MAIS DO QUE O TROPICALISMO, O DISCO ACABOU CHORARE (1972), DOS NOVOS BAIANOS, FOI UM DIVISOR DE ÁGUAS DA MÚSICA BRASILEIRA.
Por Alexandre Figueiredo
Nos últimos tempos, alguns grandes nomes da MPB já faleceram. Um foi o cantor vanguardista Walter Franco, em 24 de outubro de 2019, que, embora com discografia lançada com grandes intervalos entre um disco e outro, se esforçava para se manter ativo no presente e estava preparando um último disco, LISTEN - ResiLIência e ResiSTÊNcia, mas que acabou ficando sem a voz do cantor, que sofreu AVC antes de pôr as vozes nas canções.
O irmão do cantor João Bosco (o autêntico, não o "sertanejo" homônimo), Tunai, faleceu cheio de planos que por isso mesmo foram abortados. Intérprete e um dos autores de "Frisson", o cantor mineiro era marcado por melodias simples e assobiáveis, e uma criatividade que pode não ter sido revolucionária, mas era bastante expressiva e com um estilo bastante próprio.
Tivemos também a perda de Cláudia Telles, em 21 de fevereiro de 2020, uma cantora e compositora de MPB mais moderna, da mesma geração de Zizi Possi, com a diferença de que teve como referência a cantora de Bossa Nova, Sylvia Telles, de quem era filha. Sylvia foi uma das maiores cantoras do país e, embora Cláudia não tivesse sido tão genial como a mãe, tinha um talento significativo e uma valiosa contribuição.
Já no último 13 de abril de 2020, faleceu Moraes Moreira, que, apesar do talento peculiar, tinha a penetração fácil na mídia e no sucesso do público médio incomum na maioria dos artistas, que tiveram e têm dificuldade de furar a bolha de um mercado predominantemente popularesco.
Moraes Moreira era integrante do grupo Novos Baianos, que, através de uma fusão de rock com ritmos brasileiros, criando uma sonoridade própria, através do álbum Acabou Chorare, de 1972, criaram um divisor de águas e levaram adiante o caminho trazido pela Tropicália, cinco anos antes.
Isso porque os Novos Baianos enfatizavam o aspecto musical, que esteve acima da atitude hippie do grupo que teve também Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor, hoje em atividade. Muitas músicas foram compostas sob o efeito de maconha e ácido lisérgico, mas elas ultrapassam os limites do moralismo alcançando a relevância artística e cultural pela sua força natural.
A criatividade na Música Popular Brasileira, que chegou a ser motivo de orgulho pelos jovens de 1967 até o fim dos anos 1990, perdeu a respeitabilidade e passou a ser ridicularizada por uma geração nascida a partir de 1978 e que foi exposta a uma mídia decadente, além de não ter muitos jornalistas culturais formadores de opinião.
Em 2000, a indigência cultural já se dava por haver poucos críticos musicais que mostravam novidades para a juventude. Eram nomes como Tom Leão, que priorizava o rock noventista pós-grunge, que priorizava o barulho, Carlos Albuquerque, que vinha com hip hop, reggae e derivados, no Rio Fanzine, antiga coluna de O Globo, e Álvaro Pereira Jr. que, apesar de ser repórter (até hoje) do Fantástico da Rede Globo, era colunista do Folhateen, da Folha de São Paulo, onde fazia uma cobertura do que havia de mainstream no chamado rock alternativo.
A MTV não ajudava muito porque, embora bem intencionada, pelo fato de ser uma emissora de videoclipes, o que limitava muito a execução musical aos hits - que usavam esses vídeos como material de divulgação - , o que manteve as gerações nascidas de 1978 para cá com referências musicais bastante superficiais, mesmo quando tentam ir além dos "grandes sucessos".
Na MPB, isso fez os jovens se manterem num superficialismo em que MPB não ia muito além de Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan, Elis Regina, Milton Nascimento e Maria Bethânia, sem uma disposição para ir adiante e além dos sucessos radiofônicos alimentados por trilhas sonoras de novela da Rede Globo de Televisão.
Para piorar, houve o crescimento da música brega-popularesca, alimentado por emissoras de TV controladas por grupos oligárquicos que, mais tarde, seriam a base midiática de apoio do governo Jair Bolsonaro - que, na sua crise extrema, está discretamente sendo exercido pelo ministro da Casa Civil, general Braga Neto, como "presidente operacional" - e por FMs controladas por políticos apadrinhados por José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.
