Por Alexandre Figueiredo
Este mês foi marcado, no cenário político cultural do Brasil, pela saída da ministra Ana de Hollanda do Ministério da Cultura, depois de quase dois anos de uma gestão controversa e repudiada pela classe artística e intelectual.
Como ministra, a irmã de Chico Buarque, que também é cantora e havia gravado vários discos dentro da linha da MPB sofisticada pós-Bossa Nova, causou polêmica pelas articulações que ela tinha com integrantes do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), entidade dedicada ao registro dos direitos autorais.
A entidade, por si, também não é vista positivamente pelos próprios artistas. Estes precisam pagar para ter suas músicas protegidas em seus registros autorais, mas eles mesmos praticamente encontram dificuldades para usar suas próprias obras. Um caso típico com matizes kafkianas foi o fato de Jorge Ben Jor, certa vez, ser proibido de tocar as músicas que ele gravou quando era apenas Jorge Ben.
Ana de Hollanda, em sua gestão, acabou causando o debate entre a liberdade dos direitos autorais e a necessidade de protecionismo para as obras dos autores intelectuais ou dos intérpretes ("autores" das gravações ou execuções de obras musicais, ainda que compostas por outros). Vieram casos extremistas, dos dois lados.
Num lado, havia pessoas que defendiam até mesmo a pirataria mais aberta, seja pela sampleagem ou pelo comércio clandestino de discos, e outros que defendiam um controle maior até mesmo para a livre execução de obras musicais.
Um incidente que provocou sérias discussões foi a criação de uma taxa para uso de vídeos musicais do YouTube nos blogues, medida que depois foi descartada, diante do repúdio da maioria da sociedade. A decisão indignou até mesmo aqueles que não defendem a liberdade excessiva e irresponsável do uso dos direitos autorais.
Ana de Hollanda, no entanto, deixou o ministério por causa da crise causada com o orçamento destinado ao Ministério da Cultura. Uma carta escrita pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, pedindo mais verbas para a pasta, teria provocado a crise que "derrubou" a irmã de Chico Buarque.
Com a saída dela, há exatas duas semanas, a presidenta Dilma Rousseff escolheu a sexóloga, senadora e ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, para substitui-la. Marta não é especializada no setor, e afirmou que iria estudar os assuntos relacionados à função.
No entanto, Marta é mãe de dois músicos e compositores, o roqueiro Supla (Eduardo Smith de Vasconcelos Suplicy) e João Suplicy, ambos do casamento, já desfeito há anos, com o senador Eduardo Suplicy, relação do qual também gerou o advogado André Suplicy.
A escolha, no entanto, animou a classe artística e intelectual, por ser Marta de uma tendência mais flexível, o que traz para muitos uma expectativa que sua gestão possa se comparar à do músico Gilberto Gil durante quase todo o período dos dois governos de Lula.
A esperança, para a maioria dos artistas, intelectuais e acadêmicos, é que vários projetos deixados de lado por Ana de Hollanda possam ser retomados, e que a cultura brasileira possa contar com políticas melhores para a divulgação de bens culturais que não têm acesso nem correspondem aos padrões da "cultura de massa".
IPHAN
A atuação de Ana de Hollanda para o IPHAN, no entanto, não foi ruim. As controvérsias não passavam pelo caminho do patrimônio cultural, uma vez que Ana continuou se dedicando ao setor com a mesma normalidade que seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira.
Em muitos aspectos, isso se deu sobretudo pela dedicação do presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Luiz Fernando de Almeida, que, já dando continuidade à ênfase no patrimônio imaterial - sem descartar o material, mas dando o valor igualitário e justo a ambos - do antecessor Antônio Augusto Arantes, procura ampliar não somente a importância e as realizações da autarquia, mas também torná-la ativa, atuante e interativa com a sociedade brasileira.
A atuação do IPHAN, aliás, tornou-se ainda mais flexível na medida em que o antigo Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU) se transformou no atual IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), o que fez com que o IPHAN aumentasse sua ação em outros setores, deixando de ser sobrecarregada pelo setor de museus, que por sua vez ganhou uma instituição à parte, também vinculada ao Ministério da Cultura.
Em todo caso, a gestão de Marta Suplicy, embora não cause surpresas nem tenda a ser uma gestão revolucionária, sinaliza, no entanto, para uma prática menos corporativista do que a da sua antecessora, e que, no setor do patrimônio histórico, possa acrescentar às políticas para o patrimônio cultural uma visão mais democrática e imparcial que Ana de Hollanda não foi capaz de exercer.
FONTES: Último Segundo, Blogue Mingau de Aço, O Globo.
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