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PEC 241 PODE CORTAR ATÉ O PAC DAS CIDADES HISTÓRICAS


Por Alexandre Figueiredo

Um quadro sombrio se desenha no Brasil desde o mês de maio, quando Michel Temer assumiu a Presidência da República, ainda na condição de interino. Querendo mudar demais no projeto político, rompendo com o programa de governo da antecessora Dilma Rousseff, Temer implantou um projeto considerado por especialistas como "ultraliberal", que é a volta do radicalismo capitalista com a retomada de valores sociais ultraconservadores.

Uma de suas bandeiras é a proposta de emenda constitucional número 241, a PEC 241, conhecida como PEC do Teto. É uma proposta que prevê o limite de gastos públicos, que não podem crescer acima dos índices da inflação, e cujos investimentos ficam praticamente congelados num prazo de 20 anos.

O defensores da PEC 241 que, na edição deste texto, se encontra em votação em segundo turno no plenário da Câmara dos Deputados, afirmam que os investimentos públicos, em tese, preservarão setores como Educação, Saúde e Previdência Social, apenas evitando "excesso de gastos", sob o argumento de que "se gastava mais do que o que era arrecadado pelo governo".

No entanto, quem questiona a PEC 241 observa melhor o que está por trás do discurso otimista que é servido pela grande imprensa patronal (Globo, Folha, Estadão, Abril etc) oficialmente. Diante da complexidade dos setores públicos e da vida da maioria dos brasileiros, o limite de gastos representa, na prática, um corte nos investimentos públicos e a condenação do Brasil a um sério prejuízo.

A compensação de investimentos com a transferência de parte deles para a iniciativa privada não é solução para o problema, uma vez que o setor privado não enxerga a área social senão sob o ponto de vista do mercado, colocando os interesses financeiros acima das finalidades sociais e do interesse público, mesmo quando a publicidade oficial tente afirmar o contrário.

Entre os malefícios previstos na PEC 241, já apelidada pejorativamente de "PEC da Morte", "PEC da Catástrofe" ou "PEC do Fim do Mundo", estão o sucateamento de hospitais públicos, como a redução de médicos e a falta de manutenção dos equipamentos, problemas já conhecidos e que influem em outro ainda mais grave, a superlotação de hospitais com pacientes aguardando atendimento, alguns perdendo a vida devido à demora e ao descaso.

Há também a situação crônica das escolas, com professores sobrecarregados no emprego, trabalhando demais para obter um remuneração razoável, sem ter condições de se reciclarem nos conhecimentos e comprometendo a formação intelectual dos alunos. E, na Previdência Social, há a triste realidade de aposentados terem que voltar ao trabalho para não depender de pedir emprestado de parentes.

No setor cultural, a situação também será grave. O Ministério da Cultura já não tinha uma posição confortável nos orçamentos da União, e o orçamento deste ano é de R$ 730.354.972, dos quais R$ 32.910.626 são para despesas obrigatórias, como benefícios dos servidores, R$ 319.490.120 para manutenção e funcionamento do Ministério e entidades vinculadas, e R$ 377.954.226 para ações finalísticas.

Isso é muito pouco e, numa época como a do projeto ultraconservador de Michel Temer, os cortes de investimentos serão muito graves, e o setor cultural, já subordinado ao mercado e aos interesses financeiros, será ainda mais prejudicado com a PEC do Teto.

O único investimento considerado relevante do MinC que não será afetado com a PEC 241 é a parcela de investimentos retornáveis do Fundo Setorial do Audiovisual, que, por ser classificada despesa financeira, foi excluída do cálculo para o estabelecimento de limites previstos pela PEC 241.

Fora isso, até mesmo projetos como o PAC das Cidades Históricas podem ser afetados nos próximos anos. Recentemente, o IPHAN, presidido, depois que Temer assumiu o poder, por Kátia Bogéa, firmou parceria com a Prefeitura de Salvador, na gestão de Antônio Carlos Magalhães Neto (ACM Neto), para novos investimentos dentro do programa PAC das Cidades Históricas.