E isso se agravou quando uma geração de intelectuais, a partir de Paulo César de Araújo e o livro Eu Não Sou Cachorro Não, criou um lobby, com uma articulação que lembra o antigo IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), só que sem vínculo institucional declarado e com uma linguagem que variava entre o panfletarismo tendencioso e o pretenso objetivismo intelectual.
Era a campanha pelo suposto "fim do preconceito", uma falácia multiplamente bem organizada que envolveu jornalistas culturais, cantores, atores, acadêmicos (sobretudo antropólogos) e cineastas documentaristas, que, sob o pretexto de "valorizar" a bregalização musical, que fazia sucesso predominante no grande público brasileiro, fez as tendências musicais popularescas ampliarem suas reservas de mercado para públicos de maior poder aquisitivo ou melhor grau de instrução.
A bregalização musical tornou-se hegemônica e as transmissões ao vivo caseiras, em função do isolamento social devido ao coronavírus, mostrou o que a campanha do "combate ao preconceito" tentou esconder: a péssima qualidade artística e cultural dos ídolos musicais popularescos, com um talento bem abaixo do medíocre que CDs e DVDs, que sofrem intervenções diversas que vão desde a atuação dos arranjadores até o uso de tecnologias de "melhoramento" digital da voz, recursos que tornam o cantor, dupla ou grupo popularesco mais "palatáveis".
Chegou-se ao ponto, pelo menos, que não dá mais para um jornalista cultural sair por aí chorando porque o "ídolo do momento" é rejeitado por supostas elites moralistas, caricaturalmente concebidas até mesmo em monografias, onde a rejeição aos ritmos popularescos era, sim, alvo de ataques preconceituosos de intelectuais supostamente "sem preconceitos".
A situação se escancarou tanto que o "sertanejo", que chega a exercer monopólio no gosto musical juvenil ao lado do "funk", já começa a ser duramente criticado, diferente da campanha para blindar Zezé di Camargo & Luciano, que vendiam uma falsa imagem de "humanistas" na mídia de esquerda, enquanto, nas redes sociais, as "milícias digitais" perseguiam e agrediam internautas que simplesmente diziam não gostarem da dupla, hoje apoiadora de Bolsonaro.
O "funk" ainda recebe blindagem, pelo discurso vitimista que promove o ritmo, apesar de ser justamente ele que coloca às últimas consequências a baixa qualidade musical, artística e cultural. Mas a música popularesca perdeu a blindagem que teve há 10, 15 anos, embora de forma tardia demais, quando ela se tornou hegemônica e, buscando novos espaços, expulsou a MPB e o Rock Brasil dos seus próprios espaços e os ocupou, por invasão.
Com isso e com as tragédias que vitimam anualmente vários nomes da MPB autêntica - nos últimos tempos tivemos perdas como Itamar Assumpção, Luiz Melodia, Inezita Barroso, Vander Lee, João Gilberto, Riachão e tantos outros - , temos um cenário de música brasileira no qual, para cada nome talentoso que perdemos, aparecem centenas de canastrões a fazer sucesso, não só com o esquema financeiro do jabaculê midiático, mas também com o jabaculê acadêmico da "luta contra o preconceito".
E isso nos faz perguntar, diante da óbvia situação de que os ídolos musicais popularescos não têm fôlego para produzir repertório por muito tempo, virando subcelebridades a se exibirem nas redes sociais, através de frivolidades. Afinal, a MPB terá um futuro?
A obsessão dos mileniais, que radicalizou o superficialismo da geração pós-1978 - que só depois dos 40 anos passa a conhecer um horizonte musical mais relevante, que durante anos resistiu com teimosia - , e passou a apreciar apenas subcelebridades musicais, terá alguma solução, assim que for impossível esconder a mesmice musical de uma grande leva de ídolos juvenis que parecem fazer a mesma música, e até fazem, sob a tutela de um único homem, o produtor-compositor Max Martin?
Como voltarão a ter respeitabilidade os artistas da MPB autêntica os quais dava prestígio para todo jovem que assumisse apreciar sua música? Talvez se as gerações recentes perceberem a perda, através do conhecimento de nomes do passado, vão entender o vácuo deixado e tentarão, pelo legado deixado, criarem novos caminhos para a música brasileira ou descobrir artistas contemporâneos que hoje fazem boa música, mas que nunca têm o devido espaço na mídia.
Talvez essa tendência venha quando passar a farra dos mileniais, que medem o valor dos "artistas" pela capacidade de "lacrar" as redes sociais e virar trend topics no Twitter, colocando a fama no lugar do talento. Quando isso começar a cansar, um público de novos jovens virá querendo uma cultura de musical de qualidade, buscando valores verdadeiros que não o entretenimento vazio nas redes sociais.
