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FERNANDO BRANT MORREU NUM PERÍODO DE CRISE DA MPB


Por Alexandre Figueiredo

O falecimento do poeta Fernando Brant, parceiro de muitas canções de Milton Nascimento e um dos membros mais atuantes do movimento mineiro Clube da Esquina, causou um impacto negativo de nossa MPB em crise. Ao nos deixar, no último dia 12, com 69 anos incompletos devido a uma doença no fígado, ele deixou também uma grande lacuna para a Música Popular Brasileira.

Ele morreu diante de um cenário de crise que assola a MPB, que hoje se divide no avanço predatório da bregalização dos "sucessos populares", claramente comerciais, e uma elitização que faz a MPB autêntica se congelar em tributos e eventos de gala, praticamente congelando seu potencial criativo.

Um exemplo claro é Maria Bethânia. Com todas as suas virtudes, seu talento e sua desenvoltura no palco, ela tornou-se rotineira, e o fato dela ser um dos poucos nomes emepebistas a alcançar o grande público não resolve o problema da MPB paralizada nos seus clichês e banalidades.

Precisa-se de uma renovação na MPB. Mas ela não viria, como desejava uma elite de intelectuais paternalistas e populistas, nos neo-bregas. que são os "sertanejos" e "pagodeiros" que fizeram sucesso nos anos 90 e tentaram repaginar suas carreiras com uma roupagem falsamente MPB, sem representar um vigor artístico novo, já que artisticamente continuam sendo bregas e medíocres como antes.

Ver nos sucessos radiofônicos "populares" a esperança de renovação da MPB, uma ideia que, durante cerca de dez anos, de 2002 a 2014, tentou ser trabalhada com muita insistência nos meios intelectuais e acadêmicos, não conseguiu se concretizar na prática.

Afinal, se a intelectualidade reclamava da mesmice que se tornava a MPB "de elite", era justamente nessa mesmice que os neo-bregas e derivados se pautavam para se lapidarem musicalmente, já que eles passaram também a adotar uma "MPB de trajes de gala", com muita iluminação, pompa, roupas chiques e todo um aparato luxuoso, mas musicalmente inexpressivo.

O falecimento de Fernando Brant gerou, devido a sua visibilidade, um impacto bastante negativo. Mas, desde que Silvinha Telles faleceu num desastre automobilístico, em 1966, a nata da MPB autêntica já contabiliza suas perdas e lacunas irreparáveis. Silvinha até hoje não teve uma sucessora à altura, com voz e performance comparáveis ao seu estilo delicadamente sofisticado.

Recentemente, o falecimento de Paulinho Tapajós teve o mesmo efeito devastador da perda de Fernando Brant, mas sem a visibilidade do letrista de "Travessia". E essa lacuna se dá pelo fato de que, na música brasileira, não é qualquer um que escreve sobre amizades, amores e temas ecológicos com emoção e espontaneidade.

NEO-BREGAS NÃO RENOVARAM A MPB

Todos, em tese, escrevem sobre amor, amizade e meio ambiente, tentando parecer bem-intencionados no seu "lirismo de resultados". Não é preciso dizer que os chamados "sertanejos" que despejaram breguices musicais nos anos 80 e foram festejar a vitória eleitoral de Fernando Collor sentem uma obsessão em parasitar o prestígio e o legado do Clube da Esquina.

Esses intérpretes, que só fazem "moda de viola" conforme as conveniências, já que dão preferência a caricaturas de guarânias, mariachis, boleros e country, tão levianamente interpretados, gravam covers tendenciosos do Clube da Esquina ou criam arremedos de letras "fraternais" e "ecológicas" que mais parecem vindas de obras menos inspiradas de Roberto Carlos.

Mas são eles, assim como os "pagodeiros" cujas músicas ensaiam, nas estrofes, caricaturas de Clube da Esquina, antes dos refrões bregas cantados em coro desafinado, que dominam as paradas de sucesso e ditam os paradigmas que o paternalismo de intelectuais trancados em gabinetes refrigerados e morando em condomínios de luxo define como "verdadeira MPB" ou "MPB com P maiúsculo".

Que "verdadeira MPB" ou "MPB com P maiúsculo" é essa que promete a "verdadeira cultura" apenas fabricando sucessos radiofônicos, sem dar uma contribuição de acréscimo e evolução para a linguagem melódica e poética da nossa música, é algo que a arrogância intelectual, que vê o povo pelas caricaturas da grande mídia, não conseguiu esclarecer.

