A JUVENTUDE BRASILEIRA SE INFANTILIZOU, EM NADA LEMBRANDO O ATIVISMO JUVENIL DA DÉCADA DE 1960.
Por Alexandre Figueiredo
O Brasil tornou-se um parque de diversões. Desde 1974, quando se instituiu o "poder suave" (soft power) no país, como uma forma de compensar a repressão ditatorial e evitar a revolta popular, as elites buscam "desenhar" um modelo de "povo brasileiro" através de processos que envolvem várias frentes de precarização sociocultural e suas respectivas compensações sociais.
Não se podia somente promover extermínio de opositores, no Brasil da ditadura militar, como também não se podia apenas eliminar camponeses para garantir o poder dos grandes proprietários de terras, no interior brasileiro. Seria preciso um processo de manipulação psicológica que pudesse transformar forças sociais potencialmente rebeldes, como jovens e pobres, em multidões ao mesmo tempo inócuas e adaptadas para a conformidade com as imposições da vida.
O processo se deu por várias frentes, seja investindo em religiões que possam enfraquecer, sob o pretexto da "diversidade religiosa", a ação opositora da Teologia da Libertação da Igreja Católica, seja precarizando a música popular e desacreditando os movimentos sindicais. Todo um processo de mediocrização sociocultural e de promoção de um clima de "paz social" marcado com a resignação e a conformidade foi feito para evitar as tensões sociais do pré-AI-5.
No plano religioso, instituições como o Espiritismo brasileiro e a seita neopentecostal Assembleia de Deus, de trajetória muito antiga, receberam investimentos da ditadura militar juntamente com duas "novas" entidades, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus, visando crescerem e tirarem fiéis do Catolicismo, tentando diminuir a força dos católicos que denunciaram os crimes contra os direitos humanos da ditadura e seus colaboradores civis, como os latifundiários que ordenavam a violência no campo.
A religiosidade conservadora de "espíritas" e neopentecostais servia de apelo para promover a resignação e o conformismo no público mais adulto e com alguma prosperidade social, enquanto a bregalização, no melhor estilo carnevale, representava a catarse pretensamente "subversiva" que fazia os mais pobres estravazarem seus instintos, num protesto que, no entanto, também tinha seu caráter de resignação com a própria inferioridade social.
Esse longo processo chegou ao paroxismo da precarização e da desmobilização, ocorrida na sabotagem cultural feita por intelectuais pró-brega durante os dois governos de Lula e dos governos de Dilma Rousseff. A partir dos três maiores ideólogos, Paulo César de Araújo, historiador e professor da PUC-RJ, Pedro Alexandre Sanches, ex-repórter da Folha de São Paulo, e Hermano Vianna, antropólogo, a precarização cultural se deu sob a máscara do "combate ao preconceito".
A bregalização cultural era um dos muitos mecanismos de "redesenho" do Brasil, onde a hierarquização era ressignificada não mais sob o contexto moralista mais antigo, mas sob o verniz da "objetividade", como a elite de intelectuais e acadêmicos que, sutilmente, discriminavam o senso crítico, fazendo o que o AI-5 não conseguiu fazer, enfraquecendo as vozes contestatórias e reduzindo os cursos de pós-graduação a uma cosmética de monografias e artigos com rigor formal impecável, mas inofensivos e estéreis na missão de transmissão de Conhecimento.
A "autocensura" da grande imprensa empresarial, incluindo um periódico marcadamente conservador como O Estado de São Paulo, era outro ponto a observar, pois a mídia queria sutilmente criar uma narrativa de que ela combatia a censura ditatorial, quando na verdade ela desejava apenas agilizar os mesmos processos de revisão de textos da Censura Federal, que demorava muito para avaliar o que era produzido culturalmente no Brasil.
