Por Alexandre Figueiredo
Quando a crise em torno do Ministério da Cultura do governo de Michel Temer parecia, pelo menos, sob controle, eis que um novo episódio aprofunda ainda mais a crise, não bastasse a própria crise profunda que vive o governo em geral.
A notícia, dada na noite do dia 18 de novembro de 2016, da saída do ministro da Cultura, Marcelo Calero, só não surpreendeu muito porque no governo Temer se espera qualquer instabilidade, e o Brasil já havia vivido uma série de incidentes e imprevistos. Calero foi substituído pelo senador pernambucano Roberto Freire, também fundador e presidente do PPS.
Houve as prisões dos ex-governadores do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho e Sérgio Cabral Filho, e a agressão ao repórter da Rede Globo, Caco Barcellos, dois atos que desafiam as aparências revelando não o combate à corrupção ou ao monopólio midiático, mas antes uma punição tendenciosa a políticos decadentes e um radicalismo burro nos protestos que vitimaram um jornalista honesto e de competência indiscutível.
Houve também a preocupante invasão de um grupo de manifestantes de extrema-direita, que se diziam "sem vínculos organizacionais" mas depois identificados como o grupo neofascista Os Patriotas, que saudaram o juiz paranaense Sérgio Moro e pediam a volta da ditadura militar. O grupo praticou vandalismo e agressões físicas e pelo menos um dos integrantes tinha porte de arma.
Outro incidente, aparentemente leve, foi a decadência do jornalismo dos anos 90, com a edição do programa Roda Viva com o presidente Michel Temer, um programa que deveria ser comemorativo de 30 anos do antigo jornalístico da TV Cultura, mas não passou de um arremedo de programa de entrevistas.
O Roda Viva começou com toda a pose de sisudez típica de um jornalismo formal nos primeiros blocos, mas que depois se revelou somente uma conversa entre amigos, seguida de uma verdadeira festa vip, após seu encerramento.
Foi uma semana esquisita na qual a renúncia do ministro da Cultura, Marcelo Calero foi apenas um episódio menor, embora com significativo impacto. E que mostra seus sérios problemas, desfavorecendo tanto Michel Temer quanto os brasileiros que são prejudicados pelo seu projeto político ultraliberal.
A renúncia de Marcelo Calero, que tem formação de diplomata, já partiu de um motivo politiqueiro, que foi a pressão que teria sido dada pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, o baiano Geddel Vieira Lima, do PMDB, considerado um dos articuladores políticos do governo Temer, ao lado do fluminense Wellington Moreira Franco e o roraimense (apesar de nascido em Recife, Pernambuco) Romero Jucá.
Geddel teria pressionado Marcelo Calero a autorizar a construção de um empreendimento, um edifício de 30 andares, no Centro Histórico de Salvador, sinalizando para a aprovação pela 7ª Superindendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para dar início às obras do edifício, que incluiria um dos apartamentos destinados a Geddel e sua família, a ser situado em um andar bem alto.
O edifício tem até nome, La Vue, e se localizaria na Av. Sete de Setembro, na Ladeira da Barra, área nobre da capital baiana. A construção de edifícios desse porte já causa muita polêmica numa cidade em que tenta reordenar o espaço urbano e a convivência social através do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), sancionado em 01 de julho deste ano. O entorno do Corredor da Vitória e da Ladeira da Barra são redutos políticos de Geddel.
Segundo a informação, Calero deveria acionar a Advocacia Geral da União para impedir a decisão final do IPHAN nacional, que não autoriza a construção de edifícios com mais de 13 andares em áreas onde se situam edifícios históricos tombados pelo instituto, liberando o parecer da superintendência regional do IPHAN (que envolve Bahia e Sergipe) teria autorizado a construção .
Apesar das ligações com o prefeito carioca Eduardo Paes, de quem foi secretário de Cultura, e sua situação num contexto conservador - Calero foi chamado quando o Ministério da Cultura havia sido extinto, reduzido a uma secretaria do Ministério da Educação, fato depois revertido - , subordinando a cultura aos interesses de mercado, mesmo assim Marcelo Calero parecia se voltar para um trabalho técnico, mesmo dentro dos limites ideológicos do governo Temer.
É a partir desse critério técnico que Calero se recusou a atender à exigência de Geddel Vieira Lima e essa informação foi revelada nos bastidores. Calero não cita o episódio em sua carta de demissão, enviada ao presidente Temer, mas define sua demissão como "irrevogável" e a atribui por "razão de ordem pessoal".