Em cerimônia realizada no último dia 19, estiveram também presentes o diretor do PAC Cidades Históricas, Robson Almeida, o titular da 7ª Superintendência Regional do Iphan, Bruno Tavares, o presidente da Fundação Gregório de Matos, Fernando Guerreiro, e o chefe de Gabinete da Prefeitura de Salvador, João Roma, visando estabelecer novos trabalhos de revitalização do patrimônio histórico aliada à sustentabilidade e qualidade de vida dos soteropolitanos.

Este é um dos projetos que ainda foram possíveis porque foram propostos antes da PEC 241, que ainda não foi assimilada pela Constituição de 1988. O IPHAN procura se esforçar para manter o seu bom padrão operacional, ainda que com eventuais erros aqui e ali, procurando dar continuidade a uma visão de trabalho que se efetivou nos últimos quinze anos.

Se já houvesse um limite de investimentos, a revitalização do patrimônio histórico perderia boa parte de sua dinâmica, tanto pela restrição dos investimentos públicos quanto pela visão meramente tecnocrática e empresarial que sempre norteia a iniciativa privada.

Segundo estudos relacionados aos recursos previstos, a PEC 241 iria, até 2021, conforme critérios proporcionais, um orçamento de R$ 730.354.972 de 2016 se transformaria em R$ 492.436.307 daqui a cinco anos, o que representa um agravamento do estrangulamento econômico que vive o setor.

A porcentagem do orçamento nominal teria redução, só no prazo de um quarto do período total da PEC 241, de 33%, o que iria afetar em 90% de ações finalísticas, prejudicando a organização de editais, recursos do Fundo Nacional de Cultura, obras como o já mencionado PAC das Cidades Históricas, entre outras atividades, a serem canceladas ou entregues ao setor privado.

Isso é muito grave se considerarmos o fato de que a crise cultural é ignorada pela maioria da população, que, por sua desinformação causada pela supremacia da grande mídia, pensa que a crise cultural não existe. Para piorar, há uma grande confusão de entretenimento e cultura que reduz a apreciação de bens culturais, muitos de valor duvidoso, a um mero consumismo.

Diante disso, soma-se o prejuízo que a PEC 241 causará no setor cultural, que, aliado ao que propõe a reforma educacional do governo Temer - na pessoa do ministro da Educação, José Mendonça Filho, cuja pasta chegou a transformar o Ministério da Cultura numa secretaria subordinada, mas voltou atrás da decisão - , só agravará a situação que já é gravíssima.

O mercado cultural brasileiro é dos piores e não aproveita devidamente o potencial de nosso patrimônio cultural nem a assimilação adequada e espontânea de influências estrangeiras, que só são assimiladas pelo grande público de "cima", através dos interesses privados dos grandes veículos de comunicação.

O resultado é o que vemos no que predomina na "cultura brasileira": a cafonice da música brega-popularesca, o cinema de comédias inócuas e dramalhões, o teatro de comédias americanizadas e franquias de animações estrangeiras, a literatura desvinculada ao conhecimento e restrita ao besteirol, à pieguice religiosa e a programação de TV marcada por bobagens e até por mentiras ou brutalidades jornalísticas.

A própria desinformação da sociedade, aliada a uma utópica alegria de uma suposta liberdade de consumo, reflexo de degradações no sistema educacional e midiático brasileiros, entre outros fatores de ordem social, cultural e econômica, se agravará com os rumos que projetos como a PEC 241 e o acolhimento do Governo Federal à proposta Escola Sem Partido - que irá reprimir o pensamento questionador nas salas de aula - , a coisa pode ir longe demais.

Será uma decadência ainda mais silenciosa, quando as pessoas vão felizes curtir o seu lazer e achar tudo o que consomem maravilhoso, sem perceber os problemas existentes ou, quando percebem, os subestimam como se fossem "transtornos normais".

A combinação de uma mentalidade financista com as restrições aos investimentos públicos, entre outros retrocessos do governo de Michel Temer, só irão trazer estragos maiores para futuras gerações, que se comportarão como crianças no paraíso diante de um cenário sócio-cultural devastador.

FONTES: IPHAN, Portal G1, Carta Capital, Portal Vermelho.

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