Desse modo, depois de tanto tempo proclamando que a grande imprensa empresarial "lutou contra a ditadura militar" - o que incluiu a Folha de São Paulo que, escondendo seu passado de auxiliar da repressão militar, se autopromovia com a cobertura das Diretas Já em contraposição à "covardia" da Rede Globo - , se revelou, recentemente, que apenas lutava contra o caráter burocrático da Censura Federal, mas concordando com a necessidade de transmitir ao público a "visão do regime".
Ao ser "desenhado" um Brasil conservador, precarizado e apenas com alguns momentos de catarse comportamental - como a cultura brega-popularesca demonstra - , criaram-se condições para o crescimento de um padrão "sociocultural" que fez as pessoas se acostumarem mal com cada "novo normal" que transformava o povo brasileiro numa multidão provinciana e subordinada ao poder midiático, de tal forma que seu apetite por mídias digitais é maior do que o resto do mundo.
Mesmo no Brasil de Lula, a sabotagem cultural fez com que os próprios agentes do ativismo de esquerda ficassem enfraquecidos. O trabalho "doutrinário" das universidades privadas que surgiram e cresceram durante os governos de Fernando Henrique Cardoso fez com que as universidades públicas corressem atrás e se pautassem em projetos mercadológicos, não bastassem o caráter autoritário e conservador dos acadêmicos tidos como "de esquerda", mas que seguem uma lógica burocrática que baniu o senso crítico nos meios universitários.
Mas o processo também atingiu na "carne" aqueles que poderiam se manifestar com ativismo genuíno. Camponeses foram "abandonados" pela "democracia" do presidente Lula, que preferiu não ferir os interesses da nova elite agrária associada ao agronegócio.
O proletariado, enfraquecido pela "reforma trabalhista" do governo Michel Temer, não viu a luz do fim do túnel quando Lula assumiu o poder, pois o atual presidente não mexeu na essência das demandas dos movimentos trabalhistas, preferindo manter o "menos ruim" do legado do vice que traiu Dilma Rousseff.
Os jovens ficaram infantilizados, e a longa trajetória do seriado Malhação, da Rede Globo, influiu mais no desenvolvimento de um padrão de comportamento juvenil que fez com que os estudantes se tornassem infantilizados e ocupados demais com as frivolidades de suas vidas pessoais. O comportamento padrão do jovem brasileiro acabou sendo relacionado a um frequentador de parque de diversões, assim como o padrão do comportamento do adulto passou a ser o do turista de seu próprio lugar de moradia. A regra é mais consumo e cidadania dentro dos limites autorizados pelas elites.
Pobres também se tornaram caricatura de si mesmos, como se eles tivessem saído de algum "núcleo pobre" das novelas da Rede Globo ou de algum quadro do humorístico A Praça é Nossa, do SBT. O pobre "remediado", "amigo" da burguesia, se tornou um fenômeno crescente que se destacou diante das narrativas oficiais da "periferia" trazidas pela mídia empresarial mas corroboradas pelos adeptos do presidente Lula.
Nem os roqueiros escaparam do processo de domesticação, pois a indústria midiática dos anos 1990, dominada pela rádio 89 FM de São Paulo - cuja família proprietária tem ligações históricas com o malufismo e com as elites empresariais da Faria Lima - , dissolveu a rebeldia do rock a um processo comportamental que era rebelde na forma, mas é claramente subserviente ao sistema de valores no conteúdo.
Através de todo o processo sutil de culturalismo, foram desmontados todos os focos de subversão que acabariam com o poderio das classes dominantes que realizaram o golpe militar de 1964. Sem levar mais adiante o processo da violência física da repressão militar, foi adotado em seu lugar um processo de manipulação psicológica por várias frentes, que fizeram o Brasil permanecer nos padrões socioculturais da Era Geisel, que resistem na "democracia" lulista dos dias atuais.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FIGUEIREDO, Alexandre. Esses Intelectuais Pertinentes... Como a Retórica do "Combate ao Preconceito" da Bregalização Contribuiu para o Golpe Político de 2016. Niterói, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2020.
KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda - Jornalistas e Censores do AI-5 à Constituição de 1988. Boitempo, 2001.
Comentários