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AS FRAUDES CONCEITUAIS DO "POPULAR DEMAIS" PELA INTELECTUALIDADE "BACANA"

BARÕES DA PISADINHA - A MAIS NOVA SENSAÇÃO DA MÚSICA BREGA-POPULARESCA.

Por Alexandre Figueiredo

O sociólogo Jessé Souza define como "fraude conceitual" a ideia descontextualizada de patrimonialismo que o culturalismo conservador prega visando criar um maniqueísmo postiço entre um Estado "demonizado" e um Mercado "glorificado", conceito que inspirou a grande mídia a realizar sua campanha pelo golpe político de 2016 e pelos retrocessos consequentes desde então.

Modos de abordagem à parte, é ingênuo afirmar que o culturalismo conservador se limita ao mito do patrimonialismo ou à pedagogia e sociologia familiares. Ou, quando se fala de alguma cultura artística, se limitar a mencionar o "capital cultural". Essas são apenas uma parte do culturalismo conservador, que se estende em áreas que, oficialmente, parecem "imaculadas" e "isentas" de qualquer jogo de interesses das elites do atraso.

Essas áreas, onde se manifesta a "cultura" brega-popularesca, não são tão imaculadas como se parece e como muitos dos intelectuais descritos no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... tanto nos faziam crer. Por trás dessa visão "sem preconceitos", sabe-se que preconceitos muito piores, como abordar uma imagem caricatural do povo pobre, são feitas.

A própria intelectualidade pró-brega "lava suas mãos", achando que, se existem mediocridade e baixaria na música "popular demais" - como denominam seus ideólogos - , elas são "reflexo" da "sociedade elitista e preconceituosa" em que vivemos.

Só que essa "teoria do espelho", tanto usada pelos ideólogos do "funk", nem de longe sinalizam uma ruptura com esses problemas. Além disso, isso se trata de uma fraude conceitual, porque aponta para uma falácia na qual a "verdadeira cultura" do povo pobre está associada a um conjunto de referenciais confusos e debilitados que se define como "brega-popularesco" ou o tal "popular demais" da retórica intelectual dominante.

Em primeiro lugar, porque o discurso pró-brega supervaloriza a plateia, que está lá para apenas consumir o "sucesso do momento", sob influência de alguma emissora de rádio e/ou televisão que, embora gozem de intensa popularidade, são controladas por oligarquias nacionais e regionais que envolvem grandes proprietários de fazendas, gente capaz de mandar exterminar agricultores que desafiassem o poder regional.

Esquecem as forças progressistas, que, para citar uma gíria, "passaram pano" no discurso pró-brega trazido por intelectuais oriundos ou blindados pela mídia hegemônica, que uma das redes de TV que mais apoiaram a bregalização cultural, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), de Sílvio Santos, é hoje apoiadora do governo do extremo-direitista Jair Bolsonaro.

A indiferença a Esses Intelectuais Pertinentes... é ilustrativa. As esquerdas têm medo de ver seus ídolos intelectuais, vindos direta ou indiretamente da mídia nada-esquerdista e adversária do PT, sendo questionados de maneira visceral. O livro Esses Intelectuais Pertinentes... é uma tijolada dentro de um mercado que prefere a anestesia de romances medievais, diários de youtubers e tolices como Minecraft e "livros para colorir".

Num momento em que as esquerdas vivem sua fase de "lacração" na Internet, elas compactuam com o poder midiático e com todo o culturalismo conservador que esse poderio representa. E é justamente quando se deveria questionar mais esse poder, mesmo sob o preço de desconstruir o discurso de intelectuais badalados, que as esquerdas se recusam a assumir tamanha tarefa.

NÃO É O POVO QUE FAZ A BREGALIZAÇÃO

Percorrendo as cidades do interior do Brasil, se observam ônibus de tamanho alto, como se observam nas frotas rodoviárias do tipo low driver e double decker, próprios das empresas que contratam os ídolos musicais popularescos, principalmente duplas de "sertanejo universitário" e "forró eletrônico", que agora tem um derivado chamado "pisadinha" (popularizada pela dupla Barões da Pisadinha), a se juntar ao tecnobrega, ao arrocha e ao pagofunk na onda do hype musical brega-popularesco.

Compare essas máquinas rodoviárias com o discurso choroso, com um quê de retórica romântica de apelo publicitário, no qual os fenômenos popularescos são uma expressão da "autossuficiência das periferias", entendendo o conceito de "periferia" como associada à população pobre.

Evidentemente os ônibus imponentes, que custam caro, refletem que essa pretensa "cultura popular" nada tem de pobre, sendo controlada por empresários que deixaram para trás a origem humilde e se tornaram tão ricos que dominam com mão de ferro mercados de música popularesca no interior do Brasil.

Isso tanto é verdade que soa mentiroso o discurso de que, num dueto entre um nome da MPB com outro de música brega-popularesca, é este último o "coitado", a "vítima de discriminação". Quem é discriminado e ameaçado é o artista de MPB que precisa desse dueto para entrar em mercados inflexíveis como o Norte-Nordeste, o Centro-Oeste e até mesmo o interior de São Paulo e Paraná, onde os ídolos popularescos exercem domínio até entre públicos de maior poder aquisitivo.

Na imaginação de intelectuais que moram em condomínios fechados e confortáveis nas grandes capitais, o povo pobre tem mercado autossustentável onde a renda se gera "não se sabe como". Integrantes da "classe média de Oslo", a intelectualidade pró-brega desconhece ou não vivenciou as limitações sociais das classes pobres, e muito do que o tal "combate ao preconceito" descreveu das classes populares não passa de visão idealizada, um "preconceito positivo".

