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SAMBA CARIOCA TORNA-SE PATRIMÔNIO HISTÓRICO



Por Alexandre Figueiredo

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconheceu o samba do Rio de Janeiro como patrimônio histórico, dando continuidade ao tombamento cultural de derivados do samba de roda, ritmo surgido no Recôncavo Baiano e que tornou-se em 2005 patrimônio cultural. O registro do samba no Livro das Formas de Expressão foi feito pelo Conselho Consultivo do IPHAN, no dia 09 de outubro de 2007, em cerimônia feita no Palácio Gustavo Capanema (antigo MEC), no Castelo, centro do Rio de Janeiro.

O pedido de registro como patrimônio histórico foi feito pelo Centro Cultural Cartola, com o apoio das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e da Liga Independente das Escolas de Samba. O Centro Cultural Cartola criou uma comissão destinada a estudar o legado histórico do samba carioca, pesquisa fundamental para efetivar o tombamento. Segundo a presidente do Centro, Nilcemar Nogueira, neta do compositor Angenor de Oliveira, o Cartola, a solicitação de registro foi feita diante do temor do enfraquecimento do samba carioca.

A pesquisa realizada envolveu um conjunto de referências históricas. Foram pesquisadas monografias e teses sobre os diversos assuntos relacionados ao samba carioca. Livros também foram consultados. A consulta também envolveu reportagens e vídeos, e a avaliação incluiu também o acervo fonográfico do samba ao longo dos anos. Depoimentos de sambistas como Monarco, Xangô da Mangueira e Nelson Sargento.

A comissão que avaliou o samba teve a participação dos pesquisadores Lygia Santos, Rachel Valença, Helena
Theodoro e Aloy Jupiara. Os consultores do estudo foram Sérgio Cabral, Nei Lopes, Roberto Moura, Carlos
Sandroni, Felipe Trotta e João Baptista Vargens. Um documentário também foi feito a partir dessa pesquisa. Também serão feitos novos levantamentos históricos e biografias sobre as personalidades do samba em breve.

A pesquisa revelou três matrizes principais de samba carioca: primeiro, o samba de terreiro, referente aos espaços de encontroe celebração dos sambistas, onde se toca ou dança o samba livre de inspiração nas raízes ancestrais, como o samba-de-roda baiano trazido pelos antigos escravos para o Rio de Janeiro.

Segundo, o samba de partido-alto, nascido das rodas de batucada, onde o grupo marca o compasso, batendo com as palmas da mão e repetindo o refrão e improvisando versos em torno de algum tema sugerido.

Terceiro, é o samba-enredo, resultado da criação das escolas de samba, originalmente surgidas para desfazer a imagem desordeira que os sambistas tinham, porque, antigamente, bastava uma reunião de sambistas para cantar durante a noite para a polícia chegar para desfazer o evento e prender os envolvidos. O preconceito social era um hábito na sociedade rígida do início do século XX. Com as primeiras escolas de samba na década de 1920, evolução dos blocos de entrudo que antes existiam, os sambas-enredo surgiram como tema de eventos de desfile, com um andamento mais melódico e com a apresentação de fantasias e carros alegóricos que ilustravam a história cantada em cada letra de música. Esses desfiles se tornaram o evento do carnaval carioca, promovido através de concursos que premiam as melhores escolas.

O samba carioca surgiu no final do século XIX. Seu primeiro registro em disco foi em 1917, com a gravação de "Pelo Telefone", de Donga, registro fonográfico considerado como o marco zero oficial do samba carioca. Alguns dos primeiros redutos do samba foram as casas das antigas baianas, como a Tia Ciata, onde rodas de samba eram realizadas durante a noite, como diversão dos moradores locais.

A estrutura do samba, da maneira como conhecemos atualmente, centrada no violão, no cavaquinho e nos instrumentos de ritmo, apareceu no bairro do Estácio de Sá (Centro do Rio), na década de 20 no século passado. Depois o samba se espalhou por diversas áreas da cidade, principalmente na Zona Norte, como Madureira, Mangueira, Vila Isabel e Tijuca, e na Zona Oeste, como a região de Bangu.

