ESQUERDA IDENTITÁRIA MANIFESTA EM APOIO À CANDIDATURA PRESIDENCIAL DE LULA, NA PRAÇA DA SÉ, EM SÃO PAULO, EM 28 DE SETEMBRO ÚLTIMO.
Por Alexandre Figueiredo
Estamos longe de considerar o bolsonarismo como uma página virada na História do Brasil, uma vez que o cenário político e social do nosso país é bastante complexo e não é agora que vamos ter um caminho de prosperidade tranquilo e livre como se voasse em céu de brigadeiro.
Culturalmente, o Brasil continua muito atrasado. Não serão os investimentos da cultura que melhorarão as coisas em si. Afinal, temos um quadro desigual em que as tendências brega-popularescas, ou seja, voltadas a expressões comerciais supostamente populares e herdeiras de uma linhagem iniciada com os primeiros ídolos cafonas dos anos 1960 e 1970, exercem influência dominante, com toda sua mediocridade cultural que, de tão difundida, faz acostumarem mal até mesmo pessoas que antes apreciavam expressões de qualidade artístico-cultural mais significativas.
Afinal, dinheiro não traz talento. É uma ilusão acreditar que investimentos maiores em cultura irão melhorar aquele ídolo medíocre que, com facilidade, compensou o talento medíocre com uma rapidez em lotar plateias e alcançar grandes públicos, virando notícia na imprensa, lacrando as redes sociais, obtendo visualizações e sendo bastante tocado nas plataformas sonoras digitais. Nem mesmo um programa tipo ISO 9000, de gestão de qualidade, irá transformar um ídolo musical popularesco em um emepebista criador nem um influenciador digital em ator de nível shakespeareano.
Temos um cenário de profundo otimismo, mas esse otimismo tem muito mais a ver com as expectativas de uma classe média ansiosa em viver como turista dentro do Brasil, pois encontrou desilusão no exterior, durante os anos abertamente golpistas de 2016-2022, por não encontrar a hipotética receptividade dos estrangeiros, principalmente portugueses ou os latino-estadunidenses da Flórida, aos brasileiros mais abastados.
Ser tratado como um vassalo em cidades portuguesas ou em lugares como Orlando, nos EUA, e Barcelona, na Espanha, refletem essa desilusão, que fez a classe média brasileira sonhar com o fim do bolsonarismo. A elite do atraso que apostava na eficiência administrativa do governo Michel Temer e na moralidade emergencial de Jair Bolsonaro se decepcionou com esses governos, apostando em Lula como solução para reconstruir o Brasil para o usufruto privativo da classe média cheia de grana.
A classe média que se considera "ilustrada", "iluminada" e "divertida" e que comanda os padrões de bom senso dominantes no Brasil, representa cerca de 30% da sociedade brasileira e é composta por um público que varia entre os pobres remediados aos famosos mais ricos. Tirando a "sujeira" da parcela bolsonarista dessa sociedade, que havia engrossado as fileiras da classe média influente para cerca de 20%, restou a "boa sociedade" que agora respira tranquila o Brasil do Lula recém-eleito.
NÃO NECESSARIAMENTE PROGRESSISTA
Essa classe média que agora exerce uma "preocupação social mais profunda", simbolizada pela proposta do presidente eleito Lula em "combater a fome", não é necessariamente progressista no sentido abrangente do termo. Essa classe não quer um Brasil com padrões de vida escandinavos, com desenvolvimento social pleno e cultura relevante e digna, mas um país em que houvesse hedonismo e consumismo para uma classe com poder aquisitivo significativo para servir às suas emoções provincianas.
Trata-se de uma classe que deseja um Brasil não necessariamente diferente do que existe nos últimos anos. Seu desejo é apenas exterminar aquilo que represente, pelo menos na forma, sentimentos de raiva, de contrariedade e intolerância, apostando no seu oposto, ou seja, tudo que pareça "positivo" e se manifeste em torno da alegria, da calma, do otimismo e da cordialidade.
