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A IDEIA É BREGALIZAR PRIMEIRO PARA EMEPEBIZAR DEPOIS?

O BREGANEJO DANIEL E O CROONER ALEXANDRE PIRES. ÍCONES DA ONDA DO "BREGA VINTAGE" ORIUNDOS DOS ANOS 1990.

Por Alexandre Figueiredo

O recente episódio da perda da cantora e compositora Marília Mendonça, morta num acidente aéreo na cidade de Caratinga, Minas Gerais, causou um clima de comoção tão grande que houve manifestações de elogios exagerados à cantora, como se a falecida não tivesse sido uma cantora comercial de "sertanejo universitário", uma das vertentes do comercialismo brega-popularesco, mas uma "revolucionária da MPB", como a imprensa cultural "isenta" nos fazia crer.

Com todo o respeito em relação à tragédia e à afetividade, profunda e sincera, dos fãs com a cantora, as reações de certas pessoas, que falavam até que Marília fez "alguns clássicos da MPB" e que "revolucionou a canção dor-de-corno e inseriu o feminismo na música sertaneja", soam como um exagero que pode ser válido no âmbito do sentimentalismo idealizador, mas nunca tiveram sentido prático na realidade objetiva.

Bem ou mal, temos que admitir que Marília Mendonça se inseria no ultracomercialismo da música brega-popularesca que predomina de tal forma no nosso país, nos últimos vinte anos, que hoje é a MPB que, adotando uma postura complacente e, de certa forma, pedinte, corteja a bregalização musical para penetrar em mercados de shows considerados inflexíveis contra quem não é do universo popularesco.

Vivemos uma grande ilusão, na qual as redes sociais precisam, no que se refere à apreciação da música de sucesso, atuar como um ambiente com menor conflito possível. Isso exige uma atitude complacente para aquilo que faz sucesso, mesmo que seja sob o preço dos elogios exagerados e de uma idealização dos ídolos e do universo cultural em que se envolvem que não faz sentido na realidade e na lógica dos fatos.

INVERSÃO DE VALORES

O desprezo que se dá ao livro Esses Intelectuais Pertinentes..., um forte convite ao debate cultural, reflete essa síndrome do "Papai Noel é real" que impede as pessoas de lerem livros que destoam dos padrões anestésicos que predominam no mercado literário.

Para todo efeito, temos que colocar a ilusão acima da realidade, por ver nas fantasias humanas um terreno fértil do agradável, do tranquilizador, supostamente para aliviar os sofrimentos cotidianos e trazer esperanças futuras. E isso sob o preço de colocar a lógica, a objetividade e o realismo na lata de lixo.

Por isso, na cultura musical brasileira, a ideia é aceitar a bregalização musical não como um universo viável de sucessos comerciais, como um terreno marcado pelo hit-parade tão famoso nos EUA. A aceitação chega-se ao ponto da chamada gourmetização e até mesmo da inversão de valores, dada a visão "terraplanista" - termo que, com base no mito da Terra Plana, se usa para definir toda inverdade tida como "verdade absoluta" - , que trocou os significados dos termos "comercial" e "não-comercial".

"Não-comercial" é, conforme essa abordagem enviesada, é tudo aquilo que o indivíduo "gosta", porque ele, se achando "a pessoa mais legal do mundo" na Internet, se acha, mesmo na sua ignorância, em fazer juízos de valor sobre o que ele ama ou odeia. É o chamado "Tribunal do Umbigo", no qual opiniões têm que prevalecer sobre os fatos, até se passando por eles.

Neste sentido, "não-comercial" é geralmente a música comercial que o público jovem contemporâneo - os mileniais (millenials) e a geração nascida após 1978 - aprecia, sob o argumento de serem sucessos musicais que servem de trilha sonora para seus hábitos cotidianos, sendo ouvidas no dia a dia das pessoas. As questões financeiras, quando consideradas, são creditadas tendenciosamente à "viabilização" das "expressões culturais" dos ídolos associados.