FONTES: Portal G1, Carta Capital, Caros Amigos, blogues Linhaça Atômica e Mingau de Aço.
Por Alexandre Figueiredo
Nos últimos tempos, alguns grandes nomes da MPB já faleceram. Um foi o cantor vanguardista Walter Franco, em 24 de outubro de 2019, que, embora com discografia lançada com grandes intervalos entre um disco e outro, se esforçava para se manter ativo no presente e estava preparando um último disco, LISTEN - ResiLIência e ResiSTÊNcia, mas que acabou ficando sem a voz do cantor, que sofreu AVC antes de pôr as vozes nas canções.
O irmão do cantor João Bosco (o autêntico, não o "sertanejo" homônimo), Tunai, faleceu cheio de planos que por isso mesmo foram abortados. Intérprete e um dos autores de "Frisson", o cantor mineiro era marcado por melodias simples e assobiáveis, e uma criatividade que pode não ter sido revolucionária, mas era bastante expressiva e com um estilo bastante próprio.
Tivemos também a perda de Cláudia Telles, em 21 de fevereiro de 2020, uma cantora e compositora de MPB mais moderna, da mesma geração de Zizi Possi, com a diferença de que teve como referência a cantora de Bossa Nova, Sylvia Telles, de quem era filha. Sylvia foi uma das maiores cantoras do país e, embora Cláudia não tivesse sido tão genial como a mãe, tinha um talento significativo e uma valiosa contribuição.
Já no último 13 de abril de 2020, faleceu Moraes Moreira, que, apesar do talento peculiar, tinha a penetração fácil na mídia e no sucesso do público médio incomum na maioria dos artistas, que tiveram e têm dificuldade de furar a bolha de um mercado predominantemente popularesco.
Moraes Moreira era integrante do grupo Novos Baianos, que, através de uma fusão de rock com ritmos brasileiros, criando uma sonoridade própria, através do álbum Acabou Chorare, de 1972, criaram um divisor de águas e levaram adiante o caminho trazido pela Tropicália, cinco anos antes.
Isso porque os Novos Baianos enfatizavam o aspecto musical, que esteve acima da atitude hippie do grupo que teve também Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor, hoje em atividade. Muitas músicas foram compostas sob o efeito de maconha e ácido lisérgico, mas elas ultrapassam os limites do moralismo alcançando a relevância artística e cultural pela sua força natural.
A criatividade na Música Popular Brasileira, que chegou a ser motivo de orgulho pelos jovens de 1967 até o fim dos anos 1990, perdeu a respeitabilidade e passou a ser ridicularizada por uma geração nascida a partir de 1978 e que foi exposta a uma mídia decadente, além de não ter muitos jornalistas culturais formadores de opinião.
Em 2000, a indigência cultural já se dava por haver poucos críticos musicais que mostravam novidades para a juventude. Eram nomes como Tom Leão, que priorizava o rock noventista pós-grunge, que priorizava o barulho, Carlos Albuquerque, que vinha com hip hop, reggae e derivados, no Rio Fanzine, antiga coluna de O Globo, e Álvaro Pereira Jr. que, apesar de ser repórter (até hoje) do Fantástico da Rede Globo, era colunista do Folhateen, da Folha de São Paulo, onde fazia uma cobertura do que havia de mainstream no chamado rock alternativo.
A MTV não ajudava muito porque, embora bem intencionada, pelo fato de ser uma emissora de videoclipes, o que limitava muito a execução musical aos hits - que usavam esses vídeos como material de divulgação - , o que manteve as gerações nascidas de 1978 para cá com referências musicais bastante superficiais, mesmo quando tentam ir além dos "grandes sucessos".
Na MPB, isso fez os jovens se manterem num superficialismo em que MPB não ia muito além de Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan, Elis Regina, Milton Nascimento e Maria Bethânia, sem uma disposição para ir adiante e além dos sucessos radiofônicos alimentados por trilhas sonoras de novela da Rede Globo de Televisão.
Para piorar, houve o crescimento da música brega-popularesca, alimentado por emissoras de TV controladas por grupos oligárquicos que, mais tarde, seriam a base midiática de apoio do governo Jair Bolsonaro - que, na sua crise extrema, está discretamente sendo exercido pelo ministro da Casa Civil, general Braga Neto, como "presidente operacional" - e por FMs controladas por políticos apadrinhados por José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.
E isso se agravou quando uma geração de intelectuais, a partir de Paulo César de Araújo e o livro Eu Não Sou Cachorro Não, criou um lobby, com uma articulação que lembra o antigo IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), só que sem vínculo institucional declarado e com uma linguagem que variava entre o panfletarismo tendencioso e o pretenso objetivismo intelectual.
