Por Alexandre Figueiredo
A Música Popular Brasileira, pelo menos na sua geração sofisticada de grandes compositores e intérpretes, vive hoje uma grande polêmica em torno do movimento Procure Saber, formado por artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Milton Nascimento e Djavan.
O movimento Procure Saber, articulado pela produtora Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, defende que a produção de biografias, literárias ou audiovisuais, de personalidades vivas ou mortas, deva ser feita sob autorização dos biografados ou de seus herdeiros legais.
É uma crise de reputação, que no entanto causa o efeito irônico da redescoberta da MPB autêntica. Se os principais cantores e compositores da chamada "elite" da MPB são classificados como "censores" por intelectuais e jornalistas diversos, sua música de excelente qualidade é redescoberta pela curiosidade daqueles que nunca haviam se interessado em ouvi-los para valer.
Antes, o interesse era relativamente tímido, talvez pela própria influência da grande mídia e da blindagem intelectual, para as quais o grande público devia se subordinar ao "popular" estereotipado das canções piegas ou grotescas de funqueiros e os ditos "pagodeiros" e "sertanejos", entre outros.
Até pouco tempo atrás, a MPB autêntica era apreciada pelo grande público de forma secundária, como se fosse uma música estrangeira. Mesmo o sambista Paulinho da Viola - que não integra o Procure Saber, mas integra a geração dos membros envolvidos - , para o público de seu próprio bairro, o subúrbio carioca de Madureira, soa "estrangeiro".
A MPB moderna, da qual veio essa geração que hoje causa muita controvérsia mas desperta curiosidade, teve sua ascensão no meio da década de 60, mais precisamente entre 1965 e 1967 - com alguns surgidos entre 1969 e 1974 - , quando a sofisticação musical da Bossa Nova se fundiu com as pesquisas folclóricas do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes.
Nesses dois caminhos estava um personagem comum, o poeta Vinícius de Moraes. Poeta em atividade desde 1928, aos 15 anos de idade, Vinícius tinha potencial para absorver a influência culturalmente libertária da Semana de Arte Moderna. E fez, quando entrou em contato com intelectuais como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e tantos outros.
Em 1937, já estava entrosado com o meio intelectual da antiga capital federal, o Rio de Janeiro, quando participou do imenso grupo que colaborou com a concepção do IPHAN, então SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), fundado por Rodrigo Melo Franco de Andrade e Mário de Andrade.
O poeta chegou a ser adepto do Integralismo, mas depois largou essa ideologia de cunho fascista fundada por Plínio Salgado e apoiada por Menotti del Picchia, ambos oriundos do movimento modernista de 1922. Vinícius, além de seguir sua poesia, trabalha também como jornalista e crítico de cinema.
Nos anos 1940 tornou-se diplomata do Itamaraty nos EUA, mas encerra as atividades por causa de seu gosto pela boemia e pelo convívio com os amigos da classe intelectual e artística. Apesar disso, ele teve um desempenho satisfatório no posto.
Conhecido ativista cultural, ele só ganharia a fama entre o grande público depois do sucesso da peça Orfeu da Conceição, uma adaptação que ele fez da tragédia grega Orfeu e Eurídice para o subúrbio carioca.
A peça seria musicada pelo maestro Oswaldo Gogliano, o Vadico, que havia sido parceiro de muitas canções compostas por Noel Rosa. No entanto, ele não tinha disponibilidade, na época em que foi convidado, por volta de 1955, para fazer a trilha sonora. Vinícius, então, procurou um outro músco e viu num pianista da noite, Antônio Carlos Jobim, o parceiro ideal.
A trilha sonora então foi trabalhada e, entre as canções incluídas, destaca-se "Se Todos Fossem Iguais a Você", lançada no ano da peça, 1956, e que prenunciava o tipo de canção romântica que caraterizaria boa parte do repertório da Bossa Nova.
Ao longo de sua carreira, que ganhou a consagração definitiva com a música "Garota de Ipanema", mas também apoiou o CPC da UNE, e ainda deu à entidade estudantil um hino composto com Carlos Lyra,bossanovista integrado ao movimento cepecista. Vinícius teve vários parceiros, de Antônio Maria a Toquinho, e sempre militou em favor da cultura brasileira.
Falecido em 1980, Vinícius de Moraes, se vivo fosse, estaria preocupado com o zelo extremo dos membros do Procure Saber. Amante da liberdade, ele provavelmente seria favorável à produção de biografias não-autorizadas, que poderiam somar às biografias oficiais.
Evidentemente ele não apoiaria o sensacionalismo, mas não iria também exigir que biógrafos sempre peçam autorização de biografados para produzir seus documentos. Como homem de cultura, Vinícius seria favorável à abrangente produção do conhecimento tão cara para a expressão e renovação dos valores sócio-culturais que constituem patrimônio em nosso país.
FONTES: G1, Portal Terra, Diário do Centro do Mundo.
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