É O TCHAN NO CARNAVAL DE SALVADOR 2020.
Por Alexandre Figueiredo
O discurso de "liberdade" e "ruptura de preconceitos" - tema do meu novo livro Esses Intelectuais Pertinentes... - só serviu para que fenômenos popularescos do comercialismo musical brasileiro ampliassem mercados e atingissem públicos considerados de maior poder aquisitivo e melhor instrução acadêmica.
Essa retórica, que atende a apelos emocionais ao mesmo tempo acomodados e persistentes, se reflete no Carnaval, quando a axé-music e o "funk" comandam a festa, junto a outros estilos popularescos, na esperança vã de conseguir algum reconhecimento mais sério pela chamada "alta cultura" do Brasil.
A intensa campanha intelectual, que em seus momentos hidrófobos bradava contra uma hipotética "patrulha estética", desenhada à maneira de um vilão de seriado de televisão, permitiu que essa "liberdade" pusesse à margem as verdadeiras manifestações musicais, como o samba e o frevo, que encontram dificuldades para uma digna renovação.
Não que essa chance de renovação inexistisse. Ela existe e há novos artistas de samba e frevo que apenas não encontram lugar ao Sol na música brasileira, cujo mercado é inflexível e voltado para o comercialismo musical brega-popularesco. Por isso é que existem negociações para duetos entre nomes da MPB e ídolos brega-popularescos, que não servem para "romper o preconceito" contra estes, mas antes é um apelo para aqueles furarem os cercos de um mercado anti-emepebista.
É até constrangedor que intelectuais do porte de Mônica Neves Leme e Rodrigo Faour, de maneira bastante tendenciosa, tentem creditar nomes comerciais e musicalmente superficiais, como É O Tchan e o "funk carioca", como analogias aos antigos maxixes e lundus do passado, quando se sabe que nunca houve esse vínculo, essa associação, no projeto musical dos fenômenos popularescos de hoje.
A analogia é apenas uma desculpa para que esses nomes popularescos tentem sobreviver para além de um verão, através de uma concepção etnocêntrica das elites intelectuais que envolve interesses mercadológicos ocultos, que não podem ser revelados. No caso de alguma revelação, nomes como o historiador mineiro Eugênio Arantes Raggi são capazes de comentários hidrófobos, de fazer Diogo Mainardi, do blogue O Antagonista, ficar boquiaberto de tão impressionado.
Afinal, não se observa, nos fenômenos musicais popularescos de hoje, a mínima possibilidade de obterem o reconhecimento que sambas, maxixes, catiras, baiões e lundus do passado tiveram. Estas antigas manifestações musicais se expressavam sem o contexto dos interesses comerciais de hoje, em que a concepção musical praticamente é acertada em reuniões de negócios com os empresários dos "artistas" envolvidos.
BUBBLEGUM BRASILEIRO
A música brega-popularesca sempre foi uma espécie de fast food musical, uma espécie de bubblegum brasileiro, algo que "desce macio" nas mentes do público, mas não é por isso que irá arrumar um lugar nobre na "alta cultura", até porque existe marketing demais blindando os popularescos de hoje, como não havia nos sambas, maxixes, lundus e catiras, entre outros.
Os antigos ritmos brasileiros obtiveram reconhecimento por vocação própria, e a sociedade da época era muito diferente da de hoje. As elites da época se escandalizavam com um dedo do pé que uma adolescente mostrasse de maneira bastante pueril. Não dá para comparar isso com a rejeição que pessoas mais liberais fazem aos glúteos de mulheres siliconadas que se rodopiam ao som do "funk" ou do "pagodão" da Bahia.
Os fenômenos popularescos só ganharam projeção hegemônica por conta de um lobby de intelectuais que, por mais que jurem estarem fazendo "etnografia" ou "panfletarismo libertário" em favor daquilo que julgam ser a "cultura das periferias", o que eles fazem não é outra coisa senão marketing, publicidade escancarada, porém travestida de reportagens, documentários, monografias e até artigos da Internet.
A finalidade de toda essa blindagem é justamente jogar os ídolos musicais brega-popularescos para se apresentarem em eventos frequentados por públicos mais elitistas, das casas noturnas da Zona Sul até festivais de efemérides como a Festa Junina e o Carnaval, e tudo isso porque tem dinheiro em jogo, ou seja, a conversa de que o É O Tchan representa hoje a malícia sofisticada dos antigos maxixes ou que o "funk" de hoje é a nova versão do "corta-jaca" da Chiquinha Gonzaga não são mais do que conversa para boi dormir.
