Por Alexandre Figueiredo
Numa empresa de telemarketing em São Paulo, durante uma manhã de um dia útil, um supervisor tocou um repertório de música brega. Uma funcionária, achando que isso é uma demonstração de felicidade, cantou junto uma das músicas tocadas, com um entusiasmo explícito.
Oficialmente, a música brega é vista como a "liberação" do que se consideram os sentimentos ocultos dos brasileiros, como se fosse algo entalado na goela querendo sair pela boca. Mas a verdade é que essa constatação se deve a uma narrativa difundida pela sociedade burguesa que exerce influência dominante na aparente opinião pública que se divulga nas redes sociais e se reflete no cotidiano de muita gente dotada de boa-fé.
Essas narrativas se vendem como se fosse um consenso natural de todos os brasileiros e sua propagação é atribuída à vontade espontânea das classes populares. Mas, recentemente, ando pesquisando a respeito dessas narrativas e constatei que essa narrativa é própria de uma elite burguesa que usa muito a Internet e também difunde seus valores e interesses através dos vários tipos de meios de comunicação.
A música brega e os sucessos popularescos em geral - inclui "sertanejo", "funk", axé-music, forró-brega e seu derivado piseiro, o arrocha etc - representam, na verdade, uma categoria musical analgésica, que contraria completamente a imagem de "subversiva" plantada por Paulo César de Araújo, que tentou, em vão, apesar do lobby favorável recebido pela mídia e até por setores das esquerdas médias, definir os ídolos cafonas como supostos "revolucionários culturais".
O brega e todas as vertentes da música brega-popularesca são marcados por uma mediocridade musical notória, às vezes exagerando na falsa sofisticação - como o vocal "operístico" de Waldick Soriano, herdado em outro contexto pelo ídolo do sambrega Alexandre Pires - , já marcada pelas orquestras dos primeiros sucessos cafonas, em outras exagerando na precarização vocal, de cantores esganiçados, ou pela precarização sonora, como é o caso do "funk".
Em termos de comportamento, há desde a frustração resignada e conformista dos sucessos cafonas dos anos 1960 e 1970, reciclados não apenas pelo arrocha mas também pelo sucesso "descolado" da música "Evidências", composição de José Augusto nas vozes de Chitãozinho & Xororó, até a alegria tóxica da axé-music, como é o caso de nomes como Ivete Sangalo, Bell Marques e É O Tchan.
Quanto aos sucessos cafonas antigos, focalizados no livro de Paulo César de Araújo, a temática dos lamentos resignados contradiz a ideia do autor de que a música brega "de raiz" teria o mesmo teor de protesto de Geraldo Vandré, por exemplo. Uma coisa é pedir para as pessoas se mobilizarem em protesto, como em "Pra Não Dizer que Não Falei de Flores", de Vandré, outra é simplesmente dizer que "não é cachorro", como no sucesso de Soriano.
A narrativa "subversiva" atribuída à música brega é apenas uma tese, com forte teor especulativo, plantada não somente por Araújo, mas também por um lobby de intelectuais, jornalistas e celebridades para defender a música popularesca. Apesar da alegação de que tal narrativa é "objetiva", sua falta de fundamento é gritante, porque a música brega demonstra ser mais um conformismo com o sofrimento próprio do que uma forma de protesto mobilizador.
Além disso, há o dado estranho da "felicidade" que as pessoas tentam exibir quando cantam um sucesso da música brega-popularesca, mesmo quando são as tristes temáticas do romantismo cafona. Isso não é mais do que um ressentimento disfarçado, um sentimento claramente vira-lata de pessoas que confundem catarse com superioridade ou alegria, demonstrando um sentimento bastante confuso de emoções contraditórias.
Afinal, essas pessoas não sabem se são felizes por serem abastadas e poderem consumir bens e curtir a vida noturna todos os fins de semana, ou se buscam alguma fuga para tristezas e insatisfações inconscientes. O som brega não significa o fortalecimento da autoestima nem do senso de humor e também não representa a felicidade humana, mais parecendo um medo inconsciente das pessoas mostrarem o caráter sombrio de seus vazios existenciais.
Desse modo, essas pessoas tentam esconder esse vazio pelo divertimento cafona, pela imagem de ridículos que busca um prazer sensorial instintivo, não uma felicidade supostamente "sem medo" de assumir alguma cafonice interior. O divertimento cafona mais parece um sentimento de ressentimento porque as pessoas se sentem frustradas na busca de algum tipo de humanidade, diante do frenético consumismo de bens e sensações através do entretenimento.
Incapazes de expressar alguma dignidade e alguma sensibilidade humana, essas pessoas dotadas de significativo poder aquisitivo recorrem ao brega-popularesco como um meio de fuga da realidade e uma forma de evitar a autocrítica de sua superficialidade emocional, buscando apenas uma mera catarse em canções de valores artístico, cultural ou mesmo estético duvidosos. É a "autoesculhambação" que o falecido antropólogo baiano Roberto Albergaria botava na conta das classes populares.
Essa autoesculhambação é uma espécie de autoflagelo emocional, uma forma de fabricar um "significado" para o vazio existencial das pessoas que apreciam a bregalização musical, principalmente durante as sessões de bebedeira nos bares da vida, quando a embriaguez se revela uma "felicidade" tóxica, uma falsa alegria momentânea que as pessoas envolvidas nesse lazer mórbido perseguem na ilusão de achar que essa alegria provisória seria a "busca pela felicidade perdida".
Com a degradação sociocultural do Brasil, consequência de uma ordem social comandada pelo empresariado da Faria Lima, pela mídia empresarial, pelas filiais brasileiras das big techs e pelo latifúndio, forças herdeiras do culturalismo conservador planejado desde os tempos do "milagre brasileiro" da ditadura militar, a música brega-popularesca rebaixou a cultura popular em um negócio privatizado pelas empresas de entretenimento, pela mídia oligárquica regional e pelas indústrias de cerveja, entre outros.
Isso faz com que o caráter pretensamente "subversivo", "revolucionário" e "motivador" da música brega-popularesca fosse um blefe. Não se trata de uma cultura produzida e compartilhada espontaneamente de forma comunitária pelas classes populares, mas um pseudo-popular de caráter profundamente comercial que serve mais para o divertimento etílico dos endinheirados, às custas de seu vazio de caráter e de emotividade, ressentidos por sua falta de relevância social.
Assim, a música brega-popularesca, que trata o povo pobre como uma caricatura grosseira, é mais apreciado pelas elites "bacanas" que se divertem com a precarização sonora do que com os pobres da vida real que não se sentem representados por esse tipo de música e que só a ouvem porque não têm acesso a um tipo de música melhor.
A burguesia e sua intelectualidade orgânica é quem mais se diverte com a bregalização musical e canta aos berros, enquanto velhos pobres e embriagados continuam tristes ao som do brega que nem de longe lhes consola, sendo apenas uma trilha sonora para seu alcoolismo sem motivo e sem diversão verdadeira.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FIGUEIREDO, Alexandre. Essa Elite Sem Preconceitos... Mas Muito Preconceituosa (O que pensam os intelectuais que defendem a degradação da cultura popular no Brasil). São Paulo, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2024.
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