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O INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL E A TRAGÉDIA CULTURAL BRASILEIRA

MUSEU NACIONAL, NO RIO DE JANEIRO, APÓS O INCÊNDIO DE 02 DE SETEMBRO.

Por Alexandre Figueiredo

Não se chegou a um mês de completados os 200 anos do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que foi no último 06 de agosto de 2018, e uma tragédia tornou-se o efeito da indiferença que o poder público e a sociedade em geral sentiu pela instituição, que abrigava um rico acervo que, infelizmente, se perdeu para sempre.

Foi encerrar o expediente, no último dia 02 de setembro, para um incêndio surgir, provavelmente devido a um curto-circuito. O fogo se espalhou rapidamente, e o corpo de bombeiros chegou quando o incêndio já era intenso, destruindo quase que por completo seu acervo, restando muito poucas coisas, entre as quais o meteorito Bendegó, por ser resistente a altas temperaturas.

Perderam-se muitas obras de arte aplicada, muitos objetos de valor arqueológico de tribos ameríndias e de antigos povos egípcios. A recente reconstituição de uma mulher que teria vivido no território brasileiro durante a pré-história, apelidada de Luzia, se perdeu no incêndio.

O acervo tinha mais de 20 milhões de itens. Era uma coleção acumulada em dois séculos, e que simbolizava uma trajetória de desenvolvimento não só da identidade sócio-cultural brasileira, mas também seu diálogo com as expressões estrangeiras, como no caso da guarda de objetos culturais estrangeiros, como o caso egípcio.

A perda desse acervo, pelo incêndio que foi consequência dos problemas de manutenção do prédio, simboliza o desprezo ao patrimônio cultural que a sociedade convencional sentia em relação à cultura, conformada com a ilusão de que a chamada cultura midiática e seu entretenimento que só evoca valores culturais superficiais ou caricatos parecia autossuficiente e abrangente.

LOCAL FOI ABRIGO DA FAMÍLIA REAL

O palácio que hoje é o Museu Nacional em ruínas, com sua estrutura ameaçada de desabamento, foi construído em 1808 para ser residência da família real portuguesa, encabeçada pelo rei Dom João VI, que se instalou no Brasil e permaneceu durante pouco mais de dez anos, voltando para Portugal em 1821. Está localizado na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, no Centro Norte carioca.

O Museu Nacional foi inaugurado em 06 de agosto de 1818, mas ele levou tempo para ser sediado no prédio que hoje se encontra destruído. Sua primeira instalação foi no Campo de Santana, e seu acervo inicial era legado da antiga Casa de História Natural, popularmente apelidada de "Casa dos Pássaros", fundada em 1784 pelo vice-rei Dom Luís de Vasconcelos.

Em 1892, o acervo foi transferido para a antiga residência imperial. Em 1946, o Museu Nacional passou a ser administrado pela então Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. O palácio foi também um dos primeiros bens tombados pelo IPHAN, quando este se chamava Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1938.

O acervo que havia sido guardado pelo Museu Nacional incluiu os mais importantes registros da memória brasileira referentes às ciências naturais e antropológicas. Adquirido ao longo de todo seu período por meio de coletas, escavações, permutas, aquisições e doações, a coleção foi subdividida nas áreas de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia.

Também se perderam mais de 470 mil volumes e 2.400 obras raras que compunham sua biblioteca de ciências naturais, que foi considerada a maior do Brasil. O Museu, como um todo, também era conhecido por ter a maior coleção de história natural e antropologia da América Latina. Toda a coleção era utilizada para pesquisas escolares, mas também era apreciada por visitantes que frequentavam o local.

SÍMBOLO DE UM BRASIL EM MODERNIZAÇÃO

O Museu Nacional, tendo sido uma das realizações da estadia de Dom João VI no Brasil, foi um dos símbolos de um processo de modernização sócio-cultural do país, que buscava superar as condições subalternas de colônia de Portugal.

Pode parecer irônico que Portugal tenha "bancado" a independência gradual do Brasil, e, mesmo com seus senões, a família real portuguesa se empenhou em promover avanços sociais no país. Em todo caso, controvérsias à parte, o Museu Nacional foi um dos marcos desse caminho acidentado que teve várias conquistas, mas encontra-se em profunda dificuldade nos últimos anos.

O Brasil buscou desenvolver sua identidade cultural a partir daí, e diversos momentos de avanços culturais foram observados, como na Semana de Arte Moderna de 1922, na consolidação do legado modernista nos anos 1930, com as pesquisas de Mário de Andrade e a fundação do SPHAN, e nos debates culturais do período da Bossa Nova e do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes.

