MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO - Espaço cultural, em vez de divulgar emergentes da MPB, rendeu-se ao "jabá" ao abrir espaço para um cantor de "pagode romântico".
Por Alexandre Figueiredo
As autoridades, a princípio, fazem sua parte. Buscam preservar o patrimônio cultural e promover atividades que evocam as raízes culturais e artísticas de cada região. O trabalho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é relevante e seus esforços de divulgar a riqueza cultural brasileira, mesmo com todos os senões eventuais aqui e ali, não deixam de ser significativos.
O problema é que, infelizmente, nosso patrimônio cultural não é socializado. O poder midiático e o mercado, do qual se servem "informalmente" intelectuais culturais que defendem a supremacia do brega-popularesco - conjunto de valores e personagens "populares" da música, do entretenimento em geral e até da imprensa - sob a alegação de "romper o preconceito", manipulam o gosto popular e filtram o que deve ser ou não apreciado pelo grande público.
No Carnaval deste ano, observa-se a consagração de tendências comerciais, não só carnavalescas, que se tornam "sucesso" nos desfiles. Até os carnavais de rua são alvo desse comercialismo voraz: sucessos da axé-music (que nasceu comercial, a partir de uma deturpação do carnaval baiano pelos interesses político-turísticos), do "sertanejo" e do "funk carioca".
As gerações mais recentes acabam mal-acostumadas com isso. "Convivem" com subcelebridades, mulheres siliconadas, canastrões musicais, intelectuais porraloucas, locutores broncos, tabloides policialescos, craques de futebol que mal sabem falar, entre outros que combinam pouco ou nenhum talento com pretensões e ambições descomunais de fazer sucesso, ainda que causando "polêmicas" fáceis.
Um país com Educação deficitária e que vê, em São Paulo, incêndios atingirem relíquias culturais que se perderam para sempre - por sorte, há réplicas que agora as "substituem" - , como no Museu da Língua Portuguesa e na Cinemateca Brasileira, fora os incêndios que destruíram quadros de colecionadores no Rio de Janeiro - "Samba" (1925), quadro de Di Cavalcânti, pelo menos tem reproduções na Internet - e as obras do artista plático tropicalista Hélio Oiticica, vive um quadro preocupante.
De um lado, o risco de nosso rico patrimônio cultural se perder completamente, não bastasse eles "morrerem" nos museus que mal conseguem servir sequer de mausoléus de uma história cultural que as gerações recentes não conseguem ver.
De outro lado, o avanço da mediocrização artístico-cultural que atinge níveis quase totalitários. É até irônico que um Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que em 1978 sofreu um incêndio que destruiu quadros preciosos, tenha acolhido uma apresentação do cantor Belo, um dos nomes do brega-popularesco, associado ao "pagode romântico" que se ascendeu na Era Collor e que já tem uma porção de espaços para se apresentar, até mesmo grandes casas de espetáculos.
Já os novos músicos de MPB não têm a mesma sorte. Eles aparecem, quando muito, em pequenos espaços culturais e em programas obscuros de canais comunitários ou políticos da TV por assinatura, desses que são transmitidos quase de madrugada e que metade dos próprios fãs não tem sequer noção de que canais são transmitidos.
As pessoas não sentem disposição pela busca do conhecimento. De quem é a culpa por isso? Certamente não é da própria população, apesar do costume que tem de ler livros "água-com-açúcar" ou obras banais de ficção, humor besteirol ou a literatura religiosa mais piegas de sempre. Ou então de ver filmes só por serem "engraçados", "comoventes" ou estimulam a "adrenalina", ouvir música "divertida" ou "consoladora" e ver peças teatrais com temáticas inócuas e americanizadas.
A população acaba sofrendo a influência de um mercado do entretenimento conservador, no qual se apoiam grandes corporações e poderosos grupos de mídia. Como há uma mentalidade economicista, a do lucro, os interesses dos empresários envolvidos, inclusive executivos de mídia que manipulam o inconsciente coletivo, o que faz o grande público perder a noção da relevância ou irrelevância de um suposto bem cultural tido como "sucesso popular".
Como é que as pessoas vão desenvolver a reeducação cultural se hábitos, costumes, crenças e valores acabam sendo os adquiridos pelo poder midiático? A crise educacional, os problemas econômicos e sócio-culturais diversos, a submissão ao que é decidido "de cima", dos escritórios midiáticos, que selecionam quem deve ser famoso, vender mais produtos, dar mais audiência e chamar mais atenção, por mais frívolo, fútil e até inútil que seja.
