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EM ANO DE PERDAS NA MPB, COMERCIALISMO SE CONSOLIDA NA MÚSICA BRASILEIRA

ANITTA, EM CENA DO VÍDEO DE "VAI MALANDRA".

Por Alexandre Figueiredo

Em um ano como 2017, que a MPB perdeu, pelo menos, três notáveis compositores - Belchior, Luís Melodia e Almir Guineto - , o comercialismo musical brasileiro, cujas tentativas remetem a, pelo menos, 50 anos atrás, consolidou seu domínio, dando fim, infelizmente, a uma época de música popular de qualidade e uma aliança entre universitários e artistas populares.

Enquanto isso,  a MPB autêntica sofre um período de acomodação, com a onda de homenagens intermináveis, tributos que parecem sinalizar que a Música Popular Brasileira, tal como conhecíamos desde 1965, tornou-se coisa do passado. Não que a MPB soasse datada, mas o mercado e a mídia parecem desestimulados em divulgar qualquer renovação artística da música de qualidade.

Todo um caminho de persuasão ideológica se deu para se chegar à supremacia absoluta da geração recente do brega-popularesco, a dos "pós-bregas", o pop comercial brasileiro formatado para o padrão MTV, embora num contexto em que não existe mais a MTV Brasil como era nos anos 90, uma criativa franquia do Grupo Abril, mas uma filial da MTV estadunidense controlada diretamente pela Viacom, também dona das marcas Paramount e Nickelodeon.

Desde a ditadura militar, o mercado musical planejava imitar os EUA, no que se diz à supremacia da música comercial. Entende-se como música comercial não toda música que seja dotada de uma duração simples, refrão marcante e que faz sucesso ou é gravada em uma grande companhia fonográfica, mas as músicas que levam o comercialismo como um fim em si mesmo.

A primeira geração de ídolos cafonas, como Waldick Soriano, Nelson Ned e Orlando Dias - este apadrinhado pela rede de lojas O Rei da Voz, de Abraão Medina, pai do empresário do Rock In Rio, Roberto Medina - , já ensaiava um comercialismo evidente, mas o sucesso deles era mais restrito à parcela de público de classes D e E, consideradas mais pobres, e restrita a ambientes como subúrbios e áreas rurais, com um índice de repercussão mais modesto.

Na década de 1970, essa primeira geração, já coexistindo com a segunda geração dos cafonas - emulando de maneira "pasteurizada" o rock, inspirado na cena italiana, e o sambalanço - , representada por Odair José, Paulo Sérgio, Benito di Paula, Luiz Ayrão e outros, representaram o crescimento do comercialismo musical brasileiro, mas era um "pop" sem contemporaneidade, feito de modismos passados.

Se Waldick Soriano, por exemplo, representava elementos datados de boleros, country e arremedos de serestas que saíram de moda no começo dos anos 1960, Odair José remetia a arremedos de roqueiros com forte apelo romântico surgidos no fim dos anos 1950, como Pat Boone e Bobby Darin, mas intermediados por ídolos italianos como Pepino di Capri e Gianni Morandi. Essa segunda geração veio a ser, em parte, a de retardatários da Jovem Guarda, surgidos na sua fase final, 1968.

BREGA COM APELO JOVEM

No meio da década de 1970, ídolos como Gretchen, empresariada pelo DJ Mister Sam, e Sidney Magal, empresariado pelo ex-cantor de Jovem Guarda Robert Livi, também responsável pelo romântico Peninha, puxaram uma primeira tentativa de criar um pop comercial mais ou menos atualizado, tentando uma sintonia com a disco music, fenômeno na moda na época.

Nessa época, entre 1977 e 1980, vieram ídolos com apelo jovem, como Gilliard, Nahim, Ângelo Máximo, Harmony Cats, A Patotinha e até mesmo um clone do grupo alemão Boney M (grupo cujo um dos vocalistas, Frank Farian, tornou-se empresário do controverso Milli Vanilli), Genghis Khan, que, antes de ser conhecido na posteridade pelo sucesso infantil "Comer, comer", fazia um som calcado na disco music.

Nessa época também vieram os cantores românticos José Augusto e Fernando Mendes, que tinham um aparente apelo juvenil, usando roupas jeans e parecendo garotos propagandas de grifes de moda jovem daquela época. Junto a eles, um certo Flávio Galvão que gravou canções em inglês sob o pseudônimo Mark Davis, mas tornou-se mais popular com o famoso codinome Fábio Júnior.

José Augusto e Fábio Jr. tornaram-se grandes ídolos da década de 1980. Nessa época a música brega-popularesca deixava de ser exclusiva de canais secundários como TV Tupi, em falência, SBT, que estava surgindo com o nome TV Studios, mais Record e Bandeirantes. A Rede Globo, acolhendo o ex-Fevers Michael Sullivan e o ex-Lafayette e Seu Conjunto, Paulo Massadas, apostou numa nova indústria da canção brega, com um projeto mais ambicioso de comercialismo musical.

A dupla Sullivan & Massadas passou a coexistir com a geração de "sertanejos" que deturparam a música caipira aos moldes do comercialismo tex-mex do country e dos mariachis, como Gian & Giovani, Christian & Ralf, a irmã de Gretchen, Sula Miranda, e as duplas Leandro & Leonardo (da qual só resta o segundo) e Chitãozinho & Xororó.

Era uma época em que a MPB autêntica era pasteurizada pelas fórmulas românticas de produtores como Mazzola, que tiraram o vigor criativo dos anos 1960 e começo dos 1970 em prol de formatos de canção moldados pelo hit-parade dos EUA.