Esquecendo que a "cultura" brega-popularesca se dispõe de instituições, empresas e personalidades com alguma situação econômica confortável, em que pese a suposta representação do povo pobre, mais próxima da classe média que deixou a origem pobre para trás, os intelectuais pró-brega, de dentro dos seus apartamentos confortáveis, se acham no direito de fazer julgamento de valor travestido de "campanha contra o preconceito".

Isso envolve fraudes conceituais aqui e ali, que já entram em contradição com uma simples audição musical. Afinal, é só ouvir as antigas manifestações musicais associadas ao povo pobre, desde nomes do passado como Cartola, Jackson do Pandeiro e Luís Gonzaga, passando por nomes recentes como Martinho da Vila, Fundo de Quintal e Dona Ivone Lara, para perceber que a qualidade dos nomes popularescos recentes não está à altura dos antigos nomes da música das classes populares.

E vemos, entre os intelectuais, um discurso hipócrita. Complacentes com a mediocridade musical dos ídolos popularescos, chegando a difundir comentários contraditórios como "é o que eles sabem fazer" e "eles são geniais no que já estão fazendo", esses intelectuais mostram seu "bom" etnocentrismo, com tons de discurso irônico e provocativo, que fazem com que um cínico DJ Marlboro, hoje um ícone do "funk para riquinhos", dissesse jocosamente que "o funk é a verdadeira MPB".

Em tudo isso, se nota o culturalismo conservador, ao passo que podemos inferir, em relação ao discurso de Jessé Souza, que o "patrimonialismo" musical acaba sendo na "demonizada" MPB autêntica que uma aliança entre músicos populares de raiz e jovens universitários, na década de 1960, desenhou o cenário musical de qualidade nessa mesma década e na posterior.

Como se uma mera paternidade de Sérgio Buarque de Hollanda - segundo Souza, ideólogo do culturalismo conservador que lançou o mito do "brasileiro cordial" - em relação ao compositor Chico Buarque, seu filho mais famoso, tivesse que justificar a forçada associação do autor de "Apesar de Você" ao conservadorismo cultural do pai.

Essa campanha contra o veterano compositor foi trazida principalmente pelos artigos que Pedro Alexandre Sanches - um símbolo do neoliberalismo editorial do Projeto Folha, da Folha de São Paulo, que depois virou um pretenso militante infiltrado nas esquerdas jornalísticas - havia escrito na Caros Amigos, classificando Buarque como "coronel da Fazenda Modelo".

Enquanto isso, Sanches chegava mesmo a "vender", como um "mascate editorial", intérpretes popularescos que tinham perfil mais conservador, estimulando a mídia esquerdista, de maneira bovina como a que faz as esquerdas, hoje, falarem em bichos relacionados às polêmicas de Jair Bolsonaro, a exaltar nomes reacionários como Waldick Soriano, Latino, Zezé di Camargo e José Augusto, este o cantor e autor de "Evidências", dos verdadeiros "coronéis" Chitãozinho & Xororó.

Através das pregações de Sanches, os debates culturais foram sabotados e as forças progressistas foram rebaixadas a um clube de analistas e militantes. Esses Intelectuais Pertinentes explica melhor isso, com uma argumentação que descreve, também, como essa campanha "contra o preconceito" fez ascender figuras como o reacionário Rodrigo Constantino, um dos ideólogos da direita golpista de 2016.

O comercialismo da música popularesca, o machismo e o racismo estruturais que influem no "pagodão baiano" e no "funk" e suas musas de "corpos avantajados" e sexualmente objetificados, não podem ser passivamente vistos como "reflexo da sociedade". A forma como se manifestam deveria merecer repúdio ou contestação, e não apoio sob a desculpa do "fim do preconceito".

Agora que vemos os ídolos e fenômenos popularescos, sobretudo os "bailes funk", realizando eventos sem medidas preventivas contra a Covid-19 e promovendo aglomeração, com o mesmo apetite bolsonarista de esnobar a doença que matou milhares de pessoas (na MPB, o letrista Aldir Blanc, de "O Bêbado e o Equilibrista", foi uma das primeiras vítimas), é que vemos o quanto o papo "progressista" da campanha pró-brega se desfez completamente.

Por enquanto, o legado dessa intelligentzia que se definia como "a intelectualidade mais legal do Brasil" continua, produzindo esquerdas lúdicas que se esqueceram das pautas trabalhistas e passaram a se acostumar até com os retrocessos trabalhistas do governo Michel Temer, prolongados pelo sucessor Jair Bolsonaro.

Com isso, as classes populares que sejam deixadas à própria sorte, consumindo uma pretensa "cultura popular" que nada tem de realmente popular senão a aparente aglomeração de grandes plateias. Mas isso nada diz ao conteúdo artístico-cultural, que é nenhum, e não é o "sucesso do momento" fazer parte do dia a dia auditivo do povo pobre que ele tenha algum valor ou relevância. E, além do mais, a intelectualidade "bacana", ao apoiar de longe essa "cultura", só reafirma o seu elitismo "sem preconceitos", mas cruelmente preconceituoso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIGUEIREDO, Alexandre. Esses Intelectuais Pertinentes... Como a Retórica do "Combate ao Preconceito" da Bregalização Contribuiu para o Golpe Político de 2016. Niterói, Independente, sob publicação virtual no portal Amazon, 2020.

SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava-Jato. Rio de Janeiro, Leya, 2017.

 

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