Pular para o conteúdo principal

A CONTRIBUIÇÃO DE DURKHEIM À SOCIOLOGIA



Por Alexandre Figueiredo

A sociologia contemporânea deve seu avanço a Èmile Durkheim, fundador da escola francesa. Reconhecido mundialmente como um dos pensadores do conceito de coerção social, sua sociologia marcou-se pela combinação da sua teoria com a pesquisa empírica.

Èmile Durkheim nasceu em 15 de agosto de 1858, na cidade de Epinal, no noroeste francês, região localizada na fronteira com a Alemanha. Durkheim era de família judaica, mas do contrário que definia a tradição de seus familiares, ele recusou-se a seguir a carreira de rabino.

Não bastasse ele ter vivido numa época de grandes transformações no universo do pensamento mundial - a segunda metade do século XIX, tempo de profundas transformações tecnológicas e culturais na Europa - , ele também viveu em sua juventude as transformações referentes ao país onde nasceu e viveu, a França. Era a época do conflito com o exército alemão, que forçou os franceses a ceder o território da Lorena. Era também o período da Comuna de Paris, em 1871, e da proclamação da Terceira República francesa, com o governo provisório de Louis Adolphe Thiers que promulgou, em 1875, a Constituição do país e garantiu as eleições presidenciais que deram na vitória de Patrick Mac-Mahon, o Duque de Magenta. Sob a Terceira República, a França, derrotada pelos alemães, vivia um período de tensões e mudanças, e dois projetos políticos causaram profundas mudanças na sociedade francesa: uma é a lei Naquet - criada pelo químico e político Alfred Joseph Naquet - , que instituiu o divórcio em 1884, e outra a instrução laica, lançada em 1882 pelo Ministro da Instrução Pública, Jules Ferry, que havia lançado a proposta antes, como parlamentar. A instrução laica previu escola gratuita para todos e obrigatória para crianças dos seis aos treze anos. O projeto também previu a proibição do ensino de religião, causando muita polêmica.

Por outro lado, as lições do socialismo científico de Karl Marx, que alertou a sociedade da questão social presente no conflito entre o capital e o trabalho inspiraram as mobilizações proletárias que deram na fundação, no ano de 1895, da Confederação Geral do Trabalho, entidade representativa dos trabalhadores franceses. Apesar dessas tensões, ou talvez por causa delas, a França vivia um clima de euforia, progresso e esperança, até porque os problemas existentes estimulavam a mobilização e a consciência crítica, hábitos tradicionais dos franceses. Era a época também dos grandes inventos no transporte, e também a chamada Belle Èpoque francesa, que tanto fascinava o mundo inteiro.

Após chegar a Paris, Durkheim decide tornar-se agnóstico. Ao estudar na Ècole Normale Superieure, interessou-se pela filosofia e teve amigos como Jean Jaurès, defensor de Dreyfuss no célebre julgamento, e Henri Bergson, famoso filósofo que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1928. O diretor da escola, Bersot, que também era crítico literário, mostrou a Durkheim as obras do pensador Montesquieu. O sucessor de Bersot, Fustel de Coulanges, apresenta ao jovem aluno as instituições fundadas na Grécia e Roma antigas.

Seu interesse pela Sociologia, que marcou sua juventude, é retomado assim que, já formado, Durkheim ensina Filosofia em vários liceus franceses. Durkheim refletia que a França, apesar de ser considerada a pátria da Sociologia, não possuía um único curso dedicado à matéria. Havia um preconceito da sociedade francesa com a Sociologia, vista como uma forma científica de socialismo, o que causava apreensão dos indivíduos conservadores quanto à apreciação da matéria. Ele decide tirar licença e viver um tempo na Alemanha, onde realiza estudos de Sociologia, assistindo às aulas do professor Wundt. Entra em contato com as obras de diversos autores, mas não nos livros do sociólogo Max Weber, outro que realizou transformações na abordagem das ciências sociais. No entanto, Durkheim chegou, uma vez, a publicar uma resenha sobre um livro escrito pela esposa de Weber, Marianne, e publicado em 1907.

Sua carreira de professor deu grande impulso quando ele foi indicado para dar aulas de Pedagogia e Ciências Sociais na Faculdade de Letras de Bordeaux. Foi então o primeiro curso de Sociologia realizado na França, e que, devido ao prestígio de Durkheim e pelo êxito de seu ensino, tornou-se chaire magistrale em 1896. Nesse ambiente, Èmile Durkheim encontrou a oportunidade exata para produzir suas obras, começando por suas teses de doutoramento, dentre elas Da divisão social do trabalho, publicada em livro no ano de 1893. Ele escreveu uma tese complementar em latim, dedicada aos filósofos Montesquieu e Rousseau, considerados pelo autor precursores da Sociologia. Esta tese só seria publicada no idioma francês em 1953.

