Pular para o conteúdo principal

HISTÓRIA DE BRASÍLIA



Por Alexandre Figueiredo

Brasília completa 50 anos. É relativamente uma cidade jovem. Mas seu projeto é muito antigo e desde a colonização do país já se cogitava em criar uma capital no interior do país. No entanto, a primeira capital do Brasil foi Salvador, na Bahia, entre 1578 e 1763, e o Rio de Janeiro, de 1763 a 1960. Cidades litorâneas, pois o litoral era a área mais povoada num país novo, explorado oficialmente a partir de 1500 e certamente não descoberto então, porque o que chegava de estrangeiros à terra nova da América do Sul se perdia no tempo. O Brasil tinha um interior pouco conhecido por seus exploradores, e ainda havia o acordo territorial de Tordesilhas, dividindo o país entre a metade portuguesa e a metade espanhola.

Considera-se, no entanto, que o interesse mais concreto de construir uma capital no interior do Brasil tenha partido do Marquês de Pombal, secretário de Estado da coroa portuguesa (posição equivalente a de primeiro-ministro), na segunda metade do século XVIII. Não existem evidências quanto a essa intenção, no entanto, mas havia a preocupação estratégica de instalar a capital brasileira para o interior, como medida de defesa do território do país.

Todavia, foi o movimento da Inconfidência Mineira que abraçou a causa da mudança de capital do país. A capital seria em Minas Gerais, talvez Vila Rica, mas o movimento não foi adiante, pois seus integrantes foram posteriormente presos e condenados. A essas alturas Rio de Janeiro era a capital do país, para facilitar o trânsito de minerais para o comércio europeu.

Em 1808, o almirante inglês Sidney Smith sugeriu ao rei Dom João VI a transferência da capital do país para o interior, por motivos estratégicos. A ideia também foi defendida pelo jornalista Hipólito da Costa, do Correio Braziliense, em vários de seus artigos a partir de 1813. Na época dos debates da Assembleia Constituinte, José Bonifácio de Andrada e Silva incluiu o projeto da nova capital no interior do país na pauta de reivindicações enviada para a Corte Constituinte em Lisboa, em 1821. Um ano depois, um deputado redigiu um folheto anônimo reivindicando a nova capital, já propondo o nome de Brasília.

Em 1839, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen lançou uma campanha pela nova capital, sugerindo a princípio a cidade mineira de São João Del Rey, mas depois optando pelo Planalto Central. Apesar destas e de outras iniciativas, o projeto de uma nova capital no centro do Brasil não vingou, mesmo com a repercussão do sonho do sacerdote italiano Dom Bosco, em que uma nova capital no centro do Brasil representaria o início de uma nova civilização.

Com o advento da República, a Assembleia Constituinte incluiu na Constituição de 1891 o projeto de criação de uma nova capital, no artigo 3º: "Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a futura Capital federal".

Para levar adiante o projeto, uma equipe comandada pelo diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, Luís Cruls, foi enviada em 1892 para realizar pesquisas no Planalto Central. Era a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, cujos estudos, que duraram sete meses, resultaram em dois relatórios delimitando, com base na área indicada por Varnhagen, uma área retangular de 90 x 160km, que se tornou conhecida como Retângulo Cruls.

Os relatórios continuam estudos científicos detalhando as condições geográficas, morfológicas, climáticas e topográficas do sítio escolhido, e o Retângulo Cruls passou a ser incluído em todos os mapas brasileiros publicados na República Velha.

As pesquisas de Cruls e sua equipe, no entanto, não deram continuidade, devido à resistência dos parlamentares ao projeto de mudança de capital, reação reforçada com as reformas urbanas realizadas no Rio de Janeiro, sobretudo durante o governo do prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906.

Na década de 1920 recomeçaram as discussões em torno do Relatório Cruls, retomando a motivação estratégica para a transferência da capital federal para o centro do Brasil. Na década seguinte, em 1933, a Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital, sob a presidência do jurista Teixeira de Freitas, recomendou que se ratificasse o disposto na Constituição de 1891 pela Assembleia Constituinte, na elaboração do texto da Constituição de 1934. Mas, em 1937, com a Constituição outorgada naquele ano, por efeito do Estado Novo, a fase ditatorial de Getúlio Vargas, o disposto foi esquecido e excluído do texto constitucional.

