Por Alexandre Figueiredo
Depois que o Ministério da Cultura foi extinto por decisão do presidente da República, Jair Bolsonaro, a mudança que aconteceu na Secretaria Especial de Cultura - nome da antiga pasta, rebaixada para a atual condição - foi passar da tutela do Ministério da Cidadania, cujo responsável é Osmar Terra, para o Ministério do Turismo, cujo titular é Marcelo Álvaro Antônio. A Secretaria de Cultura, por sua vez, tem como titular o dramaturgo Roberto Alvim.
Pois o setor e suas instituições associadas passam por mudanças que reforçarão o caráter conservador e ideológico, em detrimento da competência técnica que ocorria até então. As trocas de comando envolvem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que até agora é presidido pela historiadora sergipana radicada no Maranhão, Kátia Bogéa.
Existem palpites de que o substituto de Kátia Bogéa será Olav Schrader, da Associação de Moradores de São Cristóvão, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Olav é arquiteto, tem formação em Relações Internacionais e esteve presente em eventos pró-monarquia, como o 2º Encontro Monárquico Fluminense, onde realizou uma palestra intitulada "Patrimônio Histórico como Motor de Desenvolvimento Econômico".
De acordo com reportagem de O Globo, de 22 de abril de 2017, Olav Schrader é de uma família de restauradores que adquiriu vários imóveis abandonados em São Cristóvão para recuperar e transformar em novos estabelecimentos.
Um desses imóveis, no número 329 da Rua São Cristóvão, teria sido um depósito de lixo formado das ruínas de um casarão de 1870, destruído havia muitos anos. Um processo de reformas foi feito e durou quatro anos, e o prédio, recuperado, virou um espaço cultural, o Mecenas Bistrô e Cultura, nome idealizado pelo irmão de Olav, Marco Antônio Schrader.
Por essa dedicação, é possível que o IPHAN sofra menor impacto na revirada conservadora do setor da Cultura. Mesmo quando a escolha, para presidir a autarquia, do antropólogo Antônio Augusto Arantes Neto, ligado ao Condephaat (O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), ligado ao Governo de São Paulo, em 2004, no contexto em que o Ministério da Cultura tinha como titular o cantor Gilberto Gil, causou polêmica, o IPHAN manteve de pé sua atuação técnica.
Deslizes como permitir que se construa o ambicioso edifício La Vue Salvador, causando contraste com a tradição arquitetônica do entorno da Barra - no trecho entre o Porto e a Graça, área de grande valor turístico na capital baiana - eram poucos, embora preocupantes, mas fora tais descaminhos, a atuação do IPHAN quase sempre primava pelo caráter técnico e pelo interesse público.
Outros órgãos e instituições ligados à Cultura no Brasil é que tendem a sofrer um impacto maior. No caso da Biblioteca Nacional, a diretora da instituição, a gestora pública Helena Severo, colocou seu cargo à disposição assim que foi informada pela imprensa que seria exonerada do cargo e seria substituída, sem todavia receber um comunicado oficial a respeito. A diretora executiva da BN, a historiadora Maria Eduarda Marques, também colocou seu cargo à disposição.
Helena Severo deixou uma carta destacando a atuação técnica da Biblioteca Nacional e a competência de sua equipe, mencionando trabalhos como a recuperação de sua fachada. Ela será substituída por Rafael Alves da Silva, conhecido como Rafael Nogueira, que se diz professor de filosofia e assume ser seguidor do ideólogo reacionário Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro.
Para a Fundação Nacional das Artes (Funarte), será designado para a direção o maestro Dante Mantovani, doutor pela Universidade Federal de Londrina, no Paraná. Ele é conhecido por apresentar o programa "A Grande Música", dedicado à música erudita, na emissora católica Rádio Mãe de Deus, em Caxias do Sul. Mantovani afirma ter participado de grupos e corais religiosos. O próprio secretário de Cultura Roberto Alvim já dirigiu a Funarte, em 2019, por indicação de Bolsonaro.
Além dessas mudanças, consideradas volumosas no contexto do atual governo, houve a escolha do ex-diretor do Instituto Gerdau - da empresa homônima, que patrocina o conservador Instituto Millenium - e da Fundação Iberê Camargo, José Paulo Soares Martins, que se tornou secretário-adjunto de Roberto Alvim. Martins tem como intenção flexibilizar o teto da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Soares Martins havia dirigido a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, também ligada à Secretaria Especial de Cultura. Este órgão ficará a cargo de Camilo Calandreli, entusiasmado bolsonarista que participou da fundação do Simpósio Nacional Conservador de Ribeirão Preto.
Calandreli é professor e cantor de ópera e é outro dirigente ligado à música erudita. Ele também é conhecido por ter reprovado a Tropicália e o marxismo, em seus depoimentos. Ele também é visto em fotos ao lado do filho do presidente Bolsonaro, o deputado e ativista conservador Eduardo Bolsonaro, um dos principais representantes brasileiros da Cúpula Conservadora das Américas.
Na Agência Nacional de Cinema, a escolha de Katiane de Fátima Gouvea, também ativista conservadora e membro da Cúpula Conservadora das Américas, preocupa a classe do audiovisual. A atuação de Katiane tende a priorizar temas religiosos e a estabelecer restrições drásticas para a livre expressão artística dos realizadores de atividades audiovisuais.
Mas a mais estranha nomeação fica por conta do jornalista Sérgio Nascimento de Camargo para a Fundação Palmares, instituição dedicada a promover ações culturais ligadas ao povo negro. Apesar de ser negro e filho do renomado jornalista e ativista negro Oswaldo de Camargo, Sérgio não seguiu a vocação progressista da família.
Em vez disso, Sérgio prefere pregar, nas redes sociais, ideias reacionárias, sendo um protótipo do "negro de direita". Ele já classificou o Dia da Consciência Negra como "vergonhoso", alegou que "não existe racismo no Brasil" e defende a extinção do movimento negro. Sérgio também declarou que a escravidão "foi benéfica para os negros", porque "viveram em condições melhores (sic) no Brasil do que na África".
O irmão de Sérgio, o músico Oswaldo de Camargo Filho, o Wadico Camargo, se sente envergonhado de ter um irmão reacionário. Wadico lançou um abaixo-assinado para destituir o próprio irmão da direção da Fundação Palmares. A preocupação de Wadico está na própria afirmação de Sérgio, que adotará princípios bolsonaristas na Fundação Palmares.
O pai Oswaldo, de 83 anos, é coordenador de literatura no Museu Afro Brasil e é conhecido por vários livros de estudos sobre a cultura negra e a situação do povo negro no Brasil, entre os quais O Negro Escrito e Raiz de um Negro Brasileiro.
As nomeações serão efeivadas no próximo dia 02 de dezembro, e causam preocupação por haver um caráter conservador acima dos critérios técnicos. O próprio Roberto Alvim tornou-se célebre por ter xingado de "sórdida" a respeitável atriz Fernanda Montenegro e por ter convocado a sociedade conservadora de criar uma "nova máquina de guerra cultural" nas redes sociais.
FONTES: Folha de São Paulo, O Globo, G1, IPHAN e Revista Fórum.
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