Era a campanha pelo suposto "fim do preconceito", uma falácia multiplamente bem organizada que envolveu jornalistas culturais, cantores, atores, acadêmicos (sobretudo antropólogos) e cineastas documentaristas, que, sob o pretexto de "valorizar" a bregalização musical, que fazia sucesso predominante no grande público brasileiro, fez as tendências musicais popularescas ampliarem suas reservas de mercado para públicos de maior poder aquisitivo ou melhor grau de instrução.
A bregalização musical tornou-se hegemônica e as transmissões ao vivo caseiras, em função do isolamento social devido ao coronavírus, mostrou o que a campanha do "combate ao preconceito" tentou esconder: a péssima qualidade artística e cultural dos ídolos musicais popularescos, com um talento bem abaixo do medíocre que CDs e DVDs, que sofrem intervenções diversas que vão desde a atuação dos arranjadores até o uso de tecnologias de "melhoramento" digital da voz, recursos que tornam o cantor, dupla ou grupo popularesco mais "palatáveis".
Chegou-se ao ponto, pelo menos, que não dá mais para um jornalista cultural sair por aí chorando porque o "ídolo do momento" é rejeitado por supostas elites moralistas, caricaturalmente concebidas até mesmo em monografias, onde a rejeição aos ritmos popularescos era, sim, alvo de ataques preconceituosos de intelectuais supostamente "sem preconceitos".
A situação se escancarou tanto que o "sertanejo", que chega a exercer monopólio no gosto musical juvenil ao lado do "funk", já começa a ser duramente criticado, diferente da campanha para blindar Zezé di Camargo & Luciano, que vendiam uma falsa imagem de "humanistas" na mídia de esquerda, enquanto, nas redes sociais, as "milícias digitais" perseguiam e agrediam internautas que simplesmente diziam não gostarem da dupla, hoje apoiadora de Bolsonaro.
O "funk" ainda recebe blindagem, pelo discurso vitimista que promove o ritmo, apesar de ser justamente ele que coloca às últimas consequências a baixa qualidade musical, artística e cultural. Mas a música popularesca perdeu a blindagem que teve há 10, 15 anos, embora de forma tardia demais, quando ela se tornou hegemônica e, buscando novos espaços, expulsou a MPB e o Rock Brasil dos seus próprios espaços e os ocupou, por invasão.
Com isso e com as tragédias que vitimam anualmente vários nomes da MPB autêntica - nos últimos tempos tivemos perdas como Itamar Assumpção, Luiz Melodia, Inezita Barroso, Vander Lee, João Gilberto, Riachão e tantos outros - , temos um cenário de música brasileira no qual, para cada nome talentoso que perdemos, aparecem centenas de canastrões a fazer sucesso, não só com o esquema financeiro do jabaculê midiático, mas também com o jabaculê acadêmico da "luta contra o preconceito".
E isso nos faz perguntar, diante da óbvia situação de que os ídolos musicais popularescos não têm fôlego para produzir repertório por muito tempo, virando subcelebridades a se exibirem nas redes sociais, através de frivolidades. Afinal, a MPB terá um futuro?
A obsessão dos mileniais, que radicalizou o superficialismo da geração pós-1978 - que só depois dos 40 anos passa a conhecer um horizonte musical mais relevante, que durante anos resistiu com teimosia - , e passou a apreciar apenas subcelebridades musicais, terá alguma solução, assim que for impossível esconder a mesmice musical de uma grande leva de ídolos juvenis que parecem fazer a mesma música, e até fazem, sob a tutela de um único homem, o produtor-compositor Max Martin?
Como voltarão a ter respeitabilidade os artistas da MPB autêntica os quais dava prestígio para todo jovem que assumisse apreciar sua música? Talvez se as gerações recentes perceberem a perda, através do conhecimento de nomes do passado, vão entender o vácuo deixado e tentarão, pelo legado deixado, criarem novos caminhos para a música brasileira ou descobrir artistas contemporâneos que hoje fazem boa música, mas que nunca têm o devido espaço na mídia.
Talvez essa tendência venha quando passar a farra dos mileniais, que medem o valor dos "artistas" pela capacidade de "lacrar" as redes sociais e virar trend topics no Twitter, colocando a fama no lugar do talento. Quando isso começar a cansar, um público de novos jovens virá querendo uma cultura de musical de qualidade, buscando valores verdadeiros que não o entretenimento vazio nas redes sociais.
FONTES: Portal G1, Carta Capital, Caros Amigos, blogues Linhaça Atômica e Mingau de Aço.
Comentários