Mas o texto reapareceu na Constituição de 1946, que previu também a transformação da então capital, Rio de Janeiro, no Estado da Guanabara. Uma comissão chefiada pelo engenheiro Poli Coelho, ainda em 1946, se dirigiu à área prevista pelo Retângulo Cruls para reconhecer o local. Outra comissão, comandada pelo engenheiro José Pessoa, completou os estudos já realizados e delineou a área da futura capital entre os rios Preto e Descoberto e os paralelos 15º30' e 16º03', abrangendo parte do território de três municípios goianos (Planaltina, Luziânia e Formosa). O parecer foi aprovado.

Em 03 de abril de 1955, no início da campanha eleitoral, o ex-governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek de Oliveira, desceu de avião, diante de chuva, no município goiano de Jataí. No comício realizado, devido ao temporal, num velho galpão, Juscelino afirmou que uma de suas metas era cumprir rigorosamente a Constituição (de 1946), se dispondo depois a ouvir dos presentes os relatos sobre os problemas da nação. Um jovem humilde, Toniquinho da Farmácia, fez, acanhado, uma pergunta que causou forte impacto: "Já que Vossa Excelência está anunciando o propósito de cumprir integralmente a Constituição, queria saber se, eleito fosse, construiria a Capital no Planalto, conforme nela consta?

Juscelino parou por uns segundos, e, paciente, respondeu: "É uma pergunta muito feliz. Não havia pensado, nem os meus assessores, neste problema. Mas vou fazer de sua pergunta o objetivo principal de minha campanha de candidato, e de minha administração, se eu for eleito".


O CATETINHO, SEDE PROVISÓRIA DO GOVERNO FEDERAL, FOI TOMBADO PELO PATRIMÔNIO HISTÓRICO NACIONAL EM 1959.

Pouco depois, o projeto de Brasília foi garantido pelo decreto 38.261, do presidente da República em exercício, o presidente do Congresso Nacional Nereu Ramos, em 09 de dezembro de 1955. O decreto transformou a Comissão de Localização da Nova Capital do Brasil em Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal. Presidido por Ernesto Silva, a nova comissão lançou o concurso para a elaboração do plano piloto de Brasília, em 19 de setembro de 1956.

Foi designado para chefiar o Departamento de Arquitetura e Urbanística o arquiteto Oscar Niemeyer, ao qual coube também a abertura de concurso para a escolha do plano piloto. Com uma comissão julgadora composta por Niemeyer, sir William Halford, Stano Papadaki, André Sive, Luís Hildebrando Horta Barbosa e Paulo Antunes Ribeiro, foi aprovado o projeto elaborado pelo arquiteto Lúcio Costa.

Em 02 de outubro de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek assinou o primeiro ato de construção da futura capital numa cerimônia feita em sua área. Nesta cerimônia, em campo aberto, Juscelino declarou em discurso "Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino".

O Governo Federal instalou um prédio provisório para acompanhar as obras, prédio conhecido como Catetinho. O pequeno edifício, no entanto, marcou história e por isso foi tombado pelo DPHAN (atual IPHAN) em 1959 e existe até hoje.

A construção de Brasília não foi fácil. Teve forte oposição política, sobretudo do jornalista e político Carlos Lacerda, que tornou-se enérgico rival do presidente, fazendo comentários agressivos e alegando que a construção de Brasília representava desperdício de dinheiro público.

A origem das cidades-satélites - como são conhecidos os bairros de Brasília - já se deu com as moradias então provisórias dos candangos e seus familiares, vindos de diversas partes do país. Eram trabalhadores que atuavam na elaboração da nova cidade, ou que estableciam o comércio para atender aos operários de construção.

Apesar da oposição política e até de incidentes trágicos - como uma chacina que vitimou trabalhadores em protesto, em 1958 - , além das acusações de corrupção do Governo Federal e da preocupação de que as obras poderiam demorar por tempo indeterminado, a construção da cidade se efetivou dentro do prazo previsto, sendo inaugurada em 21 de abril de 1960.

A nova capital, no entanto, parecia ter nascido em parto prematuro, já que havia problemas de saneamento e energia, a vida sócio-cultural era precária, e parte da vida política nacional ainda funcionava no Rio de Janeiro. Brasília iniciava sua caminhada dessa forma, mas valeu o cumprimento do prazo, porque Kubitschek assim não transferiu a responsabilidade para outro presidente.

