Por Alexandre Figueiredo
O que aconteceu com a cultura brasileira ou a apreciação brasileira de bens culturais estrangeiros? Alguns fenômenos da música, da literatura, do cinema e do teatro demonstram o estranho comercialismo e a histeria consumista de produtos supérfluos.
Na música brasileira, sabe-se que a música brega-popularesca, a canção comercial que surgiu a partir dos primeiros ídolos cafonas e depois desenvolveu arremedos caricaturais de ritmos populares regionais, realizou seu propósito de obter um monopólio de mercado, sinalizando a produção de um pop comercial similar ao que acontece nos EUA.
Pois dos Waldick Soriano e Odair José do passado, claramente americanizados, para a americanização sutil de Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, É O Tchan, Banda Calypso e Ivete Sangalo e do pseudo-ativismo do "funk carioca", tudo culminou para o comercialismo ainda mais escancarado do "sertanejo universitário" de Luan Santana e afins e do "funk melody" de nomes como Anitta, Ludmilla e Lexa.
O comercialismo musical brasileiro, dominando quase todas as reservas de mercado e deixando o rico patrimônio musical brasileiro isolado em espaços de apreciação de aristocratas e estudiosos, tornou-se a tônica da música brasileira em que o termo MPB tornou-se profanado e deturpado até às mais aberrantes consequências.
No comportamento, o aberrante fenômeno das "popozudas" que tratam seus corpos como verdadeiras mercadorias, assusta pela sua persistência. E assusta ainda mais porque, em tempos de reacionarismo na Internet, o machismo brasileiro ainda resiste com muitos internautas endeusando as "mulheres-frutas" que só ficam "mostrando demais", tratando seus corpos siliconadamente exagerados como verdadeiros produtos de consumo.
Na televisão, nota-se que noticiários policialescos continuam sendo exibidos no período diurno, expostos ao público infanto-juvenil, e os apresentadores, hipócritas, ainda defendem a redução da maioridade penal como forma de punir os criminosos mirins que simplesmente agem assim porque foram influenciados pela glamourização da violência promovida por esses mesmos programas.
No teatro, não bastasse o falecimento da grandiosa atriz Marília Pera, a situação parece uma forma piorada do cenário dos anos 1950. Com parcos recursos do Estado e dos patrocinadores, as peças de teatro se limitam a temáticas europeizadas ou comédias inócuas, e isso quando não há as franquias de obras da Disney tomando o espaço que devia ser de novos talentos teatrais.
Na literatura, a futilidade anda reinando, com uma infinidade de obras de auto-ajuda, sagas de vampiros, youtubers, sagas de Minecraft que poderiam terminar em originais que valem a pena, como Harry Potter, Kéfera Buchmann, que, pioneiros, ainda justificam o sucesso que, todavia, atrai muitos oportunistas e imitadores canastrões.
Mas isso é pouco diante do caso surreal dos livros para colorir - os Jardins e Florestas Encantados e Secretos da vida que prometem um "tesouro anti-estresse" - , que dominavam o mercado de livros de textos chegando a haver três ou quatro títulos nas listas dos vinte mais vendidos, fato aberrante para um país que deveria valorizar mais a leitura de textos literários.
A Bienal do Livro ocorrida no Riocentro, no Rio de Janeiro, até foi um evento válido, mas o que pecou foi a ênfase na espetacularização, que em vez de estimular a curiosidade dos leitores, os faz perder na idolatria ao que já é sucesso, sem acrescentar algo a seu já mediano hábito de leitura.
No rádio, o que chama a atenção é o investimento maciço do mercado num pastiche de rádio de rock, a Rádio Cidade, FM carioca que levantou a bandeira do "rock de verdade" sem ter um pessoal especializado, com uma equipe de locutores que é a mesma quando a rádio se chamava Jovem Pan Rio e um coordenador vindo da Beat 98, todos sem a mínima vivência no rock.
A Rádio Cidade mantém programação calcada no perfil da Jovem Pan, toca apenas os chamados rock hits e mantém programas de besteirol, como o Hora dos Perdidos e Rock Bola (que aposta numa inconcebível e improcedente relação do rock com futebol), claramente inspirados no Pânico da Jovem Pan e da TV Bandeirantes.
Apesar do oba-oba publicitário, a Rádio Cidade fracassa entre o público roqueiro, mas tem um lobby que tenta disfarçar esse fracasso com sintonias combinadas em lojas de eletrodomésticos, bancas de jornais, quiosques, academias de ginástica e outros estabelecimentos comerciais. Por fora dessa fantasia marqueteira, os roqueiros do Grande Rio continuam afastados dos 102,9 mhz, até pelo fato de que eles não se contentam com um hit-parade roqueiro.
A MPB autêntica, expulsa dos seus próprios redutos pelo brega-popularesco, se limitou a ser uma música de gala, e nomes antes considerados provocativos e modernos como Maria Bethânia passaram a ser vistos apenas como meras formalidades.
Com todo esse quadro cultural, o Brasil da crise sócio-política, dos internautas reacionários e dos políticos decepcionantes em todos os aspectos, não poderia estar em boa fase cultural. A cultura reflete a situação de crise em que vivemos, e não é o consumismo que irá dizer que nossa cultura está próspera, porque a verdade mostra que não está. Cabe repensarmos esta situação nesta virada de ano.
FONTES: O Globo, UOL, Tudo Rádio, O Fluminense, Veja, Portal G1.
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