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POR QUE EXISTE A ILUSÃO DE QUE A CULTURA DO BRASIL VIVE "ÓTIMA FASE"?

A AMPLA MOVIMENTAÇÃO DO INSTAGRAM DÁ A FALSA IMPRESSÃO DE INTENSA E PRÓSPERA ATIVIDADE CULTURAL.

Por Alexandre Figueiredo

Há uma falsa impressão, não só nas bolhas sociais mas em setores dominantes da chamada opinião pública, de que o Brasil vive a "melhor fase cultural de sua história". Isso vem acompanhado de justificativas clichês de intelectuais dotados de alta visibilidade, seja na mídia ou nos meios acadêmicos, de que "nunca existiram tantas vozes e tantas narrativas em curso no nosso país", dando a crer que nosso país está culturalmente fértil e relevante.

Mas sabemos que a situação não está assim. Não é porque faltem artistas nem intelectuais de qualidade e grande expressividade, mas é porque o cenário de visibilidade e prestígio é mais seletivo e o que predomina nas redes sociais e no entretenimento dominante difundido pela grande mídia são nomes medíocres da chamada cultura brega-popularesca, como os ídolos musicais "populares demais" e as subcelebridades, e nomes medianos que "furam a bolha" como Emicida, Criolo e Anavitória.

O que vemos é apenas um fluxo intenso de vozes e mensagens escritas, que, quantitativamente, são imensas. Além disso, em tese temos um gigantesco shopping center de diversos bens culturais, supostamente difundidos por uma imprensa dita livre, e respaldadas por intelectuais, acadêmicos e críticos culturais tidos como "imparciais" e "com visão de mundo objetiva".

Tudo parece, na teoria, um cenário excelente. A impressão se dá sobretudo pela intensa atividade das redes sociais, das lacrações constantes da agenda setting cotidiana, com tiradas aparentemente "divertidas" que atraem um grande número de internautas.

Há, também, diferentes "bolhas culturais" que coexistem, aparentemente sem conflitos, regidos por formadores de opinião, de jornalistas culturais a acadêmicos, que, em nome da "imparcialidade" e do "fim do preconceito", evitam exercer o senso crítico, como se até mesmo os mais postiços fenômenos popularescos tivessem surgido espontaneamente, em vez da realidade de que eles teriam surgido por intermédio de poderosas empresas de entretenimento existentes no interior de todo o Brasil.

A ILUSÃO DO SOLIPSISMO

Tudo parece reinar como se fosse um paraíso na Terra. Até mesmo na parte dos movimentos ideológicos de esquerda, existe essa sensação, principalmente quando se observa a campanha pela sucesso presidencial prevista para meados de 2022.

As esquerdas vivem na ilusão de julgar como "vitórias certas" casos circunstanciais favoráveis ao seu candidato, Luís Inácio Lula da Silva, como a absolvição de supostas acusações lançadas pela Operação Lava Jato e a vantagem do petista nas pesquisas de intenção de voto. Desprezando a realidade das ameaças reais do atual presidente, Jair Bolsonaro, como a solicitação de que seus manifestantes compareçam armados no Sete de Setembro, as esquerdas acham que Lula ganhou todas as batalhas.

O otimismo cego das esquerdas, que ignora diversos aspectos da realidade - como o fato de que a amplitude extrema das alianças de Lula pode comprometer seu programa de governo, diminuindo o teor progressista - , chega ao nível patético de, ao ver uma imagem de Lula fazendo ginástica, achar que o petista está pronto para "derrubar Bolsonaro por W.O." (W.O. é sigla de walkover, quando se refere a derrotar um adversário com extrema facilidade).

Mas não é só nas esquerdas que acontece esse sentimento infantilizado. Nas ruas, os jovens parecem viver numa sensação de aparente felicidade, mesmo em tempos muito sombrios nos quais ocorrências como o feminicídio acontecem diariamente e as tensões sociais explodem fora dos paraísos digitais do Instagram, WhatsApp, Facebook e Tik Tok.

Além disso, existe também a ilusão solipsista na qual os problemas são distantes da própria pessoa, como o incêndio na Cinemateca Brasileira ocorrido há pouco tempo e os protestos de tribos indígenas contra o "marco temporal", que só legitima terras indígenas declaradas antes da promulgação da Constituição Federal (05 de outubro de 1988). São problemas que recebem, quando muito, uma solidaridade distanciada de pessoas que estão ensimesmadas no conforto da Internet.

O solipsismo que faz com que a tragédia humana seja banalizada e vista apenas com distante lamento também faz com que os formadores de opinião só questionem quando se fala que o Brasil está culturalmente ruim.

A ilusão de que concertos de MPB atraem cerca de alguns milhares de pessoas - e somente esses milhares - faz com que o jornalista cultural considerado "isento, imparcial e objetivo" acredite que "tudo está bem". Mas é o mesmo jornalista que geralmente adota uma atitude complacente para ídolos popularescos, através de uma forma deturpada e acomodada de enxergar o "outro", evitando sempre falar em tensões, preferindo mencionar uma "problemática sem problemas".