A denúncia de Calero foi dada em uma entrevista à Folha de São Paulo. Calero se queixou da "truculência" de Geddel, depois que passou a ser pressionado a partir de uma ligação do baiano reclamando da demora para homologar a autorização do IPHAN baiano para a construção do referido imóvel.
Michel Temer já conversou com Calero sobre a decisão deste. Depois, o presidente recebeu um telefonema do ministro Geddel, que tentou desmentir a versão. Assistentes do governo Temer definem a denúncia de Calero como "gravíssima" e pode representar uma grave crise no grupo político que, meses atrás, tirou Dilma Rousseff do poder. Um interlocutor de Temer ainda sugeriu que Geddel pode entrar em processo judicial se "não forem apresentadas provas" da denúncia.
Diante desse quadro, a situação se complica quando o substituto de Calero não é alguém especializado em cultura e, o que é mais grave, havia comemorado o fim do Ministério da Cultura antes das mobilizações populares que pressionaram a volta do mesmo.
O senador Roberto Freire havia escrito, na sua página do Twitter, que Alemanha, Canadá e EUA não possuem Ministério da Cultura e que o governo do Japão tem a Cultura fundida, em uma mesma pasta ministerial, com Educação, Esportes, Ciência e Tecnologia. "E parece que as coisas acontecem e funcionam bem melhor do que aqui", comentou Roberto Freire,
O novo ministro da Cultura é curiosamente homônimo de um falecido jornalista que atuou na histórica revista Realidade, que lançou a linguagem do Novo Jornalismo (Tom Wolfe, Gay Talese), de reportagens escritas como se fossem romances ou diários de bordo, e foi fundador do periódico esquerdista Caros Amigos. O falecido Roberto Freire, na verdade Joaquim Roberto Correa Freire, era psiquiatra e teve passagens nas revistas Realidade e Caros Amigos, da qual foi um dos fundadores.
O Roberto Freire ainda vivo e hoje ministro era também esquerdista, membro do Partido Comunista Brasileiro, integrando o MDB durante o período militar, e chegou a ser candidato à Presidência da República em 1989, tendo apoiado Lula no segundo turno.
Mas, nos últimos anos, rompeu com o esquerdismo, já como fundador-presidente do Partido Popular Socialista (formado por dissidentes do PCB), passou a fazer oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT) e buscar uma aproximação ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com o qual hoje estabelece uma cumplicidade política, como o Democratas (DEM). Como senador, Roberto Freire votou a favor do impeachment definitivo da presidenta Dilma Rousseff.
Como político, Roberto Freire não tem uma trajetória ligada à cultura. Mesmo no esquerdismo, sua atuação é eminentemente política, o que se acentuou quando passou para o direitismo político transformando o PPS num partido "satélite" do PSDB. Sua formação profissional é a de advogado e a escolha como ministro da Cultura ocorreu com uma rapidez contrária a dos tempos da secretaria de Cultura, quando se chegou a convidar mulheres para assumir o cargo de secretárias de Estado.
Portanto, não se espera que Roberto Freire faça um trabalho dinâmico, como havia sido, em outros tempos, nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, ou mesmo na polêmica atuação de Ana de Hollanda (irmã de Chico Buarque e também cantora). No mínimo, vai acentuar ainda mais a tendência da gestão Calero, em que critérios técnicos serão aparentemente enfatizados, mas numa perspectiva que priorizará o mercado e só apreciará o mainstream da Cultura no Brasil.
Quanto ao caso de Geddel Vieira Lima, Roberto Freire prometeu uma atuação "imparcial", trabalhando apenas por critérios técnicos e aparentemente desvinculado de intenções políticas, embora o pernambucano seja um aliado fiel do governo Temer e pareça não querer decepcionar o governo ao divergir dos interesses de um dos homens fortes do governo.
"Vou tomar conhecimento do fato ainda. Mas antes de tomar conhecimento, o princípio que me norteia é o técnico. Se existe um órgão técnico, é para ser respeitado na suas decisões. Se existe um órgão técnico e competente, cabe ao ministro levar em consideração e respeitar isso. Se não, quem vai colaborar com o ministro? O Iphan existe; é um órgão técnico e competente para essas questões. E eu costumo respeitar os órgão técnicos", disse o novo ministro da Cultura.
FONTES: Portal G1, A Tarde, Conversa Afiada, Revista Fórum, Brasil 247, Estado de Minas, Folha de São Paulo, Diário do Centro do Mundo.
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