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O QUE O PRÊMIO CAMÕES PARA CHICO BUARQUE AJUDARÁ NA REABILITAÇÃO DA MPB?

CHICO BUARQUE DE HOLLANDA RECEBE, COM QUATRO ANOS DE ATRASO, O PRÊMIO CAMÕES 2019 PELA OBRA DO ARTISTA. ENTRE O CANTOR, O CRÍTICO LITERÁRIO MANUEL FRIAS MARTINS E O PRESIDENTE PORTUGUÊS MARCELO REBELO DE SOUSA. À DIREITA, O PRESIDENTE LULA TAMBÉM PARTICIPA DO EVENTO.

Por Alexandre Figueiredo

Com quatro anos de atraso, devido à influência nefasta do presidente Jair Bolsonaro no Brasil, o compositor, cantor e escritor Chico Buarque de Hollanda só pôde receber o Prêmio Camões concedido a ele em 2019 este ano.

O evento aconteceu em Lisboa, no Palácio Queluz, com as presenças dos presidentes do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro português, Antônio Costa, a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, e o crítico literário Manuel Frias Martins, entre outros.

Buarque é o 13º brasileiro a receber o Prêmio Camões que, por ter surgido em 1988, completa 35 anos. O prêmio é dedicado a artistas de contribuição considerada mais relevante para a divulgação da língua portuguesa, sendo esses artistas de todos os países lusófonos do mundo: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Além de Chico Buarque, foram premiados Silviano Santiago (2022, posterior ao músico), Raduan Nassar (2016), Alberto da Costa e Silva (2014), Dalton Trevisan (2012), Ferreira Gullar (2010), João Ubaldo Ribeiro (2008), Lygia Fagundes Telles (2005), Rubem Fonseca (2003), Autran Dourado (2000), Antônio Cândido de Melo e Souza (1998), Jorge Amado (1994), Rachel de Queiroz (1993) e João Cabral de Melo Neto (1990).

No discurso que celebrou o prêmio, Chico Buarque de Hollanda comentou com fina ironia o alívio de não ter sido premiado quando o Brasil era presidido por Bolsonaro:

"Reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para assinatura do nosso presidente Lula. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de governo, funesto, duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás".

Buarque encerrou o discurso dizendo: "Recebo este prêmio menos como honraria pessoal, mas mais como desagravo pelos artistas brasileiros ofendidos por esse anos de estupidez e obscurantismo".

Lula, que estava entre os assinantes do documento do Prêmio Camões, também discursou comentando sobre o obscurantismo político de seu antecessor:

"É uma satisfação corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos tempos. O ataque à cultura, em todas as suas formas, foi uma dimensão importante do projeto que a extrema direita tentou implementar no Brasil. Não podemos esquecer que o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico no Brasil e em Portugal".

A premiação dada a Chico Buarque, ao repercutir positivamente na mídia progressista brasileira - a chamada "mídia alternativa", alinhada à esquerda ideológica - , torna-se um marco. Afinal, durante os dois primeiros mandatos de Lula e os dois mandatos de Dilma Rousseff (o segundo abreviado por um golpe político em 2016), Chico Buarque era demonizado junto aos grandes nomes da MPB, diante da campanha populista dos intelectuais pró-brega que colonizaram seu culturalismo na mídia de esquerda.

Através de nomes como Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches, Hermano Vianna, Eugênio Raggi, Mônica Neves Leme, Milton Moura, MC Leonardo, Rodrigo Faour e, mais recentemente, Thiagson, os intelectuais pró-brega, sob a desculpa do "combate ao preconceito" e, por isso, analisados pelo meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... (Amazon e Clube de Autores), faziam apologia da degradação da cultura popular através da defesa tendenciosa dos fenômenos popularescos.

Tendo Pedro Alexandre Sanches como o mais empenhado na mídia de esquerda, sendo ele um dos mais destacados jornalistas do anti-esquerdista Projeto Folha, de Otávio Frias Filho (1957-2018), a campanha do "combate ao preconceito" visava ampliar as reservas de mercado da música brega-popularesca e sabotar a mobilização popular durante os governos do PT, "recomendando" ao povo a ficar acomodado no "ativismo provocativo" da bregalização cultural. 

Foi essa subjugação do povo pobre, já despolitizado, ao entretenimento popularesco que criou condições para o golpe político de 2016 e para o desgaste da imprensa alternativa de esquerda, embora, no discurso, Sanches e seus pares insistissem em se alinhar ideologicamente à esquerda, com apoios tendenciosos a Lula e Dilma Rousseff.