AMEAÇA DE ENFRAQUECIMENTO

A exemplo da música caipira, que de tão enfraquecida pela americanização brega de grupos como Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone e Rick & Renner, corre o risco de extinção e só não desaparece por iniciativa de nomes como Inezita Barroso, Rolando Boldrin e José Hamilton Ribeiro, o samba também sofre risco de enfraquecimento, embora seu desaparecimento esteja longe de acontecer.

Não se fala apenas da espetacularização das escolas de samba e da problemática participação de chefes do jogo-do-bicho em seus comandos, ou mesmo nas simples pressões da indústria fonográfica para os sambistas autênticos, que às vezes gravam álbuns menos inspirados pela pressão cronológica dos espaços fonográficos. Fala-se da diluição do samba que, nos últimos anos, é feita por grupos como Só Pra Contrariar e Exaltasamba e por cantores como Belo e Alexandre Pires.

O samba carioca é um dos símbolos da cultura popular no Brasil. É internacionalmente reconhecido e bastante difundido no rádio. Nos anos de 1940, a partir da Política da Boa Vizinhança do presidente Franklin Roosevelt, o samba passou a ter influências do jazz norte-americano e daí surgiu o samba de gafieira, que ainda por cima se apropriou do nome swing, relativo a um ritmo derivado do jazz popularizado por Glenn Miller e Benny Goodman, que, na forma aportuguesada, virou "suíngue".

Em seguida, veio o samba-canção, com influências da música romântica de Hollywood, das serestas populares no interior do Brasil e dos boleros popularizados também por Hollywood. Para muitos críticos, era muito menos samba e mais música de fossa, que se tornou a música predominante entre o final dos anos 40 e a primeira metade dos anos 50, numa época de sucessivas tensões políticas, uma delas resultando no suicídio de Getúlio Vargas, além de tragédias envolvendo ídolos populares, como as mortes relativamente prematuras de Francisco Alves e Carmen Miranda, ambos ainda ativos e no calor de sua popularidade. O ambiente brasileiro era propício para que canções que falassem sobre desilusão amorosa tornassem mais populares na época.

Veio então a Bossa Nova, que causou polêmica pela forte influência dos standards norte-americanos (a música popular feita para Hollywood) e do próprio jazz no seu receituário musical. Segundo José Ramos Tinhorão, a Bossa Nova rompeu com o pouco elo que o samba tinha com o povo das favelas. É evidente que a Bossa Nova era um fenômeno ligado à classe média da Zona Sul carioca, num tempo em que várias favelas localizadas ao longo da Lagoa, Leblon e Humaitá começaram a ser removidas, e essa classe média tinha sobretudo formação musical erudita e sofisticada, mas mesmo os elementos estrangeiros eram assimilados de forma pessoal, como acréscimo à linguagem artística.

A Bossa Nova e o cinema brasileiro, este através dos dois filmes de Nelson Pereira dos Santos, Rio 40 Graus (1955) e Rio Zona Norte (1957), ambos com a direção musical do compositor e intérprete de sambas Zé Kéti (do primeiro filme, aliás, veio o tema "Eu sou o samba", do próprio sambista), fizeram renovar a força do samba, ameaçado de ser soterrado pelos boleros tristes e orquestrados. Antigos sambistas passaram a ser relembrados nos anos 50 e 60, como Cartola, Pixinguinha e Nelson Cavaquinho, enquanto que intérpretes como Elza Soares e Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) criavam novas linguagens para o samba brasileiro.

BREGALIZAÇÃO DO SAMBA

A partir dos anos 60, as elites dominantes, detentoras dos meios de produção e de comunicação social mais influentes no país, derrubaram um presidente com projetos sociais (João Goulart) apoiando um golpe militar que resultou numa ditadura que procurou atender aos seus interesses.

