Por Alexandre Figueiredo
Dizem que gosto não se discute. Mas torna-se estranha a prevalência, no gosto da maioria esmagadora dos brasileiros, de músicas de valor bastante duvidoso ou, se não for o caso, de um escasso repertório de músicas e intérpretes que, independente de serem bons ou não, são sempre vistos sob a referência do sucesso comercial ou de contextos bastante convencionais, como estar numa trilha sonora de novela da Rede Globo ou ser tema de um filme de sucesso no cinema estadunidense.
Todavia, o que pouca gente sabe e boa parte dela não quer saber é que existem elites que regulam e determinam o que o brasileiro médio deve ouvir. Não se trata de um processo espontâneo como o ar que respiramos e toda a onda de gourmetizar o mainstream ou mesmo o comercialismo tosco da música popularesca, vendendo tudo como falsa vanguarda, é também um processo muito calculado para atingir interesses comerciais estratégicos.
Afinal, se existe hoje a moda de vender como "vanguarda" nomes como os bregas Michael Sullivan e Benito di Paula, ou, com um certo exagero, vender o cantor de "pagode romântico" Leandro Lehart como "alternativo", não se trata de um suposto reconhecimento do valor oculto que, na verdade, esses nomes não têm, mas como uma forma planejada de atingir determinados públicos, geralmente o de nível universitário, classes A e B e entre 25 e 50 anos.
Há uma elite de executivos de diversas funções que se empenha em regular o gosto musical médio, que mesmo na música estrangeira investe em "peculiaridades" como a supevalorização de nomes medianos como Johnny Rivers, a banda de rock Outfield (do sucesso "Your Love") e o "arroz de festa" Guns N'Roses, cuja pretensa atribuição de "rock clássico" só tem validade no Brasil, porque, lá fora, nos EUA e Reino Unido, essa reputação soa bastante risível.
Da mesma forma, é constrangedor tratar Johnny Rivers como "autor" de "Do You Wanna Dance?", ofuscando o verdadeiro autor e intérprete original da canção, o soulman Bobby Freeman, e ignorar a banda que popularizou a música antes de Rivers, a famosa Beach Boys, que no mainstream brasileiro mal consegue ser conhecida por sucessos como "Barbara Ann" e "Surfin' USA", apesar do brilhante álbum conceitual Pet Sounds, de 1966.
E quem são esses executivos e outros agentes que se julgam donos dos ouvidos do público brasileiro convencional (inclui aqueles que se dizem "não-convencionais" e "diferentes")? A lista é pequena e o número de pessoas também, mas são eles que manipulam corações e mentes para ouvir sempre um punhado de músicas tocadas na mídia, que em boa parte não valem muito a pena. Vamos para a lista:
1) EDITORES MUSICAIS
Isso envolve música brasileira, sim, com os problemas já conhecidos, e que durante muito tempo fez a MPB ser refém da "máfia" das trilhas sonoras de novela da Rede Globo, na qual as novelas das 19 horas geralmente eram espaços para lançamento de novos emepebistas.
Mas é na música estrangeira que se observa o dado mais estratégico: 99% das músicas de sucesso lá fora são tocadas no Brasil, o que inclui, frequentemente, nomes pouco representativos no exterior, como Outfield e Johnny Rivers, ou nomes esquecíveis como Jesus Jones, nome menor do indie dance que foi jogado no mercado brasileiro em detrimento de nomes bem mais expressivos, como Ride, nome de outra tendência britânica, o shoegazer, estranhamente boicotado pelo mercado aqui no Brasil.
A lógica de boicotar nomes representativos e jogar no mercado brasileiro nomes de baixa expressão tem um motivo: os intérpretes de menor expressão custam barato na representação dos direitos autorais, ou seja, quando uma editora brasileira passa a representar o repertório de algum nome musical. Investir num Jesus Jones ou num Outfield é mais barato do que investir num Ride (e isso apesar de um dos vocalistas-guitarristas do Ride, Andy Bell, ter sido baixista de uma formação do famoso Oasis).
São justamente os editores musicais que controlam, em especial, o repertório das rádios de pop adulto, aquelas que levantam a suposta bandeira da "música de qualidade", mas que hoje em dia se reduziram a meras rádios que requentam o hit-parade do passado, repetindo as mesmas músicas antigas que, de tão tocadas, já não trazem mais a lembrança do passado.
2) GERENTES DE RÁDIOS MUSICAIS
A segmentação do rádio foi uma conversa para boi dormir nos anos 1990. Criou-se uma narrativa de falsa defesa da segmentação, enquanto ela era sabotada em prol de interesses comerciais. A diferenciação era deixada de lado, de certa forma: as rádios de pop adulto caprichavam na linguagem, mas desleixavam no repertório, tocando até o pop rasteiro romântico como se fosse "música de qualidade". Já as ditas "rádios rock" soavam como "Jovem Pan com guitarras", com genéricos de Emílio Surita e Celso Portiolli anunciando bandas como Ramones, Led Zeppelin e Deep Purple.
