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A FALSA VANGUARDA NOS QUINTAIS DO 'MAINSTREAM'


Por Alexandre Figueiredo

Um fenômeno preocupante nos últimos tempos é que o mainstream brasileiro, tomado de tendências popularescas ou simplesmente pop, passou a se impor, principalmente nas redes sociais, como uma pretensa vanguarda, através de um processo que envolve lacrações e falsas atribuições cult a fenômenos de "massa".

É como se, na indigência cultural predominante no Brasil, até mesmo o mainstream mais rasteiro, no caso os ídolos brega-popularescos, tenha que se impor como alternativa a si mesmo, dentro de um contexto em que a Kuarup Discos torna-se complacente com ídolos brega-românticos e a cultura rock, no Rio de Janeiro, ter que apelar para a supremacia de uma emissora pop enrustida como a Rádio Cidade.

Esse processo é uma retroalimentação do que já é massificado e convencional. Tenta-se usar o contexto das lacrações e repercussões de certos fenômenos, dentro do meio "independente" das mídias sociais, e essa agenda se recicla não só como um fenômeno de massa triunfante, mas como uma suposta vanguarda cultural através do compartilhamento de uma maioria de internautas.

Ou seja, é uma "cultura de massa", um mainstream que tenta se lançar como se assim não fosse, e torna-se um meio de sufocar as manifestações alternativas dentro de um cenário de clichês como os memes da atriz Renata Sorrah como a personagem Nazaré Tedesco, da novela Senhora do Destino, da Rede Globo, usadas para interpretar ideias bastante complicadas.

Cria-se um quintal de supostas vanguardices das quais se apela para "médium espírita" com suposta profecia da "data-limite" (atitude reprovada pelo Espiritismo original) e Chitãozinho & Xororó interpretando "Evidências", música de José Augusto. Ou a cantora brega Gretchen se destacando nas redes sociais como um ícone cult que aparentemente chamou a atenção da cantora estadunidense Katy Perry.

Ou seja, um monte de banalidades e frivolidades que exercem uma falsa aura cult para os internautas desavisados, num Brasil que se tornou tão atrasado que foi capaz de eleger uma figura pitoresca e sensacionalista como Jair Bolsonaro, que provou ser totalmente despreparado para governar o Brasil e, mesmo assim, foi eleito pela pressão das redes sociais.

MC FIOTI

O fenômeno MC Fioti, codinome de Leandro Aparecido Ferreira, é ilustrativo desse universo de banalidade que já existia desde os tempos do Orkut, onde era proibido os internautas masculinos falarem mal das mulheres-frutas.

Ao relançar um sucesso, "Bum Bum Tan Tan", em virtude da produção da Coronavac, em parceria entre a farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, MC Fioti viu que a instituição renderia um bom trocadilho, e resolveu gravar um clipe dentro de suas imediações, com funcionários participando das diversas coreografias do intérprete, ícone do "funk ostentação", resposta paulista do "funk carioca".

Em situações normais, a música seria um caso de "vergonha alheia", como daqueles sucessos toscos do porte de "Caneta Azul", de um certo Manuel Gomes, que também fez canção sobre vacina, chamada "Vamos Vacinar". São meros "sucessos de verão" que, de tão bregas e pitorescos, são condenados depois ao esquecimento.

GRETCHEN E MC FIOTI - FALSAS VANGUARDAS NO PAÍS DA LACRAÇÃO.

Todavia, o sucesso de MC Fioti tornou-se uma pretensa unanimidade cultural. Vergonha alheia acabou sendo a repercussão da música, na qual vários internautas e até mesmo colunistas, das mídias de esquerda ou de centro-direita, definiram o funqueiro com vários exageros, principalmente atribuindo o sucesso dele como o "hino da vacina".

Fioti acabou sendo considerado "cronista do Brasil" e alegações que mais parecem vir dos impulsos emotivos do pensamento desejoso: de repente MC Fioti virou um "historiador" dando uma "lição de Brasil", com sua "crônica sobre a atualidade", além de ser tido como um suposto "apoiador da ciência" através de um aparente apoio à vacina.

Com uma letra tão tola quanto a de um bubblegum (nome dado ao pop descartável dos anos 1960), na qual MC Fioti pede até "superpoderes" para combater a Covid-19, ele foi considerado como "a salvação da humanidade" e "remédio contra a pandemia" pelo unânime respaldo do "efeito manada" dos internautas, visto com complacência por analistas sérios diante da mitificação em que se goza o "funk" como suposta expressão das periferias.

É muito preocupante que fenômenos popularescos se tornem pretensas unanimidades, num país em que se gourmetiza tanto a mediocridade cultural que ídolos neo-bregas como Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires e Daniel agora foram adotados (de maneira bastarda) como supostos ícones da MPB. e, junto a eles, também foi adotado um Michael Sullivan que deveria despertar suspeita nos meios emepebistas.

Afinal, Sullivan foi denunciado pelo cantor Alceu Valença, um dos ícones da MPB autêntica, por estar envolvido em um processo em que ele cooptaria artistas de MPB para depois jogá-los ao ostracismo, enquanto contratava ícones bregas que se tornariam hegemônicos e puxariam um novo e predatório comercialismo musical.

Ver que Michael Sullivan, que queria destruir a Música Popular Brasileira, não só ser um aproveitador querendo se relançar na carreira no colo da mesma MPB que quis combater, como pela nossa tradição de complacência resultar numa condescendência dos próprios meios emepebistas, que, conforme o colóquio de hoje em dia, "passam pano" no famigerado e medíocre compositor de sucessos como "Deslizes", "Whisky a Go-go" e "Talismã".

As pessoas estão tão acostumadas com esse circo midiático que até mesmo o Big Brother Brasil, na sua atual edição BBB 21, deixou de ser a problemática fenomenologia analisada pela Teoria da Comunicação no Brasil para ser um suposto fenômeno cult, dentro de uma realidade na qual subcelebridades vivem seus quinze minutos de fama como pretensos vanguardistas.

E, para piorar, temos a Contracultura de resultados, um hippismo caricato no qual as únicas coisas autênticas estão no hedonismo extremo e nos trajes desajeitados, além da obsessão por tatuar o corpo que esconde, sob o pretexto da "liberdade", um processo de ditadura estética politicamente incorreto, que apela para corpos de mulheres siliconadas, homens com visual de lenhador e uma obsessão geral de pessoas medíocres quererem parecer diferentes, mas sendo cada vez mais afeitas à mesmice reinante.

Afinal, é uma "liberdade" decidida pelos meios de Comunicação, traçada por "arquitetos" do comportamento humano brasileiro, que incluem Tutinha, Luciano Huck, Sílvio Santos, William Bonner ou mesmo, postumamente, Otávio Frias Filho. Eles regulam a mediocridade cultural de forma a tudo parecer livre, vanguardista, espontâneo e moderno, mesmo quando tudo isso só consegue soar mais antiquado e superficial, para não ser idiotizado.

FONTES: Folha de São Paulo, Portal Universo On Line, Diário do Centro do Mundo, Blogue Linhaça Atômica.

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