Por Alexandre Figueiredo
Há tempos a construção de um edifício de 30 andares, que causa um contraste paisagístico numa área histórica de Salvador, causa muita polêmica. O edifício La Vue, localizado na Av. Sete de Setembro, no trecho da Ladeira da Barra, já era um problema local dos soteropolitanos.
Era, portanto, um problema que mostra a fragilidade do IPHAN baiano-sergipano, já que a 7ª Superintendência Regional contempla os dois Estados. Há tempos o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sofre um conflito local entre políticas de intervenção do patrimônio histórico e de preservação de sítios históricos.
Sucessivas direções, nos últimos dez anos, alternavam dois momentos radicais, um que se fundamentava na não intervenção em obras de recuperação de prédios históricos, baseada na tese de correntes de que a restauração era uma "falsificação" que comprometeria a estrutura original do edifício histórico, mesmo sendo peças idênticas às originais.
Foi essa corrente não-intervencionista que deixou que ocorressem incêndios e desabamentos em vários prédios no entorno do Pelourinho e em parte da Cidade Baixa, causando algumas mortes. A ideia de deixar os prédios como estavam, mesmo deteriorados e em ruínas, fez com que Salvador fosse condenado a perder o título de Patrimônio da Humanidade dado ao seu Centro Histórico.
Outra corrente, que veio à tona sobretudo quando interesses turísticos nacionais ganharam foco com a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas Rio 2016, já apela para outro extremo: a substituição de prédios históricos por edifícios novos, ou intervenções radicais em prédios antigos que promovam sua descaraterização.
Há rumores de que as antigas casas da Ladeira da Montanha, que liga o bairro do Comércio ao entorno da Praça Castro Alves, que haviam sido, no passado, habitações nobres e nas últimas décadas haviam funcionado como casas de prostituição e botequins, seriam demolidas para darem lugar a modernos edifícios que atrairiam demandas de moradores ricos, baianos ou não.
Portanto, não é um assunto recente haver pressões sobre o IPHAN na Bahia para que seus técnicos cedam à especulação imobiliária. O caso do edifício La Vue é apenas o mais famoso e um dos mais recentes, com um lobby político que convenceu os técnicos locais a autorizarem a construção, embora a direção nacional do IPHAN não tenha dado sinal verde para o empreendimento.
O que não era esperado era a transformação de um problema baiano em um problema nacional, e que ironicamente causou a renúncia de um ministro da Cultura do Rio de Janeiro e não da Bahia, Marcelo Calero, que era secretário de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro, na gestão de Eduardo Paes.
Calero renunciou e declarou à Folha de São Paulo que Geddel Vieira Lima, então ministro da Secretaria de Governo do presidente Michel Temer, havia telefonado para o ministro da Cultura reclamando da demora para a autorização da construção do novo edifício.
Dias após renunciar, Calero prestou depoimento à Polícia Federal, e não somente denunciou Geddel Vieira Lima como citou o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o próprio presidente Temer, como autoridades que também pressionaram Calero a acatar Geddel.
Isso gerou uma grave crise no governo Temer, tanto por causa da especulação imobiliária, um tema bastante hostilizado pela opinião pública, quanto pela prepotência que significou a pressão de Geddel, que tinha interesses particulares com o prédio La Vue, já que tinha um apartamento já escolhido para ele. Na tarde de hoje, houve um protesto contra a construção do prédio com muitos manifestantes também indignados com as conhecidas medidas do governo Temer, como a PEC do Teto.
O incidente foi agravado pelas declarações de que Temer também teria pressionado Calero para liberar o empreendimento, especulou-se até mesmo a possibilidade do presidente sofrer também um processo de impeachment por crime de responsabilidade, por forçar um ministro a aceitar uma medida rejeitada por critérios técnicos, já que o edifício La Vue tem um perfil arquitetônico incompatível com a harmonia paisagística determinada pelo IPHAN.
Com isso, Geddel Vieira Lima, considerado "homem-forte" do governo Temer, seguiu a mesma atitude de outro político do mesmo status, o senador Romero Jucá, que havia se licenciado do cargo parlamentar para ser ministro do Planejamento do então governo interino. Uma gravação de uma conversa entre Jucá e o ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, Sérgio Machado, negociando esquema de corrupção, causou escândalo e Jucá teve que deixar o cargo.
É certo que, se depender da ciranda política do governo Temer e sua "equipe de notáveis", Geddel ficará "de molho" e atuará nos bastidores, seguindo Romero Jucá que, de volta ao Senado, tornou-se líder do governo Temer. Ambos são considerados articuladores políticos pelo presidente.
Mas a crise se agravará quando se tem a notícia de supostas gravações de conversas de Calero com Temer, Geddel e Padilha. O governo Temer já é um acúmulo de crises, sem falar das medidas impopulares como a PEC do Teto ou PEC dos Gastos Públicos (que era PEC 241 na Câmara dos Deputados e tramita no Senado como PEC 55), que causam inúmeros protestos populares, e o seu caráter político já se revelou vulnerável a inúmeros imprevistos.
Isso é tão certo que Michel Temer evitou marcar presença na cerimônia de encerramento das Olimpíadas Rio 2016, depois de ter sido vaiado quando apareceu, ainda que de forma discreta, na cerimônia de abertura do evento. Temer é um político sem carisma que conquistou o poder após um duvidoso impeachment. E já se fala que o mandato de Temer não se encerrará em 2018.
FONTES: A Tarde, Folha de São Paulo, Diário do Centro do Mundo.
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