Sanches fez campanha contra Chico Buarque quando o jornalista fazia a coluna "Paçoca", na revista Caros Amigos, fazendo uma ironia com o primeiro livro escrito pelo compositor, Fazenda Modelo (1974), chamando-o de "coronel da Fazenda Modelo". Sanches também implicou com a irmã de Buarque, a também cantora Ana de Hollanda, quando esta era ministra de Dilma. Ana era chamada pejorativamente de "Rainha de Hollanda".

A condição de filho de Sérgio Buarque de Hollanda, definido pelo sociólogo Jessé Souza como pioneiro do chamado "culturalismo vira-lata", e pelo fato de Chico Buarque ser herdeiro da musicalidade da supostamente elitista Bossa Nova - "O mei mestre soberano foi Antônio Brasileiro", como dizia em "Paratodos", sobre Tom Jobim - eram como pecados originais que faziam o cantor ser depreciado injustamente pela cínica provocação dos intelectuais prô-brega.

A animosidade da intelectualidade pró-brega teve como auge os casos do ECAD - o escândalo do copyright que fez a intelectualidade pró-brega apostar na defesa da pirataria, definida com ironia provocativa como "copyleft" - e do movimento Procure Saber, de cantores e compositores que rejeitavam a publicação de biografias não-autorizadas, causa defendida por Chico Buarque.

Depois disso, vieram os protestos das elites da direita ideológica, que derrubaram Dilma Rousseff e abriram caminho para Michel Temer e Jair Bolsonaro chegarem ao poder, implantando retrocessos políticos e sociais diversos. 

A decadência da intelectualidade pró-brega foi gradual, com os protestos de seus ideólogos contra o fim do Ministério da Cultura (extinto e depois reativado, mas sabotado, por Temer, e, em seguida, extinto por Bolsonaro) e, em seguida, pelo desmascaramento de muitos ídolos brega-popularescos defendidos pela "campanha contra o preconceito", que se tornaram apoiadores de Jair Bolsonaro.

Por outro lado, a MPB autêntica carece de renovação, com os artistas veteranos envelhecendo e morrendo. Nos últimos anos, as mortes da MPB, que geralmente atingem nomes do circuito alternativo como Itamar Assumpção, Walter Franco e Miriam Batucada, atingiram nomes do mainstream como Moraes Moreira, Gal Costa e Erasmo Carlos.

Gal interpretou "Folhetim", icônica composição de Chico Buarque. Já Erasmo militou com Buarque na campanha do Procure Saber. Com tais constatações, o próprio Chico Buarque, a fazer 79 anos em junho próximo, já indica que a MPB precisa se renovar, estando ela ausente de novos grandes artistas, já que a última renovação da MPB autêntica se deu há pouco mais de 20 anos, com artistas na casa dos 40, 50 anos.

Será que a celebração do Prêmio Camões a Chico Buarque poderá reabilitar a MPB? Nas esquerdas, houve um avanço: a antiga má vontade com a MPB autêntica, em favor do populismo fácil da música brega-popularesca e seus "sucessos do povão", deu lugar a um respeito aos emepebistas e a um maior cuidado na cobertura de música brasileira na mídia esquerdista.

Todavia, a música brega-popularesca cresceu demais, depois da chorosa campanha do "combate ao preconceito" que ampliou mercados para os fenômenos popularescos dos anos 1990, que nas décadas seguintes inspiraram derivados, como os recentes casos de fenômenos como o "piseiro" e a atual geração do "funk ostentação", que agora usa uma batida eletrônica com som de lata de conserva. 

Ao lado disso, um forçado saudosismo procurava relançar nomes do brega dos anos 1980-1990 como Michael Sullivan, Art Popular, É O Tchan e Chitãozinho & Xororó, como falsas relíquias musicais. É uma pretensa cultura "vintage" nos padrões culturalmente indigentes das redes sociais brasileiras e da alienação das gerações nascidas sobretudo nos últimos 45 anos.

Ainda é cedo para o Prêmio Camões de Chico Buarque representar uma reabilitação da MPB. Mas o certo é que essa premiação irá trazer reflexões para um Brasil confuso que busca apressadamente o progresso político, econômico e social através do atual governo Lula. Até que ponto essa reflexão irá produzir frutos, não se sabe, mas a certeza é que o desprezo à MPB no verão do "combate ao preconceito" de 20 anos atrás será deixado de lado, pelo menos por parte de um público mais culto antes induzido a aderir à bregalização musical.

FONTES: Agência Brasil, BBC Brasil, Folha de São Paulo, Carta Capital, Blogue Linhaça Atômica.

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