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OS TATARANETOS DA GERAÇÃO DA REPÚBLICA VELHA


Por Alexandre Figueiredo

O que faz a elite que apoia incondicionalmente o governo Lula e obtém hábitos estranhos, que vão desde falar "dialetos" em portinglês - como na frase "Troquei o meu boy pelo meu dog" - até jogar comida fora depois de comer cinco garfadas de um almoço farto, ser comparável às velhas elites escravocratas, fisiológicas e golpistas do passado, incluindo a "cultura do cabresto" das elites da República Velha?

Apesar do verniz de modernidade, progressismo e alegria, a elite que obteve o protagonismo no cenário sociocultural comandado pelo atual mandato de Lula - que sacrificou seus antigos princípios de esquerda preferindo artifícios como a política externa e o fisiologismo político para obter vantagens pessoais - , trata-se da mesma sociedade conservadora que tenta se repaginar apenas expurgando os radicais bolsonaristas, hoje "bodes expiatórios" de tudo de ruim que aconteceu na História do Brasil.

A mediocrização cultural, a níveis que sucumbem à imbecilização sociocultural, ao que o sociólogo Jessé Souza chama de "culturalismo vira-lata" ou "viralatismo cultural", torna-se o tom desse Brasil de hoje, em que até mesmo a onda de saudosismo segue uma perspectiva tolamente infantilizada, que chega ao ponto de atribuir como "inspirada na literatura marxista" o sucesso bubblegum da axé-music "Xibom Bom Bom", do grupo vocal As Meninas. Essa atitude é comparável a de creditar a cantiga "Atirei o Pau no Gato" como "inspirada na Revolução Cubana".

O viralatismo cultural é bem mais do que o mero pragmatismo raivoso do noticiário político hidrófobo, do humorismo sociopata e da extorsão religiosa. Mas oficialmente o culturalismo que trata o pobre como um animal doméstico e cultua de "médiuns espíritas" a funqueiros não é assim definido, por ser supostamente associado a valores positivos, que interessam apenas a essa elite que controla as narrativas e manipula o senso comum do povo brasileiro.

A comparação com a República Velha é que, no lugar das velhas elites cafeeiras e agropecuárias que manipulavam o jogo político de cem anos atrás, temos seus tataranetos fantasiados de "gente comum" e que agora, com a decadência do bolsonarismo, também se fantasia de "esquerdista", "alternativa", "vanguardista", "futurista" e tudo de bom que houver para lhe trazer vantagem social fácil.

Mas a hipocrisia da atual elite, que denomino de "elite do bom atraso" adaptando o termo de Jessé Souza para o cenário "positivo" das chamadas "esquerdas festivas", não difere muito da "cultura do cabresto" da República Velha, no que se refere a tratar o povo pobre como se fosse uma lixeira social.

Até mesmo o "voto de cabresto" da República Velha foi, por ironia, herdado pelo método de campanha do outrora líder popular Luís Inácio Lula da Silva, hoje mais próximo de um político fisiológico do que do antigo líder sindical que empolgava as massas.

Esse método consistia em usar como desculpa a "eleição plebiscitária" para impor Lula como "candidato único" para a "reconstrução democrática" do Brasil. Junta-se a ideia do "voto de cabresto" da República Velha com a ideia deturpada de "democracia" do golpe de 1964, mesmo quando o candidato promete um projeto político "mais à esquerda" e "voltado aos mais pobres".

Lula menosprezou a competitividade eleitoral, disse que sua eleição era "urgente para recuperar a democracia e reconstruir o Brasil ", mas, uma vez eleito, deu menos dedicação aos assuntos internos enquanto se intrometia em assuntos estrangeiros como se fosse um dublê de diplomata, visando a promoção pessoal no mundo inteiro. Isso empolga as elites que acham normal fazer turismo no exterior, mas aborrece quem mal consegue sair do bairro onde mora por falta de grana para a condução.

Isso porque Lula estabeleceu concessões à direita mais preocupantes que as dos dois mandatos anteriores, e sua campanha buscou o "voto de cabresto" como uma "necessidade de votar num único candidato capaz (sic) de derrotar Bolsonaro", além de usar a "democracia", mais uma vez, para atender aos interesses das elites, como o empresariado e a classe média festiva.

Os tetranetos da geração da República Velha também impõem valores socioculturais como seus tataravós de cem anos atrás, só que com outros pretextos, que vão do "amor" à "liberdade", da "paz" à "felicidade". A elite do bom atraso torna-se, portanto, uma "burguesia de chinelos" que até janta caviar com Moet Chandon, mas é capaz de passar uma tarde inteira num botequim de décima categoria para tomar cerveja comum ao som de música brega.

É uma sociedade funcionalmente conservadora, pois seu conservadorismo não é formal, embora cultuasse o conservadorismo religioso do Espiritismo brasileiro e exaltasse o "funk" dotado de valores machistas e do processo de glamourização da pobreza humana.

Predominando nas redes sociais, essa elite "bondosa e alegre" apenas destoa do aparato estereotipado dos velhos conservadores, sendo, portanto, um conservadorismo repaginado, da linha do ditado "mudar para continuar o mesmo". Uma sociedade brega, fundamentalista religiosa, etílica, fanática por futebol e que culturalmente é tão superficial que seu gosto musical fica preso aos mesmos "grandes sucessos" de sempre.

É uma sociedade que joga comida fora, que só quer festa, que lê livros menos para obter Conhecimento do que para anestesiar a mente, e que prefere gastar seu monte de dinheiro em coisas supérfluas como fazer viagens à Europa sem necessidade. Essa geração de bem-nascidos se mimetiza na falsa simplicidade de visual e atitudes, e um gosto sociocultural bastante brega. Mas é a mesma elite dos velhos fazendeiros que obrigavam o povo a votar nos candidatos daqueles. Hoje continua a mesma coisa, mas no lugar dos velhos "coronéis" políticos, temos um ex-sindicalista que se vendeu para a Faria Lima.

FONTES: Folha de São Paulo, Carta Capital, Blogue Linhaça Atômica, Portal Brasil 247.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIGUEIREDO, Alexandre. Esses Intelectuais Pertinentes... Como a Retórica do "Combate ao Preconceito" da Bregalização Contribuiu para o Golpe Político de 2016. Niterói, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2020.

SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava-Jato. Rio de Janeiro, Leya, 2017.

SOUZA, Jessé. A Guerra Contra o Brasil. Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2020.

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