Por Alexandre Figueiredo
Paralisado durante o governo Jair Bolsonaro, o Comitê Gestor do Cais do Valongo reiniciou atividades desde ontem, em cerimônia realizada no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), que contou com as presenças do presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Leandro Grass, da ministra da Cultura, Margareth Menezes, da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.
O Comitê é responsável por administrar o Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, situado entre as atuais ruas Coelho e Castro e Sacadura Cabral, no entorno da Av. Barão de Tefé, na Zona Portuária carioca. O local é reconhecido desde 2017 como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
"A partir de agora, o comitê reconstituído se coloca novamente à disposição de vocês. Juntos, trabalharemos na reformulação do Centro de Referência da Celebração da Herança Africana. O que será e como será esse projeto, quem dirá são vocês, porque nada mais será feito sem vocês", disse Leandro Grass, na cerimônia.
O presidente do IPHAN ainda disse: "É importante destacar que a formação do comitê foi baseada num processo coletivo e por meio de muita escuta e muito diálogo. A partir de agora, a elaboração e execução das ações seguirão também sendo feitas conjuntamente. Nosso objetivo primordial é a proteção do Sítio, tornando-o um espaço de memória e referência histórica".
Negras, as ministras Margareth Menezes, também cantora e compositora, e Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada Marielle Franco, também deram declarações a respeito do Comitê, paralisado pelo governo Bolsonaro depois que o Ministério da Cultura deu lugar a uma inexpressiva e problemática Secretaria de Estado, comprometendo atividades de órgãos como o próprio IPHAN.
"Hoje elevamos nossos pensamentos aos nossos ancestrais que passaram por aqui. Saudando a memória deles, estamos aqui, filhos desses que sobreviveram, buscando justiça, recomposição do reconhecimento desse lugar, assim como reconhecimento do grande legado trazido pelo povo africano", disse Margareth. Por sua vez, Anielle falou: "Esse dia é histórico, um marco de reparação, ressignificação e memória. Saúdo a todos os representantes que têm lutado para garantir esse lugar e dar a ele o reconhecimento que ele merece".
O Comitê Gestor foi restituído pela Portaria nº 88, de 20 de março de 2023, celebrando a semana em que se relembra, no dia 21, o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. Coordenado pelo IPHAN, o comitê é composto por instituições como o Ministério da Cultura, a Fundação Palmares, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e o Arquivo Nacional. Sem direito a voto, também farão pare do comitê o Ministério Público Federal e o Escritório da Unesco no Brasil.
Paralelo a esse ato, o IPHAN também fez outra medida em favor dos movimentos negros. Atendendo às instituições religiosas afro-brasileiras, a autarquia, cumprindo determinação do Ministério Público Federal (MPF), decidiu mudar os nomes das coleções de objetos antes denominados "Coleção Magia Negra", nome considerado discriminatório. As coleções, agora, passam a ser denominadas "Coleção Nosso Sagrado".
Antigo porto de desembarque de escravos no Brasil, o Cais do Valongo foi inaugurado em 1811 e seu funcionamento legal se deu aé 1831, com a proibição formal do trafico negreiro, lei considerada "paa inglês ver". Depois de então, o lugar continuou recebendo escravos por um bom tempo, chegando a totalizar um milhão de escravos que ali desembarcaram. o local também tinha pelourinhos para prisão e punição de escravos considerados "rebeldes".
A importância do Cais do Valongo, portanto, é documental, visando a reflexão da trise prática da escravidão, num longo período em que a sociedade defendia abertamente esse regime degradante de trabalho, cuja trajetória foi marcada por tragédias e tantos prejuízos sociais.
O Cais do Valongo é apenas um dos inúmeros locais que serviram de cenário para o traumático drama vivido pelos negros no Brasil, representando um triste passado que deve ser lembrado para não ser mais repetido, apesar de haver casos de escravidão recentemente descobertos em várias partes do nosso país. Daí a necessidade de conhecermos a escravidão de ontem para que se combata a escravidão de hoje.
FONTES: IPHAN, Agência Brasil.
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