Por Alexandre Figueiredo
A chamada música de "sucesso" no Brasil, a música brega-popularesca que simula elementos da cultura brasileira dentro da perspectiva do padrão 'hit-parade' dos EUA, recentemente tem feito vários apelos midiáticos para permanecer na hegemonia do mercado brasileiro, sem medir escrúpulos de tentar ofuscar até mesmo a verdadeira cultura brasileira.
Desta vez, o apelo mais recente está por conta das chamadas tendências "universitárias", bem ao gosto do ex-líder estudantil convertido em político neoliberal, o ex-governador de São Paulo José Serra, iniciando sua campanha para conquistar a presidência da República.
Portanto, sai a pseudo-etnografia do "funk carioca", cuja retórica engenhosa não foi muito convincente, na medida em que o rico discurso em defesa do ritmo se contrastava com o próprio som feito pelo estilo, sobretudo quando se criam imitações de "Egüinha Pocotó" com a mesma batida eletrônica que imita batuque de umbanda, o mesmo som de sirene de acompanhamento e os mesmos MCs vociferando baixarias. A retórica "socializante" do "funk" representou o fisiologismo político seduzindo o idealismo social da intelectualidade, tanto na política petista quanto nas ciências sociais.
Saindo o "funk", que se satisfez com a reserva de mercado conquistada, fixada no público das classes econômicas mais baixas, e não pôde mais avançar adiante, sob pena da retórica intelectual botar tudo a perder, entra então o chamado "brega universitário", bem mais comportado e verossímil, bem apessoado e dotado de um bom esquema de 'marketing', de tecnologia e de técnica.
O principal carro-chefe dessa tendência "universitária" é o "sertanejo universitário", por ser uma forma avançada da diluição da música caipira brasileira, já feita pelas gerações anteriores de breganejo, como Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano e outros. O próprio breganejo, na prática mais próximo do brega "de raiz" de Waldick Soriano do que da música caipira de Cornélio Pires, puxou a primeira onda hegemônica do brega-popularesco dos anos 90, que resultou no crescimento das tendências derivadas da música brega dos anos 70, várias absorvendo clichês de ritmos regionais, tanto por influência do antigo sambão-jóia - diluição do samba feita em 1970 - quanto pelo sucesso comercial da lambada, em 1989. O sambão-jóia havia voltado, nos anos 90, através da geração do "pagode mauricinho", que, numa diluição ainda mais moderna, definiram o som do sambrega.
Junto ao "sertanejo universitário", vem então os outros ritmos "universitários". Simultaneamente, veio o "pagode universitário", de grupos como Sorriso Maroto e Jeito Moleque, se juntando ao filão aos "sertanejos" Vítor & Léo, João Bosco & Vinícius e César Menotti & Fabiano, entre muitos outros. Há também o "forró universitário", não aquele feito por grupos como Falamansa, que não faziam parte do universo popularesco - como os sambistas do Batifun, um deles filho até de sambista tradicional - , mas o derivado do "forró-brega". Já se fala que nomes como Caviar Com Rapadura, Aviões do Forró ou mesmo a jovem Stephany (que fez uma versão da música de Vanessa Carlton, pondo letra falando sobre um carro da Volkswagen, Cross Fox) representam o "forró universitário".
Mas, para quem não viu a bola de neve crescer, o próprio rótulo "brega universitário" propriamente dito já foi lançado, através do cantor Dário Jeans, claramente influenciado pelo brega mais explícito dos anos 70, sobretudo de Odair José a Sérgio Mallandro. E já se fala em tentar jogar os ritmos bregas regionais, como o arrocha da Bahia, a tchê-music do Rio Grande do Sul e o tecno-brega do Norte brasileiro para os cenários "universitários", para atrair a freguesia jovem mais abastada.
E por que essa denominação de "universitário"? Mudaram-se os tempos ou mudaram-se as coisas? Na verdade, o que mudou foi uma estratégia mercadológica da música brega-popularesca, que iniciou, desde os anos 60, sua escalada de crescimento e diversificação de seus "produtos" - as tendências rítmicas e estilísticas derivadas - , sob forma de transformar a música cafona em algo diversificado e durável, consistindo numa "música popular" feita conforme os interesses dos detentores do poder econômico no país.