Em 1895, Durkheim publicou As regras do método sociólogo. Num de seus trechos, ele faz uma crítica às convenções sociais: "Se eu não me submeto às convenções da sociedade, se as roupas que eu uso não estão de acordo com os costumes observados no meu país e em minha classe, eu provoco o ridículo, o isolamento social no qual sou mantido, que produz, ainda que de forma atenuada, os mesmos efeitos de uma condenação". E acrescenta, mais adiante: "Quando eu me liberto dessas regras e as violo com sucesso, sou sempre compelido a trabalhar com elas. Quando eu as supero, elas adotam todo o poder de constrangimento suficientemente sentido pela resistência que oferecem. As iniciativas dos inovadores, incluindo os bem sucedidos, surgem contra resistências dessa ordem".

Em 1897, foi a vez de O suicídio. Trata-se, este livro, de uma obra polêmica, que analisa a realidade sociológica de uma atitude controversa, que dá nome ao livro. Escreve o autor: "Mas isto (o suicídio) interessa à sociologia? Desde que o suicídio é uma ação individual que afeta tão somente o indivíduo, isto depende aparentemente de fatores exclusivamente individuais, pertencendo portanto ao âmbito somente da psicologia. Mas não é a questão do suicídio explicada freqüentemente pelo seu temperamento, caráter, antecedentes e história particular?". O autor se baseou em trabalhos estatísticos, que apontavam um preocupante índice de suicídios, para provar que o suicídio se deve mais a fatores sociais do que individuais e que o ato não era conseqüência de enfermidade mental.

Num período de apenas seis anos, três quartos da obra de Durkheim foi publicado, e o curto prazo de tempo entre uma obra e outra aponta uma notável coerência no desenvolvimento de uma metodologia com fundamentos teóricos sólidos. Num tempo em que o prestígio intelectual era um privilégio dos mais velhos, Durkheim também se tornou notável estudioso e professor ainda jovem, e em 1896 já havia fundado uma revista, L'Année Sociologique, que no prefácio de seu primeiro volume afirmou seu propósito de não apenas apresentar o quadro anual da literatura relacionada à Sociologia, mas também "de ser regularmente informados das pesquisas que se fazem nas ciências especiais, história do direito, dos costumes, das religiões, estatística moral, ciências econômicas etc., porque é aí que se encontram os materiais com os quais se deve construir a Sociologia".

Foi nesta revista que Èmile Durkheim, apesar do mútuo desconhecimento entre ele e Max Weber quanto à trajetória intelectual, publicou uma resenha do livro da mulher de Weber, Marianne Weber, intitulada Ehefrau und Mutter in der Rechtsentwicklung, obra publicada em 1907. Durkheim criticou o simplismo da autora ao desenvolver a tese de que a família patriarcal determinou uma subserviência completa da mulher.

Como professor em Bordeaux, Èmile é sucedido pelo antigo colega da Normale, Gaston Richard, que participou da revista L'Année, mas, tornando-se dissidente da publicação, passou a ser um dos principais críticos do pensamento de Durkheim. este retorna a Paris e é nomeado assistente do professor Buisson na cadeira de Educação na Universidade de Sorbonne, em 1902. Em 1906, com o falecimento do titular, Durkheim o substitui no cargo, herdando a orientação educativa do seu antecessor. Em 1910, Durkheim transforma a cadeira na cátedra de Sociologia, fortalecendo o prestígio da tradicional Universidade de Sorbonne tanto no seu contexto geral quanto no específico à Sociologia. Nesta matéria, a Sorbonne tornou-se uma das mais prestigiadas instituições do mundo.

As aulas ministradas por Durkheim eram consideradas grandes acontecimentos. A grande demanda de ouvintes e de alunos fez com que suas aulas passassem a ser realizadas no anfiteatro da Universidade. Muitos daqueles que desejavam ver melhor o professor Durkheim, chegavam ao salão com uma hora de antecedência para não perder o melhor lugar para vê-lo.

Durkheim também é conhecido por formular uma concepção funcionalista da educação. Esta concepção se opôs à concepção da filosofia idealista, uma vez que, segundo o autor, a sociedade não é moldada pelo "espírito" nem pela consciência humana, mas é a consciência individual que é moldada pela sociedade. Para ele, a educação é benéfica para a sociedade, uma vez que é a socialização das gerações mais jovens pelas gerações adultas. "A construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios — sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento — que balizam a conduta do indivíduo num grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela", escreve. Pela primeira vez, um estudioso carateriza a educação como um bem social e a relaciona às normas sociais e à cultura local, restringindo o papel do indivíduo no desenvolvimento de um comportamento coletivo. Ele reforça a idéia acrescentando que as sociedades cristãs da Idade Média não teriam sobrevivido se tivessem dado ao pensamento racional o valor que lhe é hoje reservado.

Influenciado pelo pensamento iluminista, Durkheim afirma que a humanidade se evolui no gradual aperfeiçoamento, estimulada pela lei do progresso. Por outro lado, de acordo com o sociólogo a vida coletiva não se constitui na soma da vida de todos os seus indivíduos, mas num fenômeno mais distinto e complexo.

