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O GRAVE ERRO DE FECHAR A AV. RIO BRANCO PARA CARROS

Por Alexandre Figueiredo

Muitos dos piores erros só são reconhecidos tardiamente. No calor do momento, a imprudência e imprevidência humanas não conseguem perceber os malefícios de dadas decisões, e muitos erros gravíssimos, de consequências funestas, aparecem sob a máscara de atitudes acertadas, seja por ignorância, seja por interesses restritos a determinados indivíduos ou grupos.

O que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, pretende fazer, certamente, irá marcá-lo negativamente no futuro. O absurdo fechamento da centenária avenida Rio Branco, fatalmente, causará transtornos futuros para os cariocas, principalmente para o trânsito, que ficará cada vez mais caótico.


AV. RIO BRANCO EM 1905, QUANDO SE CHAMAVA AV. CENTRAL.

Mas até para manifestações sócio-políticas seria complicado. É verdade que a Praça Floriano será preservada para manifestações, da forma como elas ocorrem hoje, mas uma passeata como a que foi a Passeata dos Cem Mil, um dos maiores protestos contra a ditadura militar, realizado em 26 de junho de 1968, não chegariam a ocorrer de forma eficaz por causa das barricadas que, na prática, seriam os canteiros e outros obstáculos similares ao que vemos na Rua Uruguaiana. Uma coisa é desafiar os carros e ônibus num momento de indignação política. Outra coisa é ser desafiado por obstáculos fixos na trajetória natural de seu protesto.

Eduardo Paes é relativamente jovem como político. Com 40 anos, não tem a vivência histórica para perceber o grave risco que faz ao querer transformar a Rio Branco num grande calçadão. Eu, apesar de ser um ano mais novo que ele, pois tenho 39 anos, tenho os pés no chão e sei do valor histórico e social dos lugares e monumentos.

É verdade que a avenida, quando foi inaugurada em 1905 pelo prefeito Francisco Pereira Passos, causou um violento impacto na população carioca de então, na medida em que foi uma larga rua que pôs abaixo uma porção de residências e estabelecimentos comerciais. Mas, descontadas as limitações de interesse no planejamento urbano e no justo deslocamento da população para outros locais, a avenida representou um desenho moderno na arquitetura urbana da cidade. O mesmo se pode dizer da avenida Presidente Vargas.


PRAÇA FLORIANO, ESQUINA DA AVENIDA COM A RUA EVARISTO DA VEIGA.

Mas hoje, a ideologia das "paisagens de consumo" alertada pela arquiteta Lia Motta, a partir da ideia da competição internacional das capitais turísticas do mundo, faz o Rio de Janeiro ser vítima de todo um projeto arquitetônico falsamente preciosista, falsamente histórico, com praças copiadas de Madrid, Roma e Paris. Verdadeiros desertos de mármore, bruscamente erguidos sobre praças e logradouros que até foram alterados com o decorrer do tempo, mas pelo menos foi pela natural evolução da sociedade.

A avenida Alfred Agache estava caótica, até meados dos anos 90. Mas eu mesmo pude conferir, quando andei várias vezes por lá entre 1974 e 1990, o quanto a avenida falava para nós, como um legítimo ambiente histórico socialmente construído. O grande fluxo de pessoas, os muitos ônibus parados, as praças - ou seja, a Praça 15 dividida, na verdade, em dois trechos, o das Barcas e o contíguo à Rua Primeiro de Março - com pedras portuguesas, tudo isso mostrava uma história, não sem problemas, mas certamente resolúveis sem reformas radicais, mantendo sua finalidade social e sua natural evolução através das multidões.


PLACA ANTIGA DA AVENIDA RIO BRANCO, PRESERVADA NUM PRÉDIO.

Todavia, nos anos 90 a avenida teve seu curso sócio-histórico interrompido, por conta de um projeto de arquitetos espanhóis que transformou a Praça 15 num deserto de mármore, com um canto ocupado por mendigos e converteu a avenida Alfred Agache num escuro túnel, cheirando a urina e expressando insegurança. Isso fez com que a maior parte dos passageiros se mudasse para a Rua Primeiro de Março e também várias linhas de ônibus mudaram o destino da Praça 15 para o Castelo.