A exploração dos pontos fracos das pessoas, como a sexualidade impulsiva dos homens pobres, a religiosidade extrema de muitos indivíduos e o conservadorismo ideológico de muitos telespectadores influem na baixa qualidade dos chamados "produtos culturais" de hoje, e o mais grave é quando o interesse dos executivos da grande mídia conta com um respaldo de uma intelectualidade que apenas finge não apoiar nem ter vínculo com os chamados "chefões da mídia".
O mais grave é que os intelectuais forjaram um discurso "militante" que soa muito falso e confuso, mas foi durante muito tempo persuasivo, e provocou dois danos graves. Um é prolongar a degradação cultural que já era dominante no mercado e na mídia. Outro é impor todos esses referenciais comerciais como se fossem "folclore" e tivessem algum valor artístico-cultural, no sentido de produção de conhecimentos e valores edificantes, que em verdade não possuem.
E isso se torna grave quando vemos a "cultura" se desperdiçar com tantos "bens culturais" ruins, que se tornam sucessos estrondosos durante um momento e até durante anos, que recebem a blindagem de antropólogos, historiadores, cineastas e jornalistas culturais que tentam atribuir a eles pretensos valores etnográficos, ignorando que muitas dessas "expressões" não têm sequer a sinceridade social do convívio comunitário, devido aos factoides e outros apelos tendenciosos.
Enquanto perdemos coisas valiosas, como se não bastasse a mortalidade de muitos grandes nomes de nossa cultura, como se não fosse suficiente perdermos acervos importantes do cinema, do rádio e da televisão, ocorrem incidentes que fazem perder ainda mais nosso patrimônio. O que perdemos de bens culturais e pessoas de talento não é devidamente compensado quando o mercado privilegia canastrões culturais e subcelebridades ou fenômenos que se destacam mais pelo pitoresco, pelo grotesco, pelo sensacionalista ou pelo piegas.
Esse é um quadro que deveria ser discutido, sem fazer o que a parcela de intelectuais badalados fez, que era defender a degradação cultural como se ela fosse sinônimo de "renovação". Estes intelectuais, por mais que vistam a capa de "etnógrafos", "provocadores" ou "progressistas", estão a serviço das normas de mercado.
Toda essa "etnografia" trazida pela intelectualidade festiva em discurso pseudomodernista não é mais do que um recurso publicitário enganoso, feito para fazer prevalecer os chamados "sucessos do povão" em detrimento da necessidade de termos uma cultura melhor.
FONTES: O Globo, UOL, O Dia, Jornal do Brasil.
Por Alexandre Figueiredo
As autoridades, a princípio, fazem sua parte. Buscam preservar o patrimônio cultural e promover atividades que evocam as raízes culturais e artísticas de cada região. O trabalho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é relevante e seus esforços de divulgar a riqueza cultural brasileira, mesmo com todos os senões eventuais aqui e ali, não deixam de ser significativos.
O problema é que, infelizmente, nosso patrimônio cultural não é socializado. O poder midiático e o mercado, do qual se servem "informalmente" intelectuais culturais que defendem a supremacia do brega-popularesco - conjunto de valores e personagens "populares" da música, do entretenimento em geral e até da imprensa - sob a alegação de "romper o preconceito", manipulam o gosto popular e filtram o que deve ser ou não apreciado pelo grande público.
No Carnaval deste ano, observa-se a consagração de tendências comerciais, não só carnavalescas, que se tornam "sucesso" nos desfiles. Até os carnavais de rua são alvo desse comercialismo voraz: sucessos da axé-music (que nasceu comercial, a partir de uma deturpação do carnaval baiano pelos interesses político-turísticos), do "sertanejo" e do "funk carioca".
As gerações mais recentes acabam mal-acostumadas com isso. "Convivem" com subcelebridades, mulheres siliconadas, canastrões musicais, intelectuais porraloucas, locutores broncos, tabloides policialescos, craques de futebol que mal sabem falar, entre outros que combinam pouco ou nenhum talento com pretensões e ambições descomunais de fazer sucesso, ainda que causando "polêmicas" fáceis.
Um país com Educação deficitária e que vê, em São Paulo, incêndios atingirem relíquias culturais que se perderam para sempre - por sorte, há réplicas que agora as "substituem" - , como no Museu da Língua Portuguesa e na Cinemateca Brasileira, fora os incêndios que destruíram quadros de colecionadores no Rio de Janeiro - "Samba" (1925), quadro de Di Cavalcânti, pelo menos tem reproduções na Internet - e as obras do artista plático tropicalista Hélio Oiticica, vive um quadro preocupante.
De um lado, o risco de nosso rico patrimônio cultural se perder completamente, não bastasse eles "morrerem" nos museus que mal conseguem servir sequer de mausoléus de uma história cultural que as gerações recentes não conseguem ver.