Mas os infortúnios políticos fizeram com que apenas na década de 90, com Fernando Henrique Cardoso (que em 1960 era sociólogo e professor universitário), Brasília visse um presidente eleito por voto direto completar todo o mandato, de 1994 a 1998. Isso porque os dois presidentes eleitos por voto direto, Jânio Quadros e Fernando Collor, não puderam completar o mandato e, entre eles, houve o governo do vice de Jânio, João Goulart, deposto com o golpe que gerou a ditadura, e, depois desta, a vitória de Tancredo Neves, eleito indiretamente, doente e depois falecido, passando o governo para o vice José Sarney.

Brasília é considerada Patrimônio Histórico Nacional oficialmente desde 1994.

FONTES: Manchete, Cruzeiro, Wikipedia.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

COUTO, Ronaldo Costa. Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A POLÊMICA DA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES

Por Alexandre Figueiredo Recentemente, a mídia lançou mão da história das mentalidades para legitimar tendências e ídolos musicais de gosto bastante duvidoso. O "funk carioca", o pagode baiano, o forró-brega, o breganejo e outros fenômenos comerciais da música feita no Brasil sempre lançam mão de dados biográficos, de sentimentos, hábitos pessoais dos envolvidos, chegando ao ponto da ostentação da vida pessoal. Também são mostradas platéias, e se faz uma pretensa história sociológica de seus fãs. Fala-se até em "rituais" e as letras de duplo sentido - na maioria das vezes encomendada por executivos de gravadoras ou pelos empresários dos ídolos em questão - são atribuídas a uma suposta expressão da iniciação sexual dos jovens. Com essa exploração das mentalidades de ídolos duvidosos, cujo grande êxito na venda de discos, execução de rádios e apresentações lotadas é simétrico à qualidade musical, parece que a História das Mentalidades, que tomou conta da abordagem his

O RESSENTIMENTO "POSITIVO" DE UMA ESQUERDA FESTIVA E VIRA-LATA

ROGÉRIO SKYLAB ENTREVISTA O PARCEIRO MICHAEL SULLIVAN NO PROGRAMA APRESENTADO PELO PRIMEIRO, MATADOR DE PASSARINHO, DO CANAL BRASIL. Por Alexandre Figueiredo Estranha a esquerda que exerce o protagonismo nos governos de Lula. Uma esquerda não apenas de perfil identitário, o que já causa estranheza, por importar um culturalismo próprio do Partido Democrata, sigla da direita moderada dos EUA. É uma esquerda que prefere apoiar alguns valores conservadores do que outros, mais progressistas, mas vistos erroneamente como "ultrapassados". Trata-se de uma esquerda que, no ideário marxista, se identifica com o perfil pequeno-burguês. Uma "esquerda" de professores, artistas ricos, celebridades, socialites, jornalistas da grande mídia, carregados de um juízo de valor que destoa das causas esquerdistas originais, por estar mais voltado a uma visão hierárquica que vê no povo pobre um bando de idiotas pueris. Essa esquerda está distante do esquerdismo tradicional que, em outros t

OS TATARANETOS DA GERAÇÃO DA REPÚBLICA VELHA

Por Alexandre Figueiredo O que faz a elite que apoia incondicionalmente o governo Lula e obtém hábitos estranhos, que vão desde falar "dialetos" em portinglês - como na frase "Troquei o meu boy  pelo meu dog " - até jogar comida fora depois de comer cinco garfadas de um almoço farto, ser comparável às velhas elites escravocratas, fisiológicas e golpistas do passado, incluindo a "cultura do cabresto" das elites da República Velha? Apesar do verniz de modernidade, progressismo e alegria, a elite que obteve o protagonismo no cenário sociocultural comandado pelo atual mandato de Lula - que sacrificou seus antigos princípios de esquerda preferindo artifícios como a política externa e o fisiologismo político para obter vantagens pessoais - , trata-se da mesma sociedade conservadora que tenta se repaginar apenas expurgando os radicais bolsonaristas, hoje "bodes expiatórios" de tudo de ruim que aconteceu na História do Brasil. A mediocrização cultural, a