JOÃO GOMES (E) E JORGE DU PEIXE, DA NAÇÃO ZUMBI - Relação de negócios disfarçada de "encontro musical".
Por Alexandre Figueiredo
A narrativa parece atraente. O ídolo popularesco do momento, sucesso absoluto nas rádios do Brasil, faz dueto com algum nome da MPB ou interpreta algum clássico do cancioneiro emepebista. Oficialmente, atribui-se a isso um “reconhecimento artístico” da chamada “alta cultura” e intelectuais festejam a derrubada do “preconceito”.
Através dessa narrativa, o ídolo popularesco é um coitadinho que faz sucesso por conta própria e que, vencendo está etapa, busca agora o reconhecimento pelo primeiro time da MPB, aqui vista como um triatlo musical.
Só que a verdade diz o contrário. Não é o ídolo popularesco o coitadinho que, em tese, está em busca de reconhecimento artístico e cultural, mas é a MPB que, sem um espaço que lhe garanta visibilidade e credibilidade, precisa negociar com o ídolo popularesco um espaço de divulgação.
Recentemente, o ídolo do forró-brega João Gomes tenta usar a MPB como trampolim para um sucesso mais duradouro. Isso lembra o fim dos anos 1990, quando os ídolos do “sertanejo” e “pagode romântico”, os mesmos que se projetaram na Era Collor, embarcaram nas conversas, tributos e duetos com artistas de MPB para se promoverem e buscarem um público relativamente mais exigente.
Era a época da “MPB de mentirinha”, feita mais para atingir uma demanda que consumia sucessos de MPB autêntica que tinham acesso em trilhas sonoras de novelas da Rede Globo. Ídolos popularescos brincavam de “fazer MPB” dentro de uma cosmética televisiva que os colocava próximos ao padrão superficial dos candidatos de reality shows musicais.
O caso de João Gomes e sua aparente interação com a nata da MPB retoma esse momento tendencioso. João já fez dueto com Vanessa da Mata, fez Marisa Monte dançar e cantou com o grupo Nação Zumbi. E ainda gravou participação no especial de Roberto Carlos.
A "interação" entre ídolos popularescos e nomes da MPB e, por associação a esta, do Rock Brasil, são na verdade relações de negócios. Não são os ídolos popularescos os "pobres coitados" em busca de um "lugar ao Sol tão bonito da MPB", mas são a MPB e o Rock Brasil que tentam entrar em mercados que hoje se fecharam para a música brasileira de qualidade.
Mercados como a Bahia, onde predomina a axé-music, o Norte e Nordeste, onde tem o piseiro, o forró-brega e o tecnobrega, e o Centro-Oeste, onde predomina o "sertanejo", são mercados inflexíveis, o que obriga nomes da MPB e do Rock Brasil a apelarem para "parcerias" caça-níqueis com os ídolos da música brega-popularesca.
No último dia 27 de dezembro, o cantor João Gomes foi cantar com os integrantes da banda Nação Zumbi, no festival Virada Recife. O pretexto era homenagear o falecido fundador da NZ, Chico Science, e a relação de negócios se deu de tal maneira que o faz-de-conta do "encontro histórico" rendeu matérias "elogiosas" a ponto de chamar o ídolo do forró-brega de "novo foguete da música pernambucana".
A ideia que está por trás disso está no fato de que João Gomes representa mercados nordestinos bastante fechados, em que a música brega-popularesca praticamente exerce monopólio e supremacia. João Gomes cantando com Nação Zumbi em Recife soa como Ivete Sangalo cantando com Maria Rita Mariano em Salvador. Por trás de "encontros" desse nível, o que há são relações de negócios.
Os ídolos brega-popularescos são sustentados por poderosos empresários e culturalmente são postiços, embora supostamente representem identidades populares regionais. Por mais que uma classe de intelectuais tenda a glamourizar o comercialismo brega-popularesco e superestimar a ampla adesão popular, essa elite não admite que, por trás desse sucesso todo, há uma logística meramente comercial, com apelo puramente publicitário, de promoção desse "sucesso fácil e estrondoso".
A música brega-popularesca é calculada, assim como seus ídolos, que atuam como subcelebridades. O crescimento dos fenômenos popularescos pode fazer crer que tudo fluiu naturalmente e que a "verdadeira cultura popular" se consagrou "sem corantes nem aromatizantes".
Grande engano. A "cultura popular" hoje é tão artificial quanto um sorvete indistrializado que, na verdade, não é mais do que gordura hidrogenada com açúcar e com corantes, aromatizantes e sabores imitando frutas. A música brega-popularesca e a simbologia sociocultural que envolve são apenas processos industriais de entretenimento sem valor artístico-cultural genuíno.
Podem os intelectuais pró-brega desperdiçarem páginas relativizando esse caráter industrial, mas a verdade é que a música brega-popularesca atende a interesses privados de empresários, empresas patrocinadoras, publicitários, executivos de mídia e outros poderes. Por trás da inocente festa de plateias lotadas, há muitos interesses políticos e empresariais em jogo.
E quem está no lado de baixo da balança não são os ídolos popularescos, muitos deles ricos e poderosos, mas a MPB e o Rock Brasil que precisam entrar em mercados considerados difíceis. E o caso recente de João Gomes cantando com a Nação Zumbi mostra que a suposta interação entre os ídolos popularescos e a música brasileira de qualidade demonstrar ser não mais do que puro negócio.
FONTES: UOL, Blogue Linhaça Atômica, Carta Capital, Portal G1.
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