FALTA DE TENSÕES APARENTES

O que vivemos hoje é o que especialistas de Comunicação já definiram como Idade Mídia. Apesar da maioria das pessoas acreditarem que o comercialismo cultural acabou e que o poder midiático foi extinto, movidas pela ilusão da aparente liberdade das redes sociais, o que acontece na verdade é o fortalecimento, e não a extinção, do poder midiático que apenas se reconfigurou.

Temos várias dimensões do poder midiático. Regionalmente, através de emissoras de TV regionais, repetidoras de grandes redes, e rádios FM consideradas "populares". No plano nacional, emissoras de rádio e TV que, em maioria, atuam como "cabeças de redes". No âmbito digital, temos a força da chamada Big Tech, formada por grandes empresas de Informática das quais se destaca o império de Mark Zuckerberg, dono do Facebook, Instagram e WhatsApp.

O comportamento do público segue esse controle midiático e, observando bem, é marcado pelo superficialismo cultural do qual os formadores de opinião fazem vista grossa. Há a subordinação da linguagem coloquial midiática, que já difundiu a gíria "balada" (patenteada pela Jovem Pan) e agora insere termos em inglês no vocabulário português brasileiro.

Há a prevalência de nomes comerciais, seja o pop estadunidense, sejam fenômenos pop de países como Coreia do Sul (o k-pop), Grã-Bretanha, Itália e Suécia, seja o pop e o popularesco no Brasil. Só que a ilusão de que esses nomes se envolvem em relativo ativismo, com forte acento identitário, faz as pessoas acreditarem que eles representam um anti-comercialismo que não existe. O envolvimento emocional dos fãs com os ídolos dá a falsa impressão de que o valor cultural destes é imenso e legítimo.

O solipsismo dos críticos e intelectuais que descrevem o cenário cultural do Brasil como "excelente" também se reflete quando eles têm condições diferenciadas de consumir bens culturais que o grande público não pode consumir, embora, em tese, também tenha amplo acesso. Há a ilusão de que, só porque os críticos podem comprar discos de música mais refinada e DVDs de filmes mais complexos, a oferta de boa cultura garante, em si, o "ótimo cenário cultural" da sociedade como um todo.

Há uma confusão entre o público e o particular, e nesse sentido, vemos que na Idade Mídia temos apenas feudos pós-modernos, as "bolhas" que consomem isoladamente bens culturais diversos. É uma diversidade desigual, porque teoricamente há "tudo de tudo", mas o que prevalece para o grande público é geralmente o que há de pior, mais comercial e culturalmente menos expressivo e proveitoso.

Há a narrativa predominante que discrimina o senso crítico, confundido com opinião, e que produz tensões que criariam instabilidade no cenário sóciocultural de hoje. Só que, por baixo dos panos passados pela crítica especializada e pela comunidade intelectual-acadêmica, há interesses comerciais em jogo, até mesmo para vender nomes comerciais como Gretchen, Michael Sullivan e Raça Negra como supostamente anti-comerciais, reembalados por um modismo "vintage" sob medida para o baixo nível cultural prevalescente nas redes sociais.

Por isso é que não se pode exercer o senso crítico, ou, quando se pode, ele é facilmente desqualificado ou, quando muito, desprezado seja pela suposta irrelevância para a opinião pública, seja pela força digital dos algoritmos, digitalmente manipulados para fazer priorizar o que é medíocre e comercializável nos supostos bens culturais que fazem sucesso no grande público.

Essa ilusão de que a cultura no Brasil vive uma "ótima fase" se sustenta por artifícios que envolvem uma aparente multiplicidade de ofertas de bens culturais, das quais apenas uma pequena parcela que não é necessariamente a melhor, é oferecida ao grande público, enquanto as demais só atendem a pequenas "bolhas" sem muita visibilidade social.

Além disso, a coexistência do grande público e das "bolhas culturais", que os formadores de opinião tentam zelar permitindo apenas o mínimo de senso crítico possível - eles não podem rejeitar o senso crítico como um todo, porque seria censura - , evitando tensões sociais, dá a falsa impressão de uma "paz social plena", que, combinada com a "ampla oferta de bens culturais", desse shopping center hipotético do Brasil de hoje, fabricam a falsa impressão de um cenário cultural próspero que esconde os sérios problemas da mediocridade reinante.

Por trás dessa ilusão, temos a mediocrização cultural de ídolos musicais canastrões, subcelebridades exageradamente hedonistas, e um "mundo lá fora" em que tensões sociais fazem os chamados "cidadãos de bem" cometerem crimes. Há uma mídia deplorável com programações que predominam o vazio cultural dos programas de variedades e o justiceirismo moralista dos programas policialescos. A música cafona e as danças caricaturais do Tik Tok também dão o tom da indigência cultural que só não existe no discurso "objetivo" de intelectuais complacentes.

Além disso, o próprio cenário cultural confuso brasileiro já paga o preço caro da eleição de Jair Bolsonaro em 2018, permitindo que o medíocre governante cresça e se torne ameaçador, enquanto as pessoas parecem crianças brincando num recreio permanente nas redes sociais. Só isso sepulta a tese de que o Brasil está "culturalmente bem", por não haver motivos para eleger Bolsonaro e não haver a menor coragem em tirá-lo rapidamente do poder, criando o risco do presidente se tornar cada vez mais autoritário.

FONTES: Portal G1, Carta Capital, UOL, blogue Mingau de Aço.

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