A música brega, em toda sua trajetória, expressou sua finalidade de dominar o território brasileiro. Começou nas regiões mais pobres do interior do país, quando o latifúndio determinou que lugar do povo é nos bordéis, nos botecos e no subemprego, vendendo produtos contrabandeados ou piratas. Depois, dos núcleos mais pobres procurou atingir todas as cidades do interior, mesmo nos seus núcleos mais urbanos. Em seguida, alcançou as capitais e grandes cidades do interior e de regiões socialmente mais atrasadas, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Dos anos 80 para cá, a música brega, já fragmentada em várias tendências e estilos, que tendenciosamente imitam, em parte, os ritmos regionais brasileiros, atingiu todos os núcleos rurais e suburbanos do país, no esforço de atingir também o Sul do país. E, dos anos 90 para cá, sua hegemonia tornou-se absoluta nas classes populares, representando um triunfo ao empresariado do entretenimento e aos donos da grande mídia, que praticamente têm a influência do brega-popularesco sobre o povo bem maior do que até mesmo os antigos ritmos folclóricos, hoje condenados a virar artigos de museu.
Agora, então, a manobra dos barões do entretenimento acaba sendo o rótulo "universitário", como uma denominação mercadológica feita para conquistar o público jovem de classe média, algo que os burocratas das pesquisas estatísticas definem como classes B e C, entre 18 e 30 anos. A denominação "universitário" tem também o objetivo de desmobilizar o antigo reduto de jovens rebeldes que transformaram o quadro sócio-político de nosso país.
ANTECEDENTES DA DESMOBILIZAÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
A origem desse fenômeno, o brega "universitário", está nas manobras dentro do movimento estudantil no período do pós-guerra. Entre 1951 e 1956, com um pequeno intervalo progressista, a União Nacional dos Estudantes foi comandada pelo udenista Paulo Egydio Martins, que momentaneamente transformou a entidade num órgão conservador, apesar de não impedir que os estudantes façam a campanha pela criação da Petrobras e pela defesa do monopólio brasileiro do petróleo.
Depois, com a UNE tendo retomado a postura esquerdista, a direita, com a realização do golpe militar, extinguiu legalmente a entidade, que se tornou clandestina, ao passo que o ministro da Educação Flávio Suplicy de Lacerda, criando um "pacote educacional", propôs uma entidade substituta da UNE e subordinada ao governo militar, além de estabelecer os primeiros pontos do acordo entre o MEC e o USAID, órgão ligado ao Departamento de Estado dos EUA. A ideia era transformar a Educação no Brasil em um processo tecnocrático, subordinado aos princípios do regime militar, totalmente despolitizado e desprovido de motivações sociais, se limitando apenas a resolver os problemas sociais dentro de uma perspectiva que não ameaçasse a estrutura do poder civil e militar da ditadura.
Depois de décadas com a ameaça de privatização das universidades públicas, perigo já anunciado pelo próprio projeto de Suplicy de Lacerda, outra medida foi feita durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso. Veio a proliferação de universidades particulares, em contrapartida ao fim dos cursos profissionalizantes no Brasil. A mentalidade tecnocrática não somente se impôs como seu conteúdo se diluiu na queda de qualidade do ensino superior, transformado num arremedo de ensino secundário. O mercado de trabalho, por isso, se tornou mais exigente e, na prática, os cursos de pós-graduação passaram a ter o verdadeiro status de "ensino superior".
CONFORMISMO JUVENIL - Através disso, a juventude atual também teve sua formação intelectual e ideológica como reflexo destes tempos. Salvo honrosas exceções, a maioria teve pais que viram seus sonhos se dissolverem na ditadura militar e, por isso, reagiram à desilusão dos pais com uma personalidade reacionária, apesar de formalmente rebelde.
Desse modo, o fracasso das mobilizações sócio-culturais do período anterior do Golpe de 1964 se tornam esquecidos. Mas também a própria manipulação dos veículos de comunicação que respaldavam a ditadura militar fez a sua parte. Os idealistas da Contracultura se "transformaram" num estereótipo de hippies chatos, e daí para dizer que os Centros Populares de Cultura, que a UNE realizou entre 1961 e 1964, são iniciativas inúteis, é um pulo.