Infelizmente, desde o coronelismo midiático que, no final da década de 1950, deu o ponto de partida para a chamada bregalização cultural, depois ampliada pela ditadura militar e, mais recentemente, por um grupo de intelectuais orgânicos apadrinhados por Fernando Henrique Cardoso, mas atuantes durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, a cultura brasileira sofreu um sério desprezo social.

Sob a desculpa do "combate ao preconceito", deu-se preferência a fenômenos do entretenimento comercial e midiático, que abordavam o povo brasileiro de maneira estereotipada e caricatural. Uma combinação de discursos falaciosos, que tendenciosamente emulavam elementos da Antropofagia Cultural e do Tropicalismo, criaram a ilusão de que a cultura brega-popularesca, conhecida como "popular demais", era o "verdadeiro folclore brasileiro".

A prevalência de formas comerciais de entretenimento, sob o pretexto de "livre expressão das periferias", foi uma retórica engenhosa que prejudicou culturalmente o Brasil. Enquanto o discurso oficial falava no "preconceito" a ser, em tese, combatido pela aceitação de formas "extremamente populares" de expressão lúdica, sobretudo musical, o que se via, na verdade, era o verdadeiro preconceito ser deslocado para expressões genuinamente culturais.

A retórica do "popular demais" revelava, sim, uma abordagem bastante preconceituosa das classes populares, mas um discurso tão sofisticado, embora cheio de falhas lógicas, que fez muitas pessoas ignorarem que essa ideologia, embora parecesse atraente, defendia aspectos problemáticos como a glamourização da pobreza e da ignorância e de valores retrógrados como a coisificação do corpo feminino, sobretudo por meio do "funk".

O discurso, além disso, evocava certo paternalismo das elites intelectuais em relação ao povo pobre, além da cumplicidade, nem sempre assumida no discurso, com o poder midiático - em especial a Folha de São Paulo e a Rede Globo de Televisão - , e, contraditoriamente, um desprezo para os verdadeiros valores culturais e com as necessidades reais de melhoria de vida dos pobres.

Diante disso, criaram-se apelos demagógicos como o "ufanismo das favelas", o "orgulho de ser pobre", o falso empoderamento das mulheres-objetos, e práticas ao mesmo tempo paliativas ou degradantes, como a prostituição, o alcoolismo, a apreciação do grotesco, do sensacionalista e do piegas, e uma série de simbologias associadas à inferiorização social, como um certo desprezo às identidades culturais e à herança do patrimônio cultural dos antepassados.

Dessa forma, criaram as condições para a decadência sócio-cultural que permitiu o golpismo político de 2016. Mesmo intelectuais supostamente empenhados com as forças progressistas, como Paulo César de Araújo, Denise Garcia e Pedro Alexandre Sanches, na verdade, foram responsáveis pelas condições que propiciaram a queda do governo da presidenta Dilma Rousseff e da ascensão política do fascista Jair Bolsonaro, mesmo entre os chamados "pobres de direita".

A bregalização, que cometeu o equívoco de transformar a pobreza e a degradação social como "patrimônios positivos" das classes populares, criou o verdadeiro preconceito com a cultura autêntica, que se alimentou com o desprezo das autoridades com o Museu Nacional, num contexto em que um reality show como o Big Brother Brasil, da Rede Globo, insiste em permanecer no ar.

Daí o sentido trágico do Museu Nacional, cujo gigantesco acervo, que em boa parte contava a história e o legado dos povos mais antigos que habitaram o solo brasileiro, se perdeu. O desprezo das autoridades com nossas riquezas culturais e a demagógica atuação de uma parcela da intelectualidade em substituir o antigo patrimônio pelo pretenso patrimônio do entretenimento "popular demais" e suas formas pejorativas de ver o povo pobre, refletem essa tragédia.

Hoje vemos essas autoridades e esses intelectuais lamentando, da boca para fora, a perda da valiosa coleção do Museu Nacional, num incêndio que só teve como único atenuante o fato de não ter deixado sequer feridos, já que os quatro vigilantes que atuaram no local conseguiram sair do prédio a tempo.

Nenhuma política foi feita para investir na manutenção do Museu Nacional e a proteção de sua coleção. Apelos foram feitos há mais de cinco anos, mas pouca coisa foi feita e, com o congelamento dos gastos públicos do governo Michel Temer, a coisa se agravou.

Agora, enquanto as pessoas em geral podem ir para um "baile funk" festejar a glamourização da miséria humana, estudantes e pesquisadores perderam a oportunidade de consultar obras e objetos que se perderam no museu incendiado. Temos agora que nos contentar com imagens dessas obras extintas e citações descritas em trabalhos de pesquisas feitos até então.

FONTES: G1, UOL, IPHAN, Wikipedia, blogue Mingau de Aço, blogue Linhaça Atômica, Carta Capital, Diário do Centro do Mundo, Brasil 247.

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