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DEMISSÕES NO MINC E A CRISE CULTURAL


Por Alexandre Figueiredo

Na 40 sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, realizado em julho passado em Istambul, na Turquia, incluiu o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, na lista dos bens que recebem o título de Patrimônio Mundial da Humanidade.

O evento contou com a presença do ministro da Cultura do governo interino de Michel Temer, Marcelo Calero, e da atual presidenta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Kátia Bogea, que, entre outras coisas, considerou o título como reconhecimento a uma "obra-prima do gênio criativo humano".

Ironicamente, a obra, envolvida em uma das primeiras atividades do IPHAN desde que Michel Temer tomou o poder, é de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer que, tendo sido comunista e ateu, simboliza o oposto do perfil ideológico que guia o governo interino.

Certamente, o saudoso arquiteto não se tornaria lembrado, apesar de suas admiráveis obras, de maneira positiva se depender de um dos projetos educacionais apreciados pelo mesmo Ministério da Educação, na pessoa de Mendonça Filho, que quase teve a pasta da Cultura como sua subordinada, deixando de ser ministério para ser uma secretaria.

Pressões das classes intelectuais e artísticas fizeram com que o Ministério da Cultura voltasse a existir, pelo menos de maneira formal. No entanto, o estado de espírito do antigo MinC demonstra ter sido extinto, já que a visão de Marcelo Calero, predominantemente economicista, tende a apreciar apenas o mainstream das atividades culturais brasileiras.

Esse detalhe não chega a ser dos mais problemáticos, já que em tese Calero disse, em seu discurso de posse, que iria atuar movido pelo "diálogo". Mas, diante dos aspectos sombrios do governo de Michel Temer, o momento mais parece de apreensão do que alguma expectativa otimista ou mesmo de relativa esperança.

A situação tornou-se séria, no entanto, quando, no roteiro de exonerações do governo Temer, foram anunciados 81 servidores a deixar as instituições ligadas ao Ministério da Cultura, cumprindo a promessa do presidente interino de cortar os gastos no serviço público, uma das prioridades de seu governo.

A alegação dada pelos representantes do governo é de que as exonerações só atingiriam cargos comissionados, ou seja, cargos providos através de livre nomeação, e que os servidores concursados seriam poupados.

No entanto, há denúncias de que as exonerações são feitas por critérios ideológicos, como a solidariedade à presidenta afastada Dilma Rousseff, e parte dessas exonerações atingiu servidores da Cinemateca Brasileira, dedicada à preservação do acervo cinematográfico e que recentemente sofreu um incêndio que destruiu seu acervo original (mas felizmente sobrevivendo com cópias).

Isso soou como uma traição, pois, pouco antes de anunciar as exonerações, Calero havia viajado para São Paulo, onde fica a Cinemateca, para visitar suas instalações. Ele parecia bastante simpático e interessado, parecia se dispor a investir nas atividades culturais, e não indicava que iria exonerar os servidores de lá, incluindo a coordenadora-geral Olga Futemma.

Ela foi substituída por Oswaldo Massaini Filho que, apesar de ser ligado a uma família de cineastas, é ligado ao mercado financeiro. Tornou-se réu por estelionato quando, trabalhando na SLW, corretora de valores que pertencia à apresentadora Márcia Goldsmith, falsificou documentos e levou consigo os cerca de R$ 200 mil que Márcia havia investido na empresa, entre 2001 e 2002.

A princípio, porém, a situação se reverteu e, até segunda ordem, Calero voltou atrás das exonerações da Cinemateca Brasileira e decidiu exonerar "aos poucos" os servidores do Ministério da Cultura, depois que o expurgo de 81 servidores causou repercussão negativa, agravando os protestos, como se não bastasse a repressão policial aos manifestantes que ocupavam, no Rio de Janeiro, os prédios da Funarte e que, depois, tiveram que se mudar para o prédio do antigo Canecão.

É um período sombrio, oculto sob a vitoriosa escolha do Conjunto Arquitetônico da Pampulha. O que mostra o quanto o mundo encara o Brasil de forma diferente do que a própria classe dominante brasileira vê o país. Uma homenagem feita a Oscar Niemeyer, um dos nomes que seriam banidos das escolas no projeto de ensino defendido pela Escola Sem Partido, proposta por políticos evangélicos a partir de ideias criadas pelo advogado Miguel Najib em 2004.

Diante disso, não bastassem os falecimentos de artistas ligados ao pós-modernismo como os artistas plásticos Tunga e Ivald Granato, os atores Zózimo Bulbul e Guilherme Karam, a perda do músico contemporâneo de MPB, Vander Lee, deixa a cultura ainda mais órfã e, o que é grave, no caso deste último o óbito foi simplesmente ignorado pela intelectualidade cultural mais festiva.

Sem cogitar sequer as lacunas artísticas a serem deixadas por Vander Lee - músico de MPB que escapava da fórmula fácil das "enciclopédias pop" que se reduziram os pós-tropicalistas ao longo dos anos - , os intelectuais festivos, a partir do próprio jornalista Pedro Alexandre Sanches, discípulo de Fernando Henrique Cardoso que, a exemplo de seu mestre, se diz "de esquerda".

Esses intelectuais, que podem ser denominados de "bacanas" pelo apelo popular que almejam atingir, com sua apologia à "cultura de mercado", estavam muito mais preocupados com os comentários irônicos que William Waack, da Rede Globo, havia feito à cantora Anitta, ícone do pop mais escancaradamente comercial feito no Brasil.

Devido a esse factoide, Sanches e seus seguidores fizeram crer que se tratava de um suposto conflito entre o poder midiático e um fenômeno de "cultura de massa" que, mais uma vez, era tendenciosamente enquadrado num discurso falsamente libertário, como se produzir hits fosse causar uma "revolução socialista" no Brasil, visão que demonstra não possuir coerência alguma.

E isso é uma crise, sócio-cultural e política (governo de Michel Temer), cuja sobremesa poderão ser os romances baseados nos jogos de Pokemon Go, dentro de um contexto em que o mercado literário mais parece um processo de fuga do conhecimento do que de um estímulo aos leitores de aproveitar o hábito para obterem informações e saber.

É uma crise silenciosa em que o grande público simplesmente não percebe, tanto pela desinformação e incompreensão generalizada de tantas coisas quanto da própria ilusão de felicidade trazida pelo consumismo pleno e pela alta tecnologia, principalmente através da consulta viciada das mídias sociais da Internet nos smartphones.

FONTES: IPHAN, UOL, Diário do Centro do Mundo, Revista Piauí, Carta Capital.

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