O VELHO SAMBÃO ENGAJADO
O esnobismo de intelectuais pró-brega em classificar o samba de hoje como "velho e desgastado", a partir dos comentários um tanto ranzinzas de Paulo César de Araújo, que superestimou eventuais adesismos ao ufanismo ditatorial de nomes como Zé Kéti e João Nogueira (falecido pai do também cantor Diogo Nogueira), este por causa de um simples aumento do mar territorial brasileiro, foi por água abaixo diante do engajamento do Carnaval sambista do eixo Rio-São Paulo.
Em São Paulo, a escola de samba Águia de Ouro venceu com um tema dedicado à trajetória do educador Paulo Freire, atualmente visto como inimigo dos bolsonaristas, os reacionários seguidores do presidente Jair Bolsonaro. No Rio de Janeiro, a escola de samba niteroiense Unidos do Viradouro venceu com um tema voltado às mulheres de Salvador que no século XIX eram escravas e, alforriadas, lutaram para a libertação de vários escravos.
Mas houve também protestos contra o governo Jair Bolsonaro, como a performance do humorista e co-autor do samba-enredo da São Clemente, "O Conto do Vigário", que parodiou o presidente, com direito a uma flexão de braços e o gesto de fazer arminha com as mãos. E também houve o desfile da Mangueira, com Jesus Cristo convertido à etnia negra e ao sexo feminino, sendo uma crítica ao extremo rigor dos padrões religiosos das seitas evangélicas que apoiam o governo Bolsonaro.
Essas manifestações, embora não resultem em efeitos concretos para a decadência do referido governo, trazem um diferencial ao furar a bolha dos protestos que ocorrem nas redes sociais. E, diante da mesmice dos fenômenos popularescos, isso significou a sobrevida das "velhas tradições" diante do brega-popularesco blindado pela intelectualidade festiva brasileira.
A axé-music, que completa 35 anos de sucesso estrondoso em Salvador, tornou-se um "baile da saudade" diante da repetição de seus sons e atitudes nos quais nem novos nomes que surgiram após o auge, como Leva Nóiz, Attoxxá e La Fúria, conseguem romper, pois eles não são mais do que o "mais do mesmo".
Além disso, a axé-music decai entre o público baiano, de forma que o ritmo busca mercados fora da Bahia, como Rio de Janeiro, São Paulo e até Rio Grande do Sul. Em Salvador, a antiga monocultura da axé-music ruiu, desmascarando o discurso de "diversidade" que essa monocultura vendia para os baianos, quando os outros gêneros só eram acolhidos na condição de coadjuvantes do antigo mercado hegemônico do "axé".
Atualmente, a música popularesca busca fortalecer mercados no Sul e Sudeste, diante do desgaste do Nordeste, que já não consegue mais aceitar a bregalização simbolizada pelos ritmos musicais considerados "populares demais". Para desespero da intelectualidade pró-brega, essa rejeição surge não da parte de aristocratas raivosos e nostálgicos, mas de cidadãos comuns e mesmo gente das chamadas "periferias", que observam na música popularesca processos de imbecilização cultural do povo pobre.
A supremacia popularesca continua oficialmente valendo em todo o país e até no Nordeste. Mas o público nordestino já começa a reagir, e, fora o público extremamente pobre, que continua consumindo estilos como o "forró eletrônico", o "pagodão" baiano, o arrocha e "novidades" como o "pagofunk" e o "brega funk", há um grande público nas classes populares que começa a buscar músicas melhores, numa ruptura com os sons popularescos vigentes em seu meio.
A presença de famosos nos carnavais, consumindo a música popularesca, influi muito na associação entre essa categoria musical e o ideal da juventude saudável, bonita e bem-sucedida, que acaba destoando da narrativa que intelectuais pró-brega fizeram, durante anos, associando esse tipo de "cultura" musical ao povo pobre das "periferias". Até porque essa narrativa falava de uma "pobreza legal", uma imagem "limpa" da população pobre que agrada e não ameaça a alta sociedade.
O Sul e Sudeste é que, pela inclinação exótica de parte de uma burguesia pós-moderna, está mais receptivo aos fenômenos popularescos, e o mercado ainda se fortalecerá nos ricos redutos dos jovens elitistas. Para surpresa da intelectualidade pró-brega, são as pessoas mais ricas e da pequena burguesia que se tornam mais receptivas aos fenômenos da música brega-popularesca.
FONTES: G1, Diário do Centro do Mundo, Universo On Line, Blogue Mingau de Aço, Blogue Linhaça Atômica.