Na atual apatia juvenil, a cultura se desqualifica. O que se considera como "valor cultural" é uma coisa qualquer nota. Pode ser o jornal populista que não daria um bom mercado para os universitários de Jornalismo, por sua qualidade duvidosa, mas mesmo assim os estudantes vão avidamente estagiar lá, por questão de sobrevivência. É a vulgaridade da televisão aberta, é a futilidade das revistas sobre celebridades, o noticiário deprimindo a opinião pública com a impunidade triunfante de criminosos e corruptos.
O conformismo juvenil aliado ao ceticismo faz os jovens aceitarem o brega-popularesco como "único vestígio possível" de cultura popular. A mediocridade que eles aprenderam com a indiferença dos pais e a inexperiência das babás traduz na adoração até um tanto extrema da mediocridade musical, dos ídolos bregas e neo-bregas e agora de seus sucessores "universitários". Waldick Soriano e Odair José tornaram-se "ancestrais". Alexandre Pires e Zezé Di Camargo tornaram-se os "mestres", e, agora, são os "universitários" Vítor & Léo e Sorriso Maroto os "discípulos".
O brega "universitário", seja "sertanejo", "forró", "pagode" ou o brega propriamente dito, por sua qualidade artística bastante duvidosa, não pode ser comparada à MPB universitária que reagiu aos primórdios da ditadura, e que representou a fase moderna da MPB dos últimos anos. Como comparar uma geração que trabalhava bem música, melodia, poesia e mobilização social, como Edu Lobo, Nara Leão, Carlinhos Lyra, Elis Regina, Zimbo Trio, César Camargo Mariano, Taiguara, Sérgio Ricardo, Germano Mathias, Sidney Miller, Gutemberg Guarabira, Wanda Sá com os seguidores da música de gosto duvidoso, que mal consegue emular ritmos brasileiros dentro de uma linha de montagem que inclui também os piores referenciais da música estrangeira?
E como comparar a postura altiva, de cabeça erguida, dos grandes artistas universitários dos anos 60 e sua surpreendente musicalidade, com a cafonice patética e medíocre de um Dário Jeans que fala de fusquinha e mostra uma boazuda vulgar posando ao lado do veículo? Adianta os cantores de "sertanejo universitário" ou "pagode universitário" falarem de forma mais articulada nas entrevistas? Ou vestirem roupas de grife, para simular "qualidade artística"? Que brasilidade que eles defendem, quando não conseguem sair de uma débil reprodução de ritmos estrangeiros ou da reciclagem de antigas expressões da música cafona? Que conhecimentos, que valores sociais, que referenciais eles trazem? Simplesmente, nenhuns.
O brega "universitário", nas suas diversas modalidades musicais, é um reflexo da crise educacional em que vivemos, dos baixos salários dos professores, do confuso programa educacional e dos problemas e contradições que envolvem sobretudo o corpo docente de nosso país.
Da mesma forma, o brega "universitário" reflete também a crise de valores e de ideais de nossos jovens, associada à influência dominante das grandes corporações de Comunicação, que estabelece um padrão de "cultura popular" artificial a que o grande público deve seguir. E que, para manter esse mesmo padrão, dificultando a difusão de expressões mais autênticas de nossa cultura, criou-se um cenário "universitário" para a música brega, visando o lucro permanente dos empresários do entretenimento pelo apoio seguro da juventude de classes mais abastadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LUZ, Dioclécio. Rodeio: a novidade é o boi. Extraído do endereço http://www.apasfa.org/futuro/rodeios_dep.shtml. Consultado em 31 de dezembro de 2007.
NIEMEYER, Marcos. Falta de respeito com a MPB: podridão sonora ganha status "universitário". Extraído do endereço http://cacarejadavirtual.blogspot.com/2009/10/podridao-sonora-ganha-status-de.html. Consultado em 30 de março de 2010.
POERNER, Artur. O Poder Jovem: Historia da Participação Política dos Estudantes Brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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