A obra sociológica de Èmile Durkheim marcou a etapa acadêmica da Sociologia e sua base teórica se manifestou sobretudo na idéia de que o elemento social influi na realidade natural, física e mental do homem.

Durkheim faleceu em 15 de dezembro de 1917, por problemas de saúde que teriam sido agravados pelo falecimento de seu filho Andrès Durkheim, no campo de batalha da Primeira Guerra Mundial, em 1916. Andrès se preparava para ser o herdeiro da trajetória intelectual do pai e estava escrevendo um ensaio sobre Leibniz. Èmile também teve um genro historiador, Halphes, e um sobrinho antropólogo, Marcel Mauss.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

CULTURA BRASIL. Disponível a partir de http://www.culturabrasil.org. Página consultada em 24 de junho de 2006.

GALTER, Maria Inalva e MANCHOPE, Elenita C. P. A educação em Èmile Durkheim. Extraído de http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art12_12.htm, do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil". In: Campinas, Unicamp, s/d. Página consultada em 25 de junho de 2006.

GUIMARÃES, Arthur e GOMYDE, Heloísa. Èmile Durkheim: O criador da sociologia da educação. In: NOVA ESCOLA ON-LINE. n. 166. São Paulo: Abril Cultural, Outubro de 2003.

WIKIPEDIA, A Enciclopédia Livre. Página em português. Disponível a partir de http://www.wikipedia.org. Página consultada em 24 de junho de 2006.

WIKIPEDIA, The Free Encyclopaedia. Página em inglês. Disponível a partir de http://www.wikipedia.org. Página consultada em 25 de junho de 2006.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A POLÊMICA DA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES

Por Alexandre Figueiredo Recentemente, a mídia lançou mão da história das mentalidades para legitimar tendências e ídolos musicais de gosto bastante duvidoso. O "funk carioca", o pagode baiano, o forró-brega, o breganejo e outros fenômenos comerciais da música feita no Brasil sempre lançam mão de dados biográficos, de sentimentos, hábitos pessoais dos envolvidos, chegando ao ponto da ostentação da vida pessoal. Também são mostradas platéias, e se faz uma pretensa história sociológica de seus fãs. Fala-se até em "rituais" e as letras de duplo sentido - na maioria das vezes encomendada por executivos de gravadoras ou pelos empresários dos ídolos em questão - são atribuídas a uma suposta expressão da iniciação sexual dos jovens. Com essa exploração das mentalidades de ídolos duvidosos, cujo grande êxito na venda de discos, execução de rádios e apresentações lotadas é simétrico à qualidade musical, parece que a História das Mentalidades, que tomou conta da abordagem his

O RESSENTIMENTO "POSITIVO" DE UMA ESQUERDA FESTIVA E VIRA-LATA

ROGÉRIO SKYLAB ENTREVISTA O PARCEIRO MICHAEL SULLIVAN NO PROGRAMA APRESENTADO PELO PRIMEIRO, MATADOR DE PASSARINHO, DO CANAL BRASIL. Por Alexandre Figueiredo Estranha a esquerda que exerce o protagonismo nos governos de Lula. Uma esquerda não apenas de perfil identitário, o que já causa estranheza, por importar um culturalismo próprio do Partido Democrata, sigla da direita moderada dos EUA. É uma esquerda que prefere apoiar alguns valores conservadores do que outros, mais progressistas, mas vistos erroneamente como "ultrapassados". Trata-se de uma esquerda que, no ideário marxista, se identifica com o perfil pequeno-burguês. Uma "esquerda" de professores, artistas ricos, celebridades, socialites, jornalistas da grande mídia, carregados de um juízo de valor que destoa das causas esquerdistas originais, por estar mais voltado a uma visão hierárquica que vê no povo pobre um bando de idiotas pueris. Essa esquerda está distante do esquerdismo tradicional que, em outros t

OS TATARANETOS DA GERAÇÃO DA REPÚBLICA VELHA

Por Alexandre Figueiredo O que faz a elite que apoia incondicionalmente o governo Lula e obtém hábitos estranhos, que vão desde falar "dialetos" em portinglês - como na frase "Troquei o meu boy  pelo meu dog " - até jogar comida fora depois de comer cinco garfadas de um almoço farto, ser comparável às velhas elites escravocratas, fisiológicas e golpistas do passado, incluindo a "cultura do cabresto" das elites da República Velha? Apesar do verniz de modernidade, progressismo e alegria, a elite que obteve o protagonismo no cenário sociocultural comandado pelo atual mandato de Lula - que sacrificou seus antigos princípios de esquerda preferindo artifícios como a política externa e o fisiologismo político para obter vantagens pessoais - , trata-se da mesma sociedade conservadora que tenta se repaginar apenas expurgando os radicais bolsonaristas, hoje "bodes expiatórios" de tudo de ruim que aconteceu na História do Brasil. A mediocrização cultural, a