SEDE DO IPHAN NO RIO DE JANEIRO FICA NA AVENIDA RIO BRANCO, QUE DEVERIA TER SIDO PRESERVADA PELO INSTITUTO.

TOMBAMENTO PODERIA TER IMPEDIDO REFORMAS NA AV. RIO BRANCO

Determina o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que o tombamento de um patrimônio desautoriza qualquer reforma brusca que comprometa sua estrutura e suas caraterísticas tradicionais. Os prédios históricos, por exemplo, são proibidos de fazer reformas na sua estrutura interna, apenas sendo permitido fazer reformas internas que no entanto também não comprometam as caraterísticas arquitetônicas originais.

Essa tese de tombamento é polêmica, uma vez que o tombamento também paralisa construções em ruínas, já que elas não se comparam ao acervo arquitetônico da Grécia e Roma antigas, na Europa, cujo valor histórico se deu na preservação de seus prédios como ruínas, sob risco de criar falsificações arqueológicas. Nestes casos, as discussões sobre se a recuperação de sítios históricos seria ou não uma falsificação, uma intervenção que tira o sentido da construção original, parecem intermináveis e controversas, pois ambas as teses possuem uma boa base de justificação.


PASSEATA DOS CEM MIL, REALIZADA EM 1968 NA AV. RIO BRANCO

Mas a tese de tombamento como meio de impedir a intervenção em sítios arquitetônicos teria sido útil para a Avenida Rio Branco, que perdeu uma boa oportunidade de ter virado patrimônio histórico nacional. A avenida foi um dos símbolos da modernização urbana do prefeito Pereira Passos, e em 2005 o célebre logradouro carioca comemorou seu centenário.

O IPHAN poderia muito bem ter aproveitado a ocasião, talvez com um ou dois anos de antecedência, para efetuar o inventário histórico da avenida, colhendo dados testemunhais, históricos, bibliográficos. Todo o trabalho seria feito até 2005, quando a avenida estaria incluída nos livros de Tombo do IPHAN. Com o tombamento, a avenida não seria autorizada a sofrer reformas bruscas, como a que Eduardo Paes decidiu, que é transformar o logradouro num grande e pretensioso calcadão, colocando os interesses turísticos - com pretexto falsamente ecológico - em detrimento da finalidade social.

CIDADE DE PRIMEIRO MUNDO NÃO SE DEFINE COM PRAÇAS "IMPONENTES"

É uma grande ilusão que deslumbra o prefeito Eduardo Paes, a de que uma cidade de Primeiro Mundo se define por suas praças grandiloquentes, pretensas passarelas da arrogância turística, de um teor falsamente histórico, supostamente ecológico, de um teor colonial caricato e artificial, feito apenas para os passeios de turistas desavisados.

O grande problema não é somente isso. O fechamento da Rio Branco para veículos automotivos representa também um violento desperdício financeiro, que poderia ser aproveitado, isso sim, para medidas mais dignas de Primeiro Mundo, como a despoluição da Baía da Guanabara e do Oceano Atlântico, para a substituição de favelas por casas populares. Isso sim, por trazer qualidade de vida para o povo, seria elevar o Rio de Janeiro para o nível primeiro-mundista sonhado.

Mas se Paes se preocupa mais com equívocos como pintar os ônibus de um mesmo uniforme - variando apenas conforme o tipo de ônibus ou percurso, mas sempre transformando os coletivos na mesmice fardada que já vemos em Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte - ou fechar a grande e movimentada avenida Rio Branco, enquanto no caminho entre o Galeão e o Centro do Rio estão gigantescas áreas de favelas, e a Baía da Guanabara mostra uma poluição gritante. Mas Paes, político novato e relativamente inexperiente, talvez tenha que aprender, no futuro, com os erros que se mostrarão mais evidentes e desastrosos no decorrer dos tempos.

FONTE: O KYLOCYCLO (blog) - http://okylocyclo.blogspot.com - , com adaptações feitas pelo autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000.

ZUKIN, Sharon. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder. In: ARANTES, Antônio A. O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000.

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