Já a "música comercial", na compreensão equivocada dessas pessoas, seria a música de qualidade mais antiga, associada a artistas veteranos e sofisticados, que, supostamente, não conseguem dialogar com as gerações mais recentes, sendo portanto considerados "velhos" e "antiquados", associados a um pretexto de que, aparentemente, "precisam" (também supostamente) de dinheiro para sobreviver.

Esse mito é reforçado tanto pela aparente postura dos ídolos comerciais de hoje, associados a uma imagem mais "identitária" - um exemplo disso são o "feminismo" de Marília Mendonça e, no exterior, o "asiatismo" do fenômeno de k-pop (pop sul-coreano) BTS - , que estimulam o envolvimento afetivo dos fãs, criando uma alusão do suposto ativismo de seus ídolos musicais.

Por outro lado, a interpretação exagerada e distorcida das disputas judiciais que envolvem músicos veteranos de bandas de rock dos anos 1960, 1970 e 1980, por envolver, aparentemente, questões que vão dos direitos autorais ao uso dos nomes desses grupos, o que sugere pontuais questões financeiras, os faz serem creditados, até de forma equivocada, como "comerciais".

"POBREZA FELIZ"

No contexto brasileiro, a bregalização, através de todo um articulado lobby desenvolvido pela pretensa campanha pelo "fim do preconceito" - uma série de falácias feitas com o objetivo de fazer a música brega-popularesca atingir mercados considerados "mais abastados e exigentes" na sociedade brasileira - , criou uma imagem ideológica agradável para uma classe média que, influente formadora de opinião, adota uma postura paternalista quanto à aparente simbologia do povo pobre.

Dessa forma, as favelas, antes consideradas um sério problema habitacional até por jornalistas, sociólogos e urbanistas renomados, passaram a ser consideradas "paisagens de consumo", "habitats naturais" e até mesmo "nações étnicas", dentro de um discurso ufanista e glorificador de um suburbanismo mitificado e idealizado pelos meios de comunicação.

Como os índios recebendo espelhos e roupas dos colonizadores do Brasil do Século XVI ou recebendo apito como na famosa marchinha de Carnaval, os pobres pós-modernos receberam um vestuário "pop" que lhes dá uma imagem tranquilizadora e glamourizada por intelectuais provocativos pró-brega - os intelectuais "bacanas" - e pela imparcialidade tendenciosa dos jornalistas culturais em geral - os chamados "isentos" - , principais ideólogos dessa mitologia tida como "sem preconceitos".

Isso cria, no imaginário do senso comum - dominado pela classe média que se julga formadora de opinião e, portanto, detentora de uma suposta verdade a ser compartilhada em todo o Brasil - , uma imagem exótica do povo pobre, supostamente próspera e feliz, que é reforçada pelo imaginário caricatural da teledramaturgia, principalmente nas consagradas novelas das 21 horas da Rede Globo, as "novelas das nove", onde o "núcleo pobre" serve de "alívio cômico" que se contrapõe aos dramas existenciais dos protagonistas ricos.

Em vários aspectos, a bregalização traz sempre um apelo de "pobreza feliz", que garante narrativas fabulosas da imprensa especializada ou mesmo de teses acadêmicas, supostamente "científicas", em que uma retórica "objetiva" apenas serve para legitimar, sob o verniz da imparcialidade esclarecida, a imagem gourmetizada dos pobres "prósperos, autossuficientes e alegres pela própria natureza".

O "alegria" mercadológica associada a ritmos como o "funk" e a axé-music, além de fenômenos recentes como a "pisadinha" - derivado do forró-brega surgido no interior da Bahia - , mais o "sentimentalismo" mitificado do "sertanejo" e outras vertentes do brega romântico criam uma imagem espetacularizada do povo pobre que cria uma narrativa monopolizada pelo discurso trazido pelas elites intelectuais, pela grande imprensa e até por famosos.