A classe média pós-moderna do Brasil quer que se permaneçam os paradigmas socioculturais provenientes do "milagre brasileiro", como a coexistência de fenômenos popularescos com a MPB identitária pós-tropicalista, a glamourização de esportes como o futebol, o sensacionalismo midiático e as ridiculosidades exibidas nas redes sociais, e o religiosismo não-raivoso que tanto pode ser o Catolicismo e o Protestantismo tradicionais como o conservadorismo medieval mas dócil do Espiritismo brasileiro.
Portanto, é como se a classe média desejasse o mesmo Brasil dos governos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel, mas desprovidos de aspectos negativos. Um "milagre brasileiro" existindo sem DOI-CODI nem AI-5, com o mesmo ufanismo brasileiro agora expandido pelo ufanismo populista das favelas, da "pobreza linda" que reflete a visão etnocêntrica e paternalista dessas elites formadoras de opinião e produtoras de consenso. Tudo dentro de um "milagre" conduzido não por um general de mau humor, mas por um Lula bonachão que lembra muito o Papai Noel do imaginário natalino.
Esse Brasil animado dos 30% mostra sua positividade tóxica, sua obsessão em "ser feliz", em que o senso crítico é desaconselhado pelo senso comum oficial, mesmo de esquerda - que deixou para trás sua vocação contestatória, substituída por uma aceitação consentida experimentada pela confortável recepção do tucano Geraldo Alckmin como vice da chapa presidencial de Lula - , por temer que algum questionamento mais severo possa impedir o Brasil de se desenvolver de maneira rápida.
A qualidade desse desenvolvimento não importa. Na verdade, nem é um desenvolvimento de verdade, mas apenas artifícios para que o Brasil se torne prazeroso para a classe média levar sua vida de hedonismo e consumismo, uns se voltando para a liberdade sexual e etílica, outros para as restrições ao prazer da fé religiosa, que oferece, por si mesma, outra opção de prazer, através da "masturbação pelos olhos" das comoções de pessoas ao ouvirem narrativas de dramas pessoais relacionados à fé humana.
O Brasil que essa classe média quer é apenas um país brincando de ser Primeiro Mundo: cidades arrumadas com centros históricos remodelados para o consumo turístico. Fartas opções de comércio e lazer. Acesso à tecnologia e controle de preços. Estabilidade institucional, sem um aparelho repressivo nem censor, mas uma garantia legal e institucional à liberdade humana, pelo menos ao que a classe média festiva entende como "liberdade", que pode variar do "baseado" à "espiritualidade".
O povo pobre é só um detalhe e ele é apenas convidado a permanecer na sua inferioridade social, defendida tanto pela libertinagem comportamental do "funk" quanto pelo medievalismo repaginado do Espiritismo brasileiro. Através destes e de outros fenômenos, o povo pobre apenas tem sua situação miserável diminuída, e neste caso o governo Lula promete a ajuda paliativa do Bolsa Família, que por enquanto enfrenta problemas relacionados ao teto de gastos públicos do Orçamento da União para 2023.
Essa relativa ajuda ao povo pobre, celebrada com certo exagero e com falsas expectativas de progresso humano, servem apenas para diminuir os efeitos drásticos da miséria, que em contrapartida também evitam que os pobres compartilhem dos mesmos benefícios da classe média. As medidas apenas permitem que os pobres tenham uma pobreza menos dolorosa, com relativa prosperidade na vida, de forma suficiente para prevenir que a revolta social produza os ladrões que costumam assaltar a classe média durante a madrugada nas grandes cidades.
O novo governo Lula simboliza esse imaginário social da classe média, de inclinação identitária e com fraca conscientização política e intelectual, que pensa num Brasil dedicado especialmente às suas elites, com acesso fácil ao consumo, às emoções que podem ser tanto profanas quanto religiosas, mas também incluindo o recreio fácil do futebol.
Trata-se de um Brasil supostamente "justo e igualitário", mas que mascara as desigualdades sociais na medida que as ameniza, permitindo um padrão de coexistência que não faça os ricos perderem seus privilégios. Um Brasil medíocre, paliativo, hedonista e que pensa primeiro no dinheiro para depois tentar pensar em dignidade humana.
FONTES: UOL, Carta Capital, Portal G1, Brasil 247, Blogue Linhaça Atômica.
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