propósito.
O "funk" foi uma ruptura ideológica com o funk autêntico original, associado à presença de músicos e arranjadores e uma compostura temática até quando eram utilizadas alusões a atos sexuais. Criou um rigor estético que só muda de dez em dez anos, quando diferentes intérpretes praticamente fazem o mesmo som, e, não raro, se servindo dos mesmos efeitos sonoros do DJ.
O próprio "funk" não consegue estabelecer uma distinção entre marketing e etnografia, entre a visão idealizadora dos intelectuais associados, que atribuem ao gênero uma riqueza de referências culturais que nunca existiu, e se contradiz mais ainda quando tenta se eximir das responsabilidades quando transmite não suas supostas qualidades positivas, mas as claramente negativas.
Diante disso, o "funk" não consegue provar sua alegação de "cultura popular autêntica". É como uma banana de cera que faz o possível para dizer que veio de uma bananeira. As contradições discursivas e a mania de ficar explicando através das mesmas só agrava a imagem duvidosa que o "funk", um mero produto da "cultura de massa", apresenta em sua realidade prática.
FONTES: O Globo, Blogue Linhaça Atômica.
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