BREGALIZA ANTES E EMEPEBIZA DEPOIS?

Através dessa imagem idealizada do povo pobre, se constrói um imaginário no qual a bregalização se torna, aos olhos de uma classe média paternalista, a "verdadeira cultura popular", "cultura com cheiro de pobre", do qual são famosos os exageros que, no âmbito musical, disparam termos como "MPB com P maiúsculo", de forte carga demagógica.

Isso influi principalmente quando ídolos popularescos se tornam veteranos, embora uma cantora relativamente novata como a recém-falecida Marília Mendonça - ela tinha apenas dez anos de carreira - tivesse também despertado classificações exageradas da crítica especializada, superestimando os sucessos musicais da cantora.

E isso ocorre num contexto em que o chamado "brega vintage" - a gourmetização dos ídolos popularescos mais antigos, em atividade, pelo menos, desde os anos 1990 - representa um elenco de pretensas unanimidades musicais, que incluem cantores, duplas ou grupos como Michael Sullivan, Gretchen, Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, É O Tchan, Daniel, Raça Negra, Grupo Molejo, Art Popular / Leandro Lehart, Joelma, entre tantos outros.

A crítica especializada promove esse apoio, até pela rede de relações comerciais (ou, conforme rezam as redes sociais, "não-comerciais"?) que envolvem empresários do entretenimento, meios de comunicação, imprensa em geral, assessores, publicitários, empresas patrocinadoras, políticos, colunistas sociais e outros agentes estratégicos.

Esses interesses envolvem desde a questão das vendas de cervejas e automóveis - temas de muitas canções tanto do brega "de raiz" quanto do "sertanejo universitário" - quanto vantagens ocultas obtidas pelos jornalistas musicais, que precisam "passar o pano" na bregalização musical para obter viagens gratuitas para eventos culturais de grande porte ou para "ganhar por fora" para poderem comprar, pela Internet, por discos raríssimos de jazz, blues, música clássica, rock ou mesmo MPB vendidos em lojas no exterior.

E aí vemos todo um esquema que, com a ajuda do poder midiático, que insere ídolos popularescos veteranos para a pantomima musical de interpretarem sucessos da MPB autêntica em programas de TV - exemplo ilustrativo foi a Rede Globo e seu canal derivado Multishow promover, já em 1998, tributos de MPB inserindo a geração do "pagode romântico" e do "sertanejo" do cenário neo-brega dos anos 1990 - , o que garantiu o esquema clientelista que propiciou a "MPB de mentirinha" ser levada a sério até pelos próprios emepebistas, como Ivan Lins e Gilberto Gil.

A própria MPB foi desvirtuada por uma pasteurização musical dos anos 1980, que aniquilou o potencial artístico famoso pela geração universitária de emepebistas nos festivais da canção de 1966-1968. Combinado com a máquina mercantilista de Michael Sullivan e Paulo Massadas, que criava uma cosmética supostamente luxuosa da música brega - inserindo a estética "Som da Filadélfia" dos EUA ao brega choroso pós-Waldick Soriano - , isso criou condições para a geração neo-brega de Alexandre Pires, Daniel, Chitãozinho & Xororó e companhia.

A própria MPB, hoje, não é a sombra do que foi, dividida entre a "MPB gastronômica" que serve mais para trilhas sonoras de refeições familiares em restaurantes, como cardápios musicais dos chamados couvert artísticos, e as gerações pós-tropicalistas que mais parecem fazer uma sub-Jovem Guarda com letras "otimistas", como a geração de Vítor Kley, Tiago Iorc, Letrux, Melim e Anavitória.

E é essa mentalidade de "MPB gastronômica", uma "MPB para toda a família reunida na sala de jantar", que permite a conversão de antigos ídolos neo-bregas, como Alexandre Pires - agora convertido num crooner oficial de canções alheias da MPB - , Daniel e Chitãozinho & Xororó, em ídolos de uma "MPB de fachada", com um talento comparável à mediocridade reinante e canastrona da maioria dos candidatos de reality shows musicais.

