Pular para o conteúdo principal

FERNANDO FARO E O ZELO PELA CULTURA BRASILEIRA


Por Alexandre Figueiredo

A perda de pessoas como o produtor Fernando Faro, da TV Cultura, nos faz pensar na maneira como as pessoas veem a cultura no país, ignorando sua verdadeira riqueza e confundindo-a com Economia e Entretenimento.

Fernando Faro, falecido hoje de madrugada, de infecção pulmonar, aos 88 anos, era um produtor de intensa atividade. Um dos mais destacados produtores da TV Cultura, Faro honrava seu sobrenome, pois tinha uma percepção muito grande de cultura e criatividade.

Além do Ensaio, seu programa mais conhecido, dedicado a mostrar artistas da música brasileira, ele era responsável também pelo programa Mobile, além de ter sido, como produtor, o braço-direito de Inezita Barroso nas atrações do programa Viola Minha Viola.

O Mobile teve origem curiosa. Seu formato é considerado insólito até mesmo para os padrões de TV educativa, em que uma edição pode começar com um número de orquestra sinfônica, que dá lugar a um ator sentado dando depoimento, para depois ir a um espetáculo de balé e, em seguida, alguém lendo um poema, para daí seguir a imagens de paisagens.

A origem desse programa se deu em 1962, numa emissora comercial. É interessante que Faro era colega de Sílvio Santos, porque tanto o Mobile quanto o Vamos Brincar de Forca? (embrião do Programa Sílvio Santos lançado em 1961) eram exibidos na TV Paulista, emissora da Fundação Victor Costa que, em 1966, se transformou em TV Globo São Paulo.

O fato de um programa de formato inusitado e modernista, naquela época, ser transmitido numa emissora de TV comercial e com intenções de ser popular, era insólito e, se fosse hoje, o formato do Móbile deixaria os executivos de emissoras comerciais de cabelos em pé, recusando firmemente a sua exibição, alegando que programas assim "não teriam audiência".

Com passagens em diversas emissoras, Fernando Faro produziu o Divino Maravilhoso, programa tropicalista apresentado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, que foi ao ar em 1968 na TV Tupi e teve breve duração, naqueles tempos que antecediam a fase mais cruel da ditadura militar que forçou os dois cantores a se exilarem em Londres.

O programa Ensaio surgiu na mesma TV Tupi de São Paulo, em 1969. Era um programa musical com entrevistas, em que cada edição era dedicada a um determinado artista brasileiro, ou então a um grupo musical. Centenas de nomes passaram por esse programa, que em 1990 passou a ser produzido e exibido pela TV Cultura. Entre 1975 e 1990, o programa ganhou o nome de MPB Especial.

Através do esforço (e do faro) de Fernando Faro, ele ajudou a consagrar nomes da MPB dos anos 1960 e 1970, como Chico Buarque, Djavan, Elis Regina, Ney Matogrosso e Paulinho da Viola. O Ensaio tinha o mérito de mostrar apresentações ao vivo, bem antes do Acústico MTV e não somente em estrutura acústica, mas mostrando o artista na sua performance habitual, independente do formato instrumental adotado.

No programa Viola Minha Viola, Fernando Faro era parceiro das pesquisas da apresentadora e cantora Inezita Barroso, falecida em 2015, ela mesma uma grande pesquisadora de música brasileira de raiz, com uma dedicação comparável a da também cantora paranaense Stellinha Egg (que não se limitou à música caipira), falecida em 1991.

O Viola Minha Viola se empenhava em manter a memória da música caipira brasileira, ameaçada de extinção com a deturpação severa do "sertanejo" comercial que crescia em popularidade em 1990 e só de maneira tendenciosa fazia tributos à música caipira original, mais como um vínculo mercadológico do que um tributo artístico.

A cultura musical brasileira, que carece de espaços constantes e populares de divulgação, sofre uma séria crise, uma vez que o comercialismo cada vez mais hegemônico atinge mais e mais reservas de mercado, buscando um público de poder aquisitivo maior e formação educacional mais qualificada, o que é preocupante, na medida em que perdemos nossos grandes pesquisadores culturais.