Por Alexandre Figueiredo
O discurso de "liberdade" e "ruptura de preconceitos" - tema do meu novo livro Esses Intelectuais Pertinentes... - só serviu para que fenômenos popularescos do comercialismo musical brasileiro ampliassem mercados e atingissem públicos considerados de maior poder aquisitivo e melhor instrução acadêmica.
Essa retórica, que atende a apelos emocionais ao mesmo tempo acomodados e persistentes, se reflete no Carnaval, quando a axé-music e o "funk" comandam a festa, junto a outros estilos popularescos, na esperança vã de conseguir algum reconhecimento mais sério pela chamada "alta cultura" do Brasil.
A intensa campanha intelectual, que em seus momentos hidrófobos bradava contra uma hipotética "patrulha estética", desenhada à maneira de um vilão de seriado de televisão, permitiu que essa "liberdade" pusesse à margem as verdadeiras manifestações musicais, como o samba e o frevo, que encontram dificuldades para uma digna renovação.
Não que essa chance de renovação inexistisse. Ela existe e há novos artistas de samba e frevo que apenas não encontram lugar ao Sol na música brasileira, cujo mercado é inflexível e voltado para o comercialismo musical brega-popularesco. Por isso é que existem negociações para duetos entre nomes da MPB e ídolos brega-popularescos, que não servem para "romper o preconceito" contra estes, mas antes é um apelo para aqueles furarem os cercos de um mercado anti-emepebista.
É até constrangedor que intelectuais do porte de Mônica Neves Leme e Rodrigo Faour, de maneira bastante tendenciosa, tentem creditar nomes comerciais e musicalmente superficiais, como É O Tchan e o "funk carioca", como analogias aos antigos maxixes e lundus do passado, quando se sabe que nunca houve esse vínculo, essa associação, no projeto musical dos fenômenos popularescos de hoje.
A analogia é apenas uma desculpa para que esses nomes popularescos tentem sobreviver para além de um verão, através de uma concepção etnocêntrica das elites intelectuais que envolve interesses mercadológicos ocultos, que não podem ser revelados. No caso de alguma revelação, nomes como o historiador mineiro Eugênio Arantes Raggi são capazes de comentários hidrófobos, de fazer Diogo Mainardi, do blogue O Antagonista, ficar boquiaberto de tão impressionado.
Afinal, não se observa, nos fenômenos musicais popularescos de hoje, a mínima possibilidade de obterem o reconhecimento que sambas, maxixes, catiras, baiões e lundus do passado tiveram. Estas antigas manifestações musicais se expressavam sem o contexto dos interesses comerciais de hoje, em que a concepção musical praticamente é acertada em reuniões de negócios com os empresários dos "artistas" envolvidos.
BUBBLEGUM BRASILEIRO
A música brega-popularesca sempre foi uma espécie de fast food musical, uma espécie de bubblegum brasileiro, algo que "desce macio" nas mentes do público, mas não é por isso que irá arrumar um lugar nobre na "alta cultura", até porque existe marketing demais blindando os popularescos de hoje, como não havia nos sambas, maxixes, lundus e catiras, entre outros.
Os antigos ritmos brasileiros obtiveram reconhecimento por vocação própria, e a sociedade da época era muito diferente da de hoje. As elites da época se escandalizavam com um dedo do pé que uma adolescente mostrasse de maneira bastante pueril. Não dá para comparar isso com a rejeição que pessoas mais liberais fazem aos glúteos de mulheres siliconadas que se rodopiam ao som do "funk" ou do "pagodão" da Bahia.
Os fenômenos popularescos só ganharam projeção hegemônica por conta de um lobby de intelectuais que, por mais que jurem estarem fazendo "etnografia" ou "panfletarismo libertário" em favor daquilo que julgam ser a "cultura das periferias", o que eles fazem não é outra coisa senão marketing, publicidade escancarada, porém travestida de reportagens, documentários, monografias e até artigos da Internet.
A finalidade de toda essa blindagem é justamente jogar os ídolos musicais brega-popularescos para se apresentarem em eventos frequentados por públicos mais elitistas, das casas noturnas da Zona Sul até festivais de efemérides como a Festa Junina e o Carnaval, e tudo isso porque tem dinheiro em jogo, ou seja, a conversa de que o É O Tchan representa hoje a malícia sofisticada dos antigos maxixes ou que o "funk" de hoje é a nova versão do "corta-jaca" da Chiquinha Gonzaga não são mais do que conversa para boi dormir.
