Por Alexandre Figueiredo
A Faria Lima, descobriu-se está por trás do sistema de valores que tentou ressignificar os valores socioculturais do período da ditadura militar em algo pretensamente “perene” e “acima dos tempos e das ideologias”. A Faria Lima, mais do que um clube de ricos empresários, baseados na famosa Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, tornou-se o “Iluminati brasileiro”, como um órgão dedicado a manipular corações e mentes das pessoas, através da combinação de uma logística empresarial e uma estratégia publicitária.
Exercendo um tráfico de influência entre instituições religiosas, entidades esportivas, a grande mídia em geral e a indústria do entretenimento, o polo do mais poderoso empresariado brasileiro esteve à frente de uma versão nacional do “poder suave” (soft power), criando condicionamentos sociais e psicológicos que não só perpetuassem o legado culturalista da ditadura militar, como naturalizasse seus valores como se fossem “atemporais e universais”.
Na música brega-popularesca, marcada pela precarização artístico-cultural calculada para fazer sucesso estrondoso, com fórmulas adaptadas do comercialismo musical estadunidense, a Faria Lima se empenhou em dar um verniz elevado a partir de seu principal veículo midiático, a Folha de São Paulo.
Porta-voz da Faria Lima, a Folha de São Paulo é especializada em gourmetizar modismos e em moldar o comportamento coletivo no sentido da precarização sociocultural, se aproveitando da reputação que o Projeto Folha passou a gozar a partir do apoio tendencioso e condicional ao movimento Diretas Já e, em seguida, a ditar os paradigmas do jornalismo “moderno” brasileiro, nos anos 1990.
Capaz de dar um verniz “intelectual e ativista” ao “funk” e dar um status falsamente “futurista e cult” ao Espiritismo brasileiro, religião que recicla os valores medievais do antigo Catolicismo do Brasil colonial, a Folha esconde seu perfil conservador, num contraponto ao tradicional O Estado de São Paulo, vulgo Estadão.
A glamourização da precarização sociocultural, incluindo a bregalização da música e o obscurantismo religioso da “filantropia de resultados” de instituições como o Espiritismo brasileiro, tudo isso faz parte de um culturalismo que a Faria Lima, com diversas parcerias em todo o Brasil, inclusive no exterior, tenta fazer parecer moderno, ocultando seu caráter eminentemente conservador. Até a pieguice das mensagens “espíritas”, que envergonharia pessoas relativamente mais liberais no exterior, aqui se vende como “avançada”, mesmo quando suas ideias se inspiram claramente na Idade Média, como a Teologia do Sofrimento.
“TOMAR NO COOL”
A ideia do poder midiático de criar um padrão culturalista de pessoas “legais” é feita com um grande planejamento empresarial entre a Faria Lima e as partes envolvidas. Na religião, temos as parcerias do coronelismo do Triângulo Mineiro, elite que mais blinda o Espiritismo brasileiro por causa de um “médium” idolatrado que lá viveu. Na domesticação da cultura rock, há as parcerias entre a 89 FM e as empresas promotoras de shows internacionais.
Na música brega-popularesca, a parceria da Faria Lima se dá principalmente com a indústria de cerveja. Foi enganoso, conforme pude constatar com muitas pesquisas, que a defesa da bregalização pela classe intelectual seja para pedir “reconhecimento de valor” dos ídolos popularescos. Tudo não passou de uma simples jogada de marketing movimentada por interesses empresariais.
Há outros parceiros da música popularesca, como a indústria automobilística e as big techs da informática, mas são os fabricantes de cervejas que predominam na promoção dos sucessos musicais popularescos. De alguma forma, todos os fabricantes parceiros são eventualmente mencionados em canções, como num mershandising, como em músicas como "Novinha do Zap-Zap" (WhatsApp) e "Camaro Amarelo" (relacionado ao modelo Camaro, da Chevrolet).
É tudo negócio. A ideia é trabalhar a precarização musical como se fosse um universo imaginário em que o lúdico, o prazeroso e o divertido se tornam qualidades "positivas" que fazem com que até o ressentido brega dos anos 1970, com suas canções de fossa mal compostas e mal cantadas, representasse para um público boêmio um pretenso sinônimo de "felicidade".
Dessa maneira, veio também o brega vintage, gourmetizando o brega relativamente mais antigo, em boa parte dos anos 1980 e 1990, com nomes como Michael Sullivan, Bell Marques, É O Tchan e Chitãozinho & Xororó (estes através da cover de "Evidências", do ídolo brega José Augusto). A ideia é vender a cafonice musical como algo "legal" e coisa de "gente descolada", fazendo com que a indústria do entretenimento lançasse mão de atores de TV como garotos-propagandas da música popularesca.
E é isso que a indústria do entretenimento faz, com uma poderosa estratégia de marketing e um planejamento logístico sofisticado e engenhoso para fazer com que a sociedade considerada "bacana" no Brasil literalmente vá "tomar no cool", se esbaldando da curtição através da mediocridade musical, dentro de um mal-disfarçado viralatismo cultural mascarado por um hedonismo divertido, como se o lazer e o puro entretenimento fossem dotados de uma superioridade cultural que, em verdade, não existe.
Afinal, trata-se apenas de um entretenimento fugaz, feito para o calor do momento, sem objetivos sérios de alguma expressão cultural. Mas o empresariado da Faria Lima, visando manter em movimento o lucro da indústria da diversão e do consumo de cerveja, sempre dá um jeito, criando modismos "nostálgicos" em que a mera memória afetiva torna-se gourmetizada, supervalorizando um mero lazer e promovendo a precarização musical da música brega-popularesca a um status de pretensa genialidade.
FONTES: Revista Fórum, Quem Acontece, Carta Capital, Blogue Linhaça Atômica.
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