A música brega então surgiu como a "cultura popular" que as classes dominantes brasileiras desejavam que o povo tivesse. Era uma música não muito nacionalista, cuja qualidade musical é discutível e cujo valor artístico é duvidoso, mas de forte apelo comercial e aparentemente com elementos que caem imediatamente no gosto popular. Inicialmente limitada à reprodução paródica de elementos da cultura norte-americana, e de elementos italianos e hispano-americanos popularizados por Hollywood. Só a partir do período do "milagre brasileiro", a partir de 1967, é que a música cafona - o termo brega só apareceria a partir de 1972 - passaria a emular os ritmos nacionais, com maior intensidade depois dos anos 80.

O samba começou a ser diluído com o "sambão-jóia", espécie de deturpação do "samba-rock" - que, apesar do nome, é uma fusão entre o samba carioca e a soul music, e não necessariamente o rock - , como nomes como Luís Ayrão, Benito Di Paula, Luís Américo e, anos mais tarde, Wando, todos diluindo o legado neo-sambista de nomes como Jorge Ben, Originais do Samba e Wilson Simonal, com a ressalva de que Benito Di Paula, ainda que integrante do cenário cafona, a exemplo de Neil Sedaka e Paul Anka (integrantes da onda de imitadores cafonas de Elvis Presley no final dos anos 50), fez algumas canções corretas.

A bregalização do samba atingiria contornos graves a partir dos anos 80, quando a ascensão da dupla de compositores Michael Sullivan & Paulo Massadas, oriundos da Jovem Guarda e equivalentes, no plano musical, aos ministros civis do governo Castelo Branco, Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões. Enquanto Campos e Bulhões estabeleceram as diretrizes do neoliberalismo capitalista na economia brasileira, Sullivan e Massadas estabeleceram as regras capitalistas na música, com base no hit-parade norte-americano, e a submissão da cultura nacional a essa lógica. Campos e Bulhões quiseram romper com o legado da economia populista e desenvolvimentista, Sullivan e Massadas quseram romper com o legado cepecista-bossanovista.

Enquanto o samba autêntico seguia com nomes como Beth Carvalho, Jorge Aragão, Leci Brandão e Martinho da Vila, além de nomes já falecidos como Clara Nunes, João Nogueira e Roberto Ribeiro, a bregalização do samba era concebida aproveitando elementos do samba-canção e do sambão-jóia para fundi-los com as próprias experiências de Michael Sullivan na música brega-romântica, seja pelo grupo Década Romântica (alter ego dos Fevers), seja pela experiência do "brega-exportação" por influência de Morris Albert, Terry Winter e outros.

Com esta experiência, Sullivan e Massadas, que já cooptavam no seu esquema ídolos que integravam o contexto popularesco (Xuxa, José Augusto), passaram a cooptar também cantores e conjuntos de MPB (Alcione, Roupa Nova, Fagner, Gal Costa) para o processo de bregalização. A MPB, que passava por uma fase de comercialismo devido à sua apropriação pela grande mídia e pelas normas da indústria fonográfica estrangeira, passava tanto a ser presa dessas normas que praticamente anularam a força que os intérpretes dos festivais de música dos anos 60 e seus herdeiros imediatos tinham. A MPB foi domesticada e seu conjunto de normas acabou servindo para o "aperfeiçoamento" musical dos ídolos bregas.

Dessa forma, a cantora Alcione passa a gravar discos comerciais, que passam a constituir um padrão brega para o samba brasileiro. A exemplo dos artistas de MPB envolvidos nesse processo, mesclam-se o passado honroso deles com o comercialismo mais recente de seus discos, desenvolvendo assim uma "linha de montagem" da MPB. Ao lado deles, os ídolos bregas que emulam o samba - Wando e Benito di Paula também fazem sucesso nos anos 80, além de nomes emergentes como Elson do Forrogode - também acabam por desenvolver a "linha de montagem" do "samba brega", "reforçado" também pelas pressões fonográficas aos sambistas autênticos, como Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal, que às vezes gravam músicas menos inspiradas, por encomenda para tocarem em rádios popularescas ou entrarem em trilhas de novela ou especiais da Rede Globo.