Paralelo a isso, a música brega-popularesca, depois de tendências "jovens", passou a buscar uma pretensa sofisticação, além de retomar arremedos de brasilidade já testados pelo "sambão-joia" e pela lambada paraense, arremedos respectivos de sambalanço e ritmos caribenhos, nos anos 1970.

Sullivan & Massadas prepararam o terreno para a supremacia brega-popularesca dos anos 90, cooptando artistas antes associados à MPB, como Roupa Nova, Joanna, Raimundo Fagner e Alcione. Junto a eles, a dupla de produtores e compositores também alimentava seu sucesso compondo para a apresentadora Xuxa Meneghel, que bancava a dublê de cantora para alimentar, com discos, a audiência de seus programas "infantis" da Rede Globo, nos anos 1980.

Depois de Sullivan & Massadas, a Era Collor fez consagrar os arremedos de brasilidade com a geração de "sertanejos" dos anos 1980-1990 - na época, despontava também a dupla Zezé di Camargo & Luciano - e do chamado "pagode romântico", versão repaginada do "sambão-joia" de Aurão e di Paula, através de nomes como Só Pra Contrariar (de Alexandre Pires), Raça Negra, Katinguelê, Karametade, Os Morenos, Os Travessos, entre outros.

A partir deles, vieram ritmos como "forró eletrônico" e a axé-music, criando paradigmas estereotipados de "nordestinidade" e "africanização", assim como as imagens construídas de "sambistas" e "caipiras" estereotipados, feitos para o consumo do grande público. Era uma concepção de brasilidade sem muito vínculo com a realidade, como nos antigos ritmos populares de raiz em outros tempos, mas feitos para o consumo do grande público através da grande mídia.

COMERCIALISMO ATUAL

De 2003 para cá, outro ritmo surgido nos anos 1990, durante a Era Collor, o "funk carioca", começou a adotar uma narrativa tendenciosa, criando um discurso pretensamente etnográfico, mas claramente publicitário, de pretensa vanguarda cultural e suposto ativismo social e político.

Apesar de não ser tanto um arremedo de brasilidade como os demais ritmos brega-popularescos surgidos nos últimos 28 anos, o "funk", claramente inspirado no miami bass da Flórida, reduto da sociedade conservadora dos EUA, passou a adotar uma narrativa "etnográfica", fazendo comparações oportunistas com o samba, visando fortalecer o lucro de DJs que se tornaram empresários e criar uma indústria lucrativa que se vale tanto de verbas privadas e públicas.

O "funk" procurou se infiltrar nos meios esquerdistas visando, entre outros motivos estratégicos, o de captar verbas públicas do governo Lula. O suposto esquerdismo do "funk" é estranho e se vale de narrativas que lisonjeiam a pobreza e superestima as transgressões comportamentais, mas o ritmo possui cadeira cativa na chamada mídia hegemônica, tendo seu crescimento estimulado com o patrocínio explícito dos vários veículos das Organizações Globo.

A narrativa "etnográfica" e "ativista", promovida por uma elite de intelectuais apoiadores da bregalização cultural, acompanhou praticamente todos os ritmos da música brega-popularesca, dos primeiros ídolos cafonas aos ídolos mais atuais. Mas foi no "funk", por sinal com uma cena paulista chamada "funk ostentação", que esse discurso se tornou mais persistente, pela forma glamourizada com que o ritmo trabalhava a imagem da pobreza para o consumo paternalista da classe média.

Atualmente, nomes como Anitta, Luan Santana, Wesley Safadão, Marília Mendonça, Simone & Simaria, MC Kevinho, Pablo Vittar e MC Carol compõem o atual comercialismo musical brasileiro, num cenário em que Alexandre Pires e Chitãozinho & Xororó vendem uma falsa imagem de sofisticação.

Anitta puxa a atual tendência, na qual há um cenário musical produzido no Brasil que busca uma aproximação real com o pop estadunidense, aproveitando as tendências derivadas do hip hop e do pop adolescente que sofrem influência sobretudo do pop colombiano (Shakira, cujo carisma, na música, se compara com sua compatriota Sofia Vergara, no cinema) e portorriquenho, com o caminho aberto por Ricky Martin e pela novaiorquina com ascendência naquele país, Jennifer Lopez.

O clipe de "Vai, Malandra" e algumas gravações de Anitta, como o dueto de Iggy Azalea e faixas cantadas em inglês, busca inseri-la nessa cena do pop comercial estadunidense de inclinação "pan-americana", criando espaços de "latinidade" dentro do hit-parade dos EUA. Anitta começa a despertar atenção até para veículos como a revista Billboard.

No Brasil, a preferência dos jovens pelo comercialismo pop dos "pós-bregas", que no âmbito nacional se manifesta pela supremacia do "sertanejo universitário", mostra a formação mercadológica e midiática de jovens influenciados por atrações juvenis da Rede Globo, Jovem Pan e SBT, de mídias sociais como Facebook e WhatsApp e pelo amplo consumismo de grandes marcas de calçados, roupas, telefones celulares, lanchonetes, automóveis etc.

Com isso, a ruptura que os jovens atuais fizeram com a MPB autêntica é preocupante porque pôs à margem um cenário musical cuja profundidade e relevância não consegue encontrar nomes à altura entre os brega-popularescos, que até tentam eventualmente fazer duetos ou covers relacionados aos emepebistas, mas com o claro distanciamento cultural e sem o necessário conhecimento de causa e, o que é mais grave, sem acrescentar algo à MPB que os jovens consideram "velha e cansada".

FONTES: O Globo, O Dia, UOL, blogues Mingau de Aço e Linhaça Atômica, Folha de São Paulo, Carta Capital, portal Quem Acontece.

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