Não se fabricam Fernando Brant em escritórios de empresas de entretenimento, nem nos bastidores de programas de televisão. O contato de neo-bregas com emepebistas, em estúdios de televisão ou mesmo nos palcos, nem de longe representa um aprendizado real, porque a mediocridade pode imitar a genialidade, mas tudo se expressa no sentido de uma cópia sem alma, sem criatividade.

Copia-se muito, imita-se demais, tudo vira um aparato de reprodução de clichês e aspectos mais conhecidos. Os neo-bregas tentaram inserir "preciosismos" como letras "filosóficas", "fraternais" e "conscientes", forjando falsa poesia com arranjos falsamente sofisticados (feitos por terceiros, apesar de alguns cantores serem creditados como co-autores).

Mas tudo isso não traz a beleza natural da música. O resultado é postiço, mas forçado. E não há renovação se os neo-bregas pautam sua "evolução" justamente aos aspectos mais criticados da MPB autêntica, como o aparato de luxo e de pompa e uma postura sem qualquer vínculo com a realidade dos cidadãos comuns.

O que empolgou os intelectuais foi apenas uma divergência pontual, dos neo-bregas terem maior apelo popular do que os emepebistas acusados de elitistas. Mas, como renovação da MPB, foi como se trocasse um seis luxuoso por uma meia-dúzia mais tosca e rudimentar. Os neo-bregas só reforçaram os defeitos que se atribuem à "nata elitista" da MPB autêntica.

PROMESSAS DE RENOVAÇÃO

A renovação da MPB tem alguma chance? Talvez. Mas a grande multidão que faz MPB de verdade, longe das fórmulas bregalizantes e pretensamente "provocativas" do receituário acadêmico-midiático, entre pobres culturalmente criativos e pessoas cultas de classe média, ainda não conta com um espaço pleno de divulgação.

Eles tocam nas ruas e nos palcos improvisados para eventos culturais de menor porte, ou se apresentam em programas musicais de canais comunitários ou de horários reservados na TV Senado ou TV Câmara. Ainda não conseguem chamar a atenção por conta de uma "cultura" midiática viciada que atinge também as "provocativas" elites intelectuais de hoje.

As questões envolvendo visibilidade, mercado e apelo popular criam impasses muito grandes para o Brasil que acabou de perder Fernando Brant e que vê a MPB se tornar acéfala aos poucos, com a morte de um grande nome em um prazo médio de cinco meses.

O que prevalece na MPB autêntica que consegue atrair o grande público é quase todo de pessoas já idosas, com mais de 65 anos, com idade para serem aposentados do INSS. Vários deles já tem mais de 35 anos de serviço, e na prática vivem mais de seus sucessos antigos, apesar da produtividade de novos repertórios, tão bons quanto outrora, mas sem chance de sucesso midiático.

São questões dramáticas que envolvem interesses comerciais, burocracia política, regras de mercado, restrições de ordem midiática. Temos uma estrutura de respaldo cultural viciada, feita por executivos, produtores, promotores, jornalista e acadêmicos sem uma compreensão verdadeira de cultura, que é a de renovação de valores e transmissão de conhecimento.

É por isso que temos uma visão que sempre vai pela questão mercadológica e pelo maniqueísmo populista que define o brega como o "bem" e a "MPBzona" como o "mal", através de intelectuais que fingem serem rivais do mercantilismo midiático, mas que, na prática, compartilham com gosto os interesses mercenários dos chamados "barões da mídia".

Daí que as discussões em torno da renovação cultural brasileira se limitavam apenas a pedir mais verbas para financiamento de atividades. Como se a canastrice dos ídolos popularescos se resolvesse com mais dinheiro no bolso. Mas, se dinheiro não traz felicidade, ele muito menos aumentaria a criatividade.

Talvez fosse necessário repensar as estruturas de mídia, de mercado e mesmo de elites intelectuais. O padrão vicioso que compactua com paradigmas mercadológicos existentes, apostando numa ilusão de uma "diversidade cultural" que só contempla o que "faz sucesso", discriminando a verdadeira diversidade cultural que não agrada ao circo mídia-mercado-academia, tem que ser superado.

Se tivéssemos uma estrutura melhor de divulgação e respaldo da cultura brasileira, os nomes mais populares seriam outros, teríamos um outro quadro de cultura musical brasileira, bem mais saudável e distante dos fantoches do hit-parade manipulados pelas conveniências.

Se fossem superados os paradigmas mercenários, "provocativos" e midiáticos vigentes, é possível que o impacto da perda de Fernando Brant fosse minimizado com a digna transmissão de seus valores para futuros talentos, que recebessem a herança do falecido poeta não necessariamente imitando seu estilo, mas tornando acesa a chama criativa e a espontaneidade artística rara de se ver no circo midiático dominante.

FONTES: G1, UOL, Brasil 247.

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