Nos anos 90, se firma esse formato "brega" do samba, se apropriando do nome "pagode" de forma tão insistente e forçada que o termo só não está desmoralizado no Rio de Janeiro, quando este nome ainda está vinculado às formas modernas de partido alto. Vieram então grupos que imitavam o som do Fundo de Quintal mas com referências cafonas que variavam de Fábio Jr. a Wando, mas com a apropriação de hits de MPB e Rock Brasil que apareciam nas rádios e emissoras de TV aberta.

Esses grupos, como Só Pra Contrariar, Raça Negra, Negritude Jr., Os Morenos, Grupo Molejo, Exaltasamba, Katinguelê, Karametade, Jeito Moleque, Sorriso Maroto, Só No Sapatinho, Travessos, Samprazer, entre muitos outros, chegam a confundir os incautos pelo aparente profissionalismo que atingem após cinco anos de sucesso. Em certos momentos, eles chegam a imitar a roupagem sonora de sucessos manjados do Fundo de Quintal, e até a reproduzir o padrão das músicas menos inspiradas desse grupo.

Os críticos desse estilo denominam o "pagode romântico" como "sambrega" ou "sambanejo" - sabiamente satirizado pelo Casseta & Planeta através do grupo Sambabaca, cujo único sucesso, "Liga pra mim", parodia no título um verso de uma música do Exaltasamba - e muitos desses grupos se limitam apenas a reproduzir os sucessos da soul music norte-americana (além de nomes da música romântica como Bee Gees) com instrumentos de samba. Há também a forma "sensual" desse "samba" brega, que é o "pagode pornográfico", de grupos como É O Tchan, Gang do Samba, Harmonia do Samba, Terra Samba, Psirico, Parangolé e outros.

A bregalização do samba em nada representa a evolução ou a renovação do ritmo. Ela representa apenas uma tendência comercial de explorar uma música comercial "com sabor artificial de samba". De samba, tem apenas o aparato superficial do visual e dos instrumentos, mas o know how pouco se relaciona ao ritmo, à realidade sambista (mesmo a origem pobre de seus integrantes não significa necessariamente uma vivência no mundo sambista, muito pelo contrário). O único "envolvimento" com samba é através das superficiais audições radiofônicas, e, com a carreira, nas investidas oportunistas dos covers, nos especiais temáticos dos programas de TV aberta e nas bajulações aos sambistas mais populares como Zeca Pagodinho e Jorge Aragão.

A popularidade desses grupos diluidores do samba brasileiro também não representa sua relevância cultural ou artística. Mesmo as apologias em torno da "linguagem pop" não justificam. O "pagode romântico" e o "pagode pornográfico" não significam sequer a antropofagia cultural, porque esta requer uma assimilação de elementos estrangeiros que enriquecesse uma linguagem artística, e os ídolos popularescos apenas se submetem a seguir e reproduzir um modelo comercial preestabelecido pela mídia e pelo mercado através dos modismos. Também não contribui, essa bregalização, para a preservação do samba como patrimônio histórico. São apenas sucessos comerciais, junk food musical, produtos do marketing da grande mídia. Os verdadeiros sambistas podem não ter o estrondoso e imediato sucesso do Exaltasamba, mas a perenidade cultural lhes está garantida.

O patrimônio histórico não se destina a oportunistas e usurpadores, mas para aqueles que conhecem e valorizam sua história.

FONTES: IPHAN, Folha de São Paulo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Ruy. Tempestade de ritmos: Jazz e Música Popular no Século XX. Organização Heloísa Seixas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. 3.ed. São Paulo: Editora 34, 1997.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da modinha à lambada. São Paulo: Art Editora, 1991.

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