A MEDIOCRIDADE CULTURAL É A CAUSA DEFENDIDA, NA PRÁTICA MAS NÃO NO DISCURSO, PELA CHAMADA ELITE DO BOM ATRASO.
Por Alexandre Figueiredo
Estranho o Brasil de hoje, que se encontra culturalmente mais devastado do que há 60 anos, e não se fala apenas do bolsonarismo ou do lavajatismo, pois estes são apenas subprodutos de uma mentalidade maior que tenta sobreviver, agora, fazendo o papel de "apoiadora incondicional" do governo Lula. O próprio Lula, numa performance muito aquém dos seus dois mandatos anteriores - nada revolucionários, mas com alguma expectativa de um progresso significativo para o país - , facilita o protagonismo da elite vira-lata não assumida.
A "elite do bom atraso", uma repaginação das velhas elites cujos ancestrais eram escravocratas, exterminadores de índios e defensores de golpes políticos, é uma parcela da elite do atraso que tenta fugir do legado existente até o golpe de 2016 e a negligência bolsonarista à pandemia da Covid-19, em 2020. Os herdeiros da "Casa Grande" agora usam de outra estratégia, agora atuando como "classe boa moça", rejeitando o senso crítico que poderia revelar o passado sombrio dessa classe.
O lulismo, como foi citado, foi domesticado de tal forma que a moderação, já extrema, dos dois mandatos anteriores de Lula, que combinavam economia liberal - da linha de John Maynard Keynes, economista britânico - e Estado de bem-estar social, parece muito ousada se compararmos com o atual mandato, que faz Lula estar mais próximo de um crossover de José Sarney com Fernando Henrique Cardoso.
Mas isso não é problema para a elite do bom atraso, que confunde socialismo com filantropia e tenta repaginar seu conservadorismo numa retórica não-raivosa e mais flexível, em que o hedonismo das causas identitárias serve de artifício para disfarçar os valores religiosos conservadores não-raivosos (próximos da LBV e do Espiritismo brasileiro) e a bregalização cultural.
A bregalização cultural, aliás, mostra o apetite mercadológico e midiático da elite do bom atraso, com as tentativas, desde o fim dos anos 1950, de assimilar a "gramática pop" dos EUA, sempre de maneira tardia, atrasada, precária e rudimentar, um processo que, depois, se evoluiu, com o know-how da Internet, para o desenvolvimento de um pop brasileiro que sepultasse de vez o legado da MPB autêntica e do antigo folclore popular.
A elite do bom atraso até arranjou um "substituto" para o compositor Tom Jobim: o compositor brega Michael Sullivan, capaz de falsas rimas como "contigo" e "motivo", de canções extremamente piegas e muito medíocres, mas temperadas pela grandiloquência enjoativa dos sintetizadores utilizados. Acompanhando o clima de hipocrisia da elite do bom atraso, Sullivan, denunciado por Alceu Valença como um produtor que quis destruir a MPB, agora usa a própria MPB como trampolim para voltar à carreira.
A elite do bom atraso se revela, então, bastante pretensiosa. Ao mesmo tempo que mostra sua profunda mediocridade sociocultural, voltada ao consumismo e ao apego aos supérfluos e ao obscurantismo da fé religiosa alternando com o hedonismo libertino e vulgar, a elite do bom atraso se julga "predestinada", desqualificando outros povos devido ao complexo de superioridade da "boa" sociedade brasileira.
Um aspecto típico da elite do bom atraso é seus indivíduos, abastados, se exibirem em viagens ao exterior, feitas mais para impressionar os amigos. Lembremos que a elite do bom atraso é uma espécie de "frente ampla" do viralatismo cultural não-assumido, que inclui desde pobres remediados até famosos super-ricos que não possuem o poder decisório de empresários e banqueiros.
E a elite do bom atraso se acha "a mais legal", "a mais divertida" e "a única predestinada", e seu complexo de superioridade a faz acreditar que essa elite dominará o mundo, porque "só ela é a humanidade por excelência", diferente dos "desprezíveis" povos da África, Ásia e Oriente Médio, do "friorento" povo da Escandinávia e dos europeus considerados "inteligentes demais". A elite do bom atraso rejeita o pensamento crítico, pedindo espaço para uma parcela de ignorância, para parecer "gente como a gente".
A elite do bom atraso, a burguesia festiva e informal que usa o mimetismo de parecer pessoas comuns, consegue fazer seus valores privativos contagiarem o grande público, de tal forma que estes valores pareçam "universais" e "públicos".
Endeusam os "médiuns" que promovem assistencialismo barato humilhando pessoas pobres que, em longas filas, esperam por precários pacotes de mantimentos oferecidos a cada mês e que se esgotam rapidamente. Falam "dialetos" estranhos como o "portinglês" - capaz de "neologismos" como "doguinho" e de expressões inseridas na língua portuguesa como boy e body (estranha redenominação de "maiô"), sem falar da gíria "balada", uma gíria falsamente popular que surgiu de um eufemismo para drogas alucinógenas.
E como identificar a elite do bom atraso? Através desses valores acima citados e outros semelhantes. Ainda se vai falar muito da elite do bom atraso, que tenta se passar por "dona" de tudo, como se privatizasse, para si, tudo o que encontram pela frente: os pobres, o mundo, a verdade, o futuro etc. É assustador quanto esta sociedade, que predomina nas redes sociais, aposta, sem admitir na retórica, na "privatização de tudo", como se só essa elite fosse "tudo" e o resto "nada significasse".
A elite do bom atraso precisa ser estudada e identificada. Ela pode ser qualquer um que está ao nosso lado, em qualquer canto da rua. Se disfarçam de gente comum e impõem seus valores como se o ar puro os trouxesse para a população em geral. Mas são elite e são um grupo mais privado, egoísta e ganancioso do que sugere a sua postura de pretensa "sociedade do amor".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIGUEIREDO, Alexandre. Esses Intelectuais Pertinentes... Como a Retórica do "Combate ao Preconceito" da Bregalização Contribuiu para o Golpe Político de 2016. Niterói, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2020.
SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava-Jato. Rio de Janeiro, Leya, 2017.
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