A "necessidade" de amarrar as programações musicais das rádios a um limitado número de sucessos foi uma fórmula trazida por pretensos "especialistas" que, na Internet, sob a desculpa de que "rádio precisa se sustentar", defendiam fórmulas comerciais, o que fez, por exemplo, com que o radialismo rock se rebaixasse a um perfil igualzinho ao de qualquer rádio de pop dançante, apenas diferindo no vitrolão, voltado ao rock ou coisa parecida. É como se uma Jovem Pan, Mix ou Metropolitana, em vez de tocar Britney Spears e Justin Bieber, tocasse Pearl Jam e Foo Fighters.
Na música brega-popularesca, os "gerentes artísticos", como são conhecidos os coordenadores de programações das rádios, foram descritos pela narrativa do "combate ao preconceito" - tendência das elites intelectuais entre 2002-2016 na defesa da bregalização cultural (ver livro Esses Intelectuais Pertinentes...) - como supostos "guerrilheiros culturais", como se esses coordenadores estivessem a serviço de uma suposta rebelião das classes populares, ao tocar os sucessos popularescos.
3) EMPRESÁRIOS DO ENTRETENIMENTO
A figura do empresário do entretenimento é que regula o processo de popularização da música brega-popularesca, junto à mídia que difunde seus sucessos, como rádios, plataformas de Internet (como Spotify) e serviço de autofalantes, além das lojas diversas, de eletrodomésticos, lanchonetes, boutiques etc.
A narrativa do "combate ao preconceito" da bregalização cultural também glamouriza a figura do empresário do entretenimento popularesco, visto como um sujeito "idealista", que veste de maneira informal, muitas vezes usando um paletó sobre uma camiseta e usando jeans rasgado e tênis. Também seu escritório é descrito pela mesma narrativa da intelectualidade pró-brega como uma "usina de ideias", geralmente um local mais "modesto" e até "desarrumado" em comparação aos escritórios tradicionais.
Muitos desses empresários do entretenimento são também produtores, como Cal Adan, do É O Tchan, e intérpretes, como DJ Marlboro. Independente dessa função, eles são os verdadeiros líderes dos ídolos popularescos, não raro compondo as canções ou criando esquemas de recrutamento de membros ou escolha de qual grupo vai gravar primeiro uma canção de algum compositor de aluguel, como se nota no "forró eletrônico". Geralmente esses empresários, no entanto, não se proclamam como tais, mas como "produtores culturais".
4) EMPRESÁRIOS DE MÍDIA
Os donos da mídia são também responsáveis pela regulação do gosto do brasileiro médio. Eles se dividem entre redes nacionais de rádio e TV, sediadas quase sempre em São Paulo, mas incluindo a atuação decisiva da Rede Globo, sediada no Rio de Janeiro, e entre emissoras regionais, sejam afiliadas de redes, ou, no caso de emissoras de rádio, emissoras locais.
As rádios locais, embora vendam a imagem de "emissoras populares", são controladas por poderosas famílias oligárquicas, sejam elas ligadas a grupos empresariais comuns, em muitos casos com "braços" na vida política, ou a latifundiários ou mesmo a políticos que abraçam o controle midiático como meio de atrair vantagens econômicas maiores e aumentar ou consolidar seu eleitorado.
A narrativa dos intelectuais pró-brega, com seu "combate ao preconceito", tentou tornar "invisíveis" esses empresários da Comunicação. Essa elite intelectual chegou a mentir dizer que os fenômenos popularescos eram "discriminados" pela grande mídia, como no caso do tecnobrega, através de um juízo de valor dado pelo advogado Ronaldo Lemos, ideólogo do ritmo paraense.
Enquanto, a quilômetros de distância de Belém do Pará, Ronaldo, lá no seu escritório da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, alegava que o tecnobrega era "discriminado" pela mídia, na capital paraense a realidade mostrava o contrário, o imenso apoio que a família Mayorana, oligarquia que controla o grupo O Liberal, parceiro local das Organizações Globo, dava ao ritmo paraense.
MEDIOCRIDADE CULTURAL
A atuação desses agentes reguladores do gosto musical do brasileiro médio faz com que essa apreciação cultural se baseasse na mediocridade e no superficialismo, tornando as referências culturais bastante previsíveis e, não raro, de valor extremamente duvidoso.
Isso acaba degradando culturalmente o Brasil, evitando a renovação de referenciais culturais, neste caso na música, mantendo tudo na mesmice ou fazendo com que uma suposta renovação surja da vontade dos agentes envolvidos, estes os verdadeiros beneficiados do processo que eles mesmos controlam, já que são eles que mais lucram financeiramente com isso. Por outro lado, o povo fica à mercê da idiotização cultural e de referenciais repetitivos e previsíveis, sem ter benefícios culturais reais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIGUEIREDO, Alexandre. Esses Intelectuais Pertinentes... Como a Retórica do "Combate ao Preconceito" da Bregalização Contribuiu para o Golpe Político de 2016. Niterói, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2020.
FIGUEIREDO, Alexandre. Música Brasileira e Cultura Popular em Crise. Niterói, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2015.
FONTES
Caros Amigos, Carta Capital, Revista Fórum, Folha de São Paulo, O Globo, Blogue Mingau de Aço, Blogue Linhaça Atômica.
Comentários