E isso ocorre porque a MPB é desvalorizada e o surgimento de ídolos popularescos é resultante de uma péssima educação de cultura musical, em que se prioriza a bregalização e a idiotização musical em termos comportamentais e artísticos. E isso revela uma perversidade que não se resolve com as "passagens de pano" dadas pela crítica especializada aos ídolos brega-popularescos e sua adoção bastarda no "primeiro time da MPB".

Afinal, o ídolo popularesco primeiro se afirma como uma mercadoria musical, atuando como um mero produto de um comercialismo enrustido, depois renegado pelo discurso oficial da imprensa "mais isenta". Passados alguns anos, com a aparição quase onipresente do ídolo popularesco e com os artifícios cosméticos que envolvem visual, cenários de shows, aspectos técnicos diversos, arranjos mais elaborados (feitos por terceiros), ele passa a ser adotado informalmente no imaginário "emepebista" mais condescendente.

A partir disso, cria-se uma grande hipocrisia, que mostra o por que de nomes que começaram a carreira cantando covers de MPB, como os baianos Nara Costa, cantora de arrocha, e Ivete Sangalo, ou tocando samba-reggae, como Márcio Victor, da banda Psirico, decidem depois se consagrar pelo comercialismo brega-popularesco para, em seguida, com a ambição de um triatleta, alcançar o "primeiro time da MPB" com a consolidação de seu sucesso comercial e a busca de uma "estética" mais elaborada.

Em outras palavras, primeiro se bregaliza um aspirante a cantor, músico ou compositor, se sujeitando de forma confortável e apoiadora, aos esquemas do comercialismo musical. Depois, com o sucesso consolidado, o ídolo popularesco passa a ter ambições de se integrar à nata emepebista da qual, outrora, ele sentia profunda indiferença.

Daí a hipocrisia. A própria mídia, a própria imprensa especializada e o próprio mercado não colaboram para estimular as classes populares a apreciar a MPB autêntica, a não ser nos limites restritos das trilhas sonoras de novelas da Rede Globo, que, para piorar, se tornaram um fenômeno em extinção. O que foi sucesso radiofônico na MPB autêntica assim permanece, mas tudo agora se congelou no tempo pois, sem as trilhas sonoras que eram o único refúgio midiático da MPB e o único meio de emepebistas se lançarem para algum sucesso, a situação ficou mais complicada.

A MPB tornou-se refém dos ídolos popularescos e de toda uma mediocrização musical que se tornou totalitária de forma a tirar da própria MPB os espaços que antes lhes eram próprios. Ver o cantor de "pagode romântico" Belo aparecendo, certa vez, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, é um dos efeitos dessa realidade.

Enquanto a MPB envelhece com seus cantores já idosos - Milton Nascimento, por exemplo, anunciou que irá se aposentar dos palcos - , a música brega-popularesca já começa a pegar carona na onda saudosista e passa a glorificar os ídolos veteranos. E o público fica ainda menos estimulado a ouvir MPB autêntica, sendo o povo pobre dependendo dos mesmos esquemas de mídia popularescos - rádios FM, redes sociais e TV - para a formação de seu gosto musical.

Daí a gravidade. A ideia acaba sendo "bregalizar primeiro para emepebizar depois", primeiro consagrando os ídolos popularescos como mercadorias, dentro de um processo arrivista de alcançar o sucesso, para depois, sem que haja um condicionamento nem uma postura autocrítica dos próprios ídolos, que primeiro se "coisificam" para depois, ainda que orgulhosos da forma como conquistaram o sucesso, serem simulacros de "grandes artistas", sem o talento e a visceralidade necessários e apenas beneficiados pelo jogo de aparências e pela complacência da imprensa especializada.

FONTES: Portal G1, Portal Universo On Line, Blogue Linhaça Atômica.

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