Sem Fernando Faro, o meio cultural fica órfão de sua dedicação, uma vez que não há algum sucessor á altura, que pudesse dar sequência ao seu trabalho, e num momento de crise cultural em vários aspectos, nem sempre admitida pelo grande público - que, confundindo Cultura com Entretenimento e Economia, acha que tudo está "às mil maravilhas" -  era necessário alguém com esta vocação.

Quando a cultura musical brasileira de qualidade perde espaços e os resignados de seu triste cenário se contentam com os poucos espaços que restam, sua crise ressoa silenciosamente, como uma doença que não causa dor mas devasta o organismo. É necessário admitir e sentir essa crise para assim refletir e debater a cultura brasileira em geral sem os nossos mestres.

FONTES: O Globo, Universo On Line, Wikipedia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

IPHAN TOMBA CENTRO HISTÓRICO DE JOÃO PESSOA

Por Alexandre Figueiredo No dia 05 de agosto de 2008, o Centro Histórico da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, passa a ser considerado patrimônio histórico. Uma cerimônia realizada na Câmara Municipal de João Pessoa celebrou a homologação do tombamento. No evento, estava presente o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Luiz Fernando de Almeida, representando não somente a instituição mas também o ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, ausente na ocasião. Luiz Fernando recebeu dos parlamentares municipais o título de "Cidadão Pessoense", em homenagem à dedicação dada ao Centro Histórico da capital paraibana. Depois do evento, o presidente do IPHAN visitou várias áreas da cidade, como o próprio local tombado, além do Conjunto Franciscano, o Convento Santo Antônio e a Estação Cabo Branco, esta última um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer que foi inaugurado no mês passado. Luiz Fernando de Almeida participou também da abertura da Fei...

A POLÊMICA DA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES

Por Alexandre Figueiredo Recentemente, a mídia lançou mão da história das mentalidades para legitimar tendências e ídolos musicais de gosto bastante duvidoso. O "funk carioca", o pagode baiano, o forró-brega, o breganejo e outros fenômenos comerciais da música feita no Brasil sempre lançam mão de dados biográficos, de sentimentos, hábitos pessoais dos envolvidos, chegando ao ponto da ostentação da vida pessoal. Também são mostradas platéias, e se faz uma pretensa história sociológica de seus fãs. Fala-se até em "rituais" e as letras de duplo sentido - na maioria das vezes encomendada por executivos de gravadoras ou pelos empresários dos ídolos em questão - são atribuídas a uma suposta expressão da iniciação sexual dos jovens. Com essa exploração das mentalidades de ídolos duvidosos, cujo grande êxito na venda de discos, execução de rádios e apresentações lotadas é simétrico à qualidade musical, parece que a História das Mentalidades, que tomou conta da abordagem his...

SÍLVIO SANTOS E ROBERTO CARLOS: COMEÇO DO FIM DE UMA ERA?

Por Alexandre Figueiredo Símbolos de um culturalismo aparentemente de fácil apelo popular, mas também estruturalmente conservador, o apresentador Sílvio Santos e o cantor Roberto Carlos foram notícias respectivamente pelos seus desfechos respectivos. Sílvio faleceu depois de vários dias internado, aos 94 anos incompletos, e Roberto anunciou sua aposentadoria simbólica ao decidir pelo encerramento, previsto para o ano que vem, do seu especial de Natal, principal vitrine para sua carreira. Roberto também conta com idade avançada, tendo hoje 83 anos de idade, e há muito não renova sua legião de fãs, pois há muito tempo não representa mais algum vestígio de modernidade sonora, desde que mudou sua orientação musical a um romantismo mais conservador, a partir de 1978, justamente depois de começar a fazer os especiais natalinos da Rede Globo de Televisão.  E lembremos que o antigo parceiro de composições, Erasmo Carlos, faleceu em 2022, curiosamente num caminho oposto ao do "amigo de fé ...