REPROVAÇÃO EM CONCURSO INSPIROU CRIAÇÃO DESTE SÍTIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS.
Por Alexandre Figueiredo
Posso me considerar um cientista social. Num país em que, paradoxalmente, não quer exigir diploma para jornalista, mas estabelece o poder do status acadêmico nas ciências sociais, eu, no entanto, tenho a responsabilidade social que muitos cientistas sociais de diploma e grande visibilidade não possuem.
Por incrível que pareça, sou a favor do diploma. Só não o sou quando o diploma deixa de ser um comprovante de instrução para ser um instrumento de poder. Quando o diploma passa a estar acima do próprio saber que ele representa, aí eu sou contra.
Há cinco anos, ainda morava em Salvador e fui reprovado tanto na inscrição para o Mestrado de História, na Universidade Federal da Bahia, quanto no concurso para técnico de Ciências Sociais para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Eu havia me inscrito para o concurso em julho de 2005, e em agosto eu fiz a prova. Fiz o melhor possível para obter aprovação nas duas fases do concurso, a prova objetiva e a discursiva (redação). Mas um dos transtornos me atrapalhou seriamente nos estudos.
Antes de mais nada, queria ir embora de Salvador. A cidade está passando por uma crise de valores sociais e institucionais porque foi mergulhada no atraso, por conta de uma aristocracia que, salvo honrosas exceções, nunca contribuiu pelo progresso da capital baiana, pelo contrário, apenas brincando de modernidade dentro de seus apartamentos, enquanto o provincianismo movido pela ignorância e marasmo tornava a cidade ruim até de obter emprego.
Eu, como jornalista, não posso trabalhar em Salvador, porque a única oferta que tinha era uma rádio comandada por um ex-prefeito da capital baiana, um corrupto que tornou-se um pretenso radiojornalista para se autopromover às custas da sociedade que ele passou a ludibriar.
Fiz vários tipos de concursos. Dos Correios ao Ministério do Planejamento, passando pelo IBGE e INSS, entre outros. Tudo para tentar sair da capital baiana, porque só consegue alguma coisa na vida soteropolitana quem se junta à panelinha elitista de acadêmicos e astros da mídia local.
Em nenhum deles consegui passar, mas, se um dia eu entrasse como funcionário terceirizado, mesmo assim eu poderia ser concursado, porque tentei vários concursos e posso ter sido reprovado por injustiça. Afinal, quem "avalia" as provas é um robô que lê as respostas assinaladas. E há casos de concursos com gabaritos errados em pelo menos cinco questões e algumas dessas questões mal formuladas no enunciado e nas opções para resposta.
O concurso do IPHAN era bem interessante. O tema patrimônio me dava vontade de trabalhar, ser servidor, lançar ideias sobre o ramo. Estava entusiasmado em estudar, mas um fator me prejudicou seriamente nos estudos: a greve dos bibliotecários da Universidade Federal da Bahia.
Péssimo momento para se fazer uma greve. E numa época em que se discute se a greve é ou não o melhor meio de protesto das classes trabalhadoras.
Numa cidade em que a escassez de livros nas bibliotecas é grande, eu tinha até a lista de livros sugeridos pelo próprio IPHAN para estudar para o concurso. Mas do total dos títulos, eu mal conseguia adquirir para empréstimo ou fotocópia 1% deles.
Cheguei a me virar para obter as resenhas de alguns títulos, como no caso do livro O Espaço da Diferença, organizado pelo então presidente do IPHAN, antropólogo Antônio Augusto Arantes Neto (que saiu do cargo antes dos concursados de 2005 serem convocados), até uma resenha boa, embora naturalmente não seja um resumo rigoroso do livro. Mas deu para ter uma noção do conteúdo da obra.
O tempo que eu perdi tentando obter títulos, me deslocando de ônibus para as faculdades, comprometeu meu rendimento para o concurso. Minha dificuldade em obter material sobre antropologia me prejudicou na redação. O organizador do concurso, o Núcleo de Comunicação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formulou duas perguntas vagas sobre antropologia, e não pude acertar as questões a ponto de ser aprovado.
Resultado. O primeiro concurso feito pelo IPHAN depois de promulgada a Constituição de 1988 foi feito com muitas falhas. A questão 32 teve duas respostas corretas, pelo que vi nas cinco opções apresentadas. Eu tentei seguir o orientado pelo edital no pedido de revisão (chama-se de "entrar em recurso"), mas não adiantou.
A reprovação do concurso do IPHAN foi uma das minhas maiores decepções. Mas me fez mergulhar a fundo nos assuntos da instituição. Tornei-me cientista social por conta própria, lendo sobre Antropologia, Sociologia e História, além de assuntos sobre patrimônio.
Continuei obtendo o material contido na bibliografia orientada para o concurso, e o próprio livro O Espaço da Diferença eu pude comprar, através de um sebo paulista, cerca de dois anos depois do concurso.
Fiz outro concurso do IPHAN, bem mais difícil, pois incluiu até raciocínio lógico. Tive uma dedicação melhor, um desempenho melhor, mas até agora aguardo resposta de convocação.
Em todo caso, a reprovação do concurso do IPHAN em 2005 foi a raiz deste sítio que atualmente produzo no Blogger, e que me incentivou a estudar e saber muito mais sobre as ciências sociais e os temas ligados ao patrimônio histórico. Ensaios Patrimoniais entrou no ar quando os primeiros aprovados do concurso de 2005 começaram a ser convocados para o serviço.
Ensaios Patrimoniais pode não ser um sítio de um mestre ou doutor acadêmico, mas a produção de conhecimento e a divulgação das principais atividades do IPHAN faz com que o sítio de ciências sociais faça sua diferença, mesmo num país onde a atividade intelectual é tão desestimulada que a maioria se entrega fácil ao jogo do jabaculê midiático e da burocracia corporativista, em detrimento da fundamental expressão do senso crítico, essencial para o verdadeiro trabalho intelectual.
Fonte: Minha experiência de vida.
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