De outro lado, o avanço da mediocrização artístico-cultural que atinge níveis quase totalitários. É até irônico que um Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que em 1978 sofreu um incêndio que destruiu quadros preciosos, tenha acolhido uma apresentação do cantor Belo, um dos nomes do brega-popularesco, associado ao "pagode romântico" que se ascendeu na Era Collor e que já tem uma porção de espaços para se apresentar, até mesmo grandes casas de espetáculos.
Já os novos músicos de MPB não têm a mesma sorte. Eles aparecem, quando muito, em pequenos espaços culturais e em programas obscuros de canais comunitários ou políticos da TV por assinatura, desses que são transmitidos quase de madrugada e que metade dos próprios fãs não tem sequer noção de que canais são transmitidos.
As pessoas não sentem disposição pela busca do conhecimento. De quem é a culpa por isso? Certamente não é da própria população, apesar do costume que tem de ler livros "água-com-açúcar" ou obras banais de ficção, humor besteirol ou a literatura religiosa mais piegas de sempre. Ou então de ver filmes só por serem "engraçados", "comoventes" ou estimulam a "adrenalina", ouvir música "divertida" ou "consoladora" e ver peças teatrais com temáticas inócuas e americanizadas.
A população acaba sofrendo a influência de um mercado do entretenimento conservador, no qual se apoiam grandes corporações e poderosos grupos de mídia. Como há uma mentalidade economicista, a do lucro, os interesses dos empresários envolvidos, inclusive executivos de mídia que manipulam o inconsciente coletivo, o que faz o grande público perder a noção da relevância ou irrelevância de um suposto bem cultural tido como "sucesso popular".
Como é que as pessoas vão desenvolver a reeducação cultural se hábitos, costumes, crenças e valores acabam sendo os adquiridos pelo poder midiático? A crise educacional, os problemas econômicos e sócio-culturais diversos, a submissão ao que é decidido "de cima", dos escritórios midiáticos, que selecionam quem deve ser famoso, vender mais produtos, dar mais audiência e chamar mais atenção, por mais frívolo, fútil e até inútil que seja.
A exploração dos pontos fracos das pessoas, como a sexualidade impulsiva dos homens pobres, a religiosidade extrema de muitos indivíduos e o conservadorismo ideológico de muitos telespectadores influem na baixa qualidade dos chamados "produtos culturais" de hoje, e o mais grave é quando o interesse dos executivos da grande mídia conta com um respaldo de uma intelectualidade que apenas finge não apoiar nem ter vínculo com os chamados "chefões da mídia".
O mais grave é que os intelectuais forjaram um discurso "militante" que soa muito falso e confuso, mas foi durante muito tempo persuasivo, e provocou dois danos graves. Um é prolongar a degradação cultural que já era dominante no mercado e na mídia. Outro é impor todos esses referenciais comerciais como se fossem "folclore" e tivessem algum valor artístico-cultural, no sentido de produção de conhecimentos e valores edificantes, que em verdade não possuem.
E isso se torna grave quando vemos a "cultura" se desperdiçar com tantos "bens culturais" ruins, que se tornam sucessos estrondosos durante um momento e até durante anos, que recebem a blindagem de antropólogos, historiadores, cineastas e jornalistas culturais que tentam atribuir a eles pretensos valores etnográficos, ignorando que muitas dessas "expressões" não têm sequer a sinceridade social do convívio comunitário, devido aos factoides e outros apelos tendenciosos.
Enquanto perdemos coisas valiosas, como se não bastasse a mortalidade de muitos grandes nomes de nossa cultura, como se não fosse suficiente perdermos acervos importantes do cinema, do rádio e da televisão, ocorrem incidentes que fazem perder ainda mais nosso patrimônio. O que perdemos de bens culturais e pessoas de talento não é devidamente compensado quando o mercado privilegia canastrões culturais e subcelebridades ou fenômenos que se destacam mais pelo pitoresco, pelo grotesco, pelo sensacionalista ou pelo piegas.
Esse é um quadro que deveria ser discutido, sem fazer o que a parcela de intelectuais badalados fez, que era defender a degradação cultural como se ela fosse sinônimo de "renovação". Estes intelectuais, por mais que vistam a capa de "etnógrafos", "provocadores" ou "progressistas", estão a serviço das normas de mercado.
Toda essa "etnografia" trazida pela intelectualidade festiva em discurso pseudomodernista não é mais do que um recurso publicitário enganoso, feito para fazer prevalecer os chamados "sucessos do povão" em detrimento da necessidade de termos uma cultura melhor.
FONTES: O Globo, UOL, O Dia, Jornal do Brasil.
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