O VELHO SAMBÃO ENGAJADO
O esnobismo de intelectuais pró-brega em classificar o samba de hoje como "velho e desgastado", a partir dos comentários um tanto ranzinzas de Paulo César de Araújo, que superestimou eventuais adesismos ao ufanismo ditatorial de nomes como Zé Kéti e João Nogueira (falecido pai do também cantor Diogo Nogueira), este por causa de um simples aumento do mar territorial brasileiro, foi por água abaixo diante do engajamento do Carnaval sambista do eixo Rio-São Paulo.
Em São Paulo, a escola de samba Águia de Ouro venceu com um tema dedicado à trajetória do educador Paulo Freire, atualmente visto como inimigo dos bolsonaristas, os reacionários seguidores do presidente Jair Bolsonaro. No Rio de Janeiro, a escola de samba niteroiense Unidos do Viradouro venceu com um tema voltado às mulheres de Salvador que no século XIX eram escravas e, alforriadas, lutaram para a libertação de vários escravos.
Mas houve também protestos contra o governo Jair Bolsonaro, como a performance do humorista e co-autor do samba-enredo da São Clemente, "O Conto do Vigário", que parodiou o presidente, com direito a uma flexão de braços e o gesto de fazer arminha com as mãos. E também houve o desfile da Mangueira, com Jesus Cristo convertido à etnia negra e ao sexo feminino, sendo uma crítica ao extremo rigor dos padrões religiosos das seitas evangélicas que apoiam o governo Bolsonaro.
Essas manifestações, embora não resultem em efeitos concretos para a decadência do referido governo, trazem um diferencial ao furar a bolha dos protestos que ocorrem nas redes sociais. E, diante da mesmice dos fenômenos popularescos, isso significou a sobrevida das "velhas tradições" diante do brega-popularesco blindado pela intelectualidade festiva brasileira.
A axé-music, que completa 35 anos de sucesso estrondoso em Salvador, tornou-se um "baile da saudade" diante da repetição de seus sons e atitudes nos quais nem novos nomes que surgiram após o auge, como Leva Nóiz, Attoxxá e La Fúria, conseguem romper, pois eles não são mais do que o "mais do mesmo".
Além disso, a axé-music decai entre o público baiano, de forma que o ritmo busca mercados fora da Bahia, como Rio de Janeiro, São Paulo e até Rio Grande do Sul. Em Salvador, a antiga monocultura da axé-music ruiu, desmascarando o discurso de "diversidade" que essa monocultura vendia para os baianos, quando os outros gêneros só eram acolhidos na condição de coadjuvantes do antigo mercado hegemônico do "axé".
Atualmente, a música popularesca busca fortalecer mercados no Sul e Sudeste, diante do desgaste do Nordeste, que já não consegue mais aceitar a bregalização simbolizada pelos ritmos musicais considerados "populares demais". Para desespero da intelectualidade pró-brega, essa rejeição surge não da parte de aristocratas raivosos e nostálgicos, mas de cidadãos comuns e mesmo gente das chamadas "periferias", que observam na música popularesca processos de imbecilização cultural do povo pobre.
A supremacia popularesca continua oficialmente valendo em todo o país e até no Nordeste. Mas o público nordestino já começa a reagir, e, fora o público extremamente pobre, que continua consumindo estilos como o "forró eletrônico", o "pagodão" baiano, o arrocha e "novidades" como o "pagofunk" e o "brega funk", há um grande público nas classes populares que começa a buscar músicas melhores, numa ruptura com os sons popularescos vigentes em seu meio.
A presença de famosos nos carnavais, consumindo a música popularesca, influi muito na associação entre essa categoria musical e o ideal da juventude saudável, bonita e bem-sucedida, que acaba destoando da narrativa que intelectuais pró-brega fizeram, durante anos, associando esse tipo de "cultura" musical ao povo pobre das "periferias". Até porque essa narrativa falava de uma "pobreza legal", uma imagem "limpa" da população pobre que agrada e não ameaça a alta sociedade.
O Sul e Sudeste é que, pela inclinação exótica de parte de uma burguesia pós-moderna, está mais receptivo aos fenômenos popularescos, e o mercado ainda se fortalecerá nos ricos redutos dos jovens elitistas. Para surpresa da intelectualidade pró-brega, são as pessoas mais ricas e da pequena burguesia que se tornam mais receptivas aos fenômenos da música brega-popularesca.
FONTES: G1, Diário do Centro do Mundo, Universo On Line, Blogue Mingau de Aço, Blogue Linhaça Atômica.
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