Por Alexandre Figueiredo
Primeira via pública da cidade do Rio de Janeiro, a Ladeira da Misericórdia está entre os bens tombados pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em reunião realizada hoje. É a terceira reunião do ano, na sede do IPHAN, em Brasília, cinco meses depois do encontro anterior, no mesmo local, em abril último.
Na primeira reunião, revalidou-se o registro patrimonial da Arte Kusiwa, pintura corporal e arte gráfica caraterísticos da tribo Wajãpi, que habita as regiões do Pará e Amapá. Curiosamente, a tribo, que estava ameaçada de perder seu terreno, integrante da Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), foi beneficiada pela revogação do decreto que extinguiria a reserva para liberação da exploração de seus recursos naturais.
O registro da Arte Kusiwa já havia sido feito em 2002, como o primeiro bem na lista de Patrimônio Cultural do Brasil. Depois a UNESCO, órgão das Nações Unidas, deu à manifestação o título de Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, em 2003, e depois o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, em 2008.
A extinção da Renca foi anunciada pelo presidente Michel Temer, o que causou grande indignação dos movimentos sociais, de ambientalistas e até de famosos. Mesmo celebridades que haviam apoiado a queda do governo Dilma Rousseff, como o ator Victor Fasano e a modelo Gisele Bündchen, manifestaram profunda revolta com a medida anunciada pelo sucessor da presidenta e antigo vice.
No dia 22 de junho, a reunião do Conselho decidiu pelo tombamento histórico do conjunto arquitetônico da ilha de Fernando de Noronha, antigo território federativo que foi absorvido pelo Estado de Pernambuco. Fernando de Noronha é importante sítio turístico do Brasil e é conhecido também pela suas belezas naturais e pela diversidade biológica em seu entorno.
Na reunião de hoje, a discussão se voltou para avaliar a inclusão de três novos bens no Patrimônio Cultural Brasileiro. Assim que foi encerrada a reunião, os três bens foram aprovados pelo Conselho Consultivo que os incluiu entre os bens tombados pelo IPHAN.
Um deles é a coleção do casal paulista de origem russa, José e Paulina Nemirovksy, que inclui um enorme acervo de arte moderna do Brasil. Atualmente, a coleção encontra-se em regime de comodato na Pinacoteca de São Paulo.
O acervo da Fundação José e Paulina Nemirovsky, conhecido também como Coleção Nemirovsky, inclui obras de artistas como as pinturas modernistas Antropofagia e Carnaval em Madureira, de Tarsila do Amaral, e Mulheres na Janela, de Di Cavalcânti.
Além dessas obras, a coleção inclui outras, de autores como Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Lígia Clark e outros. A Coleção Nemirovsky também inclui obras de procedência europeia, de países íbero-americanos e imagens luso-brasileiras, que integram o núcleo de imagens coloniais. A coleção totaliza 210 obras.
Outro bem a ser analisado é a Feira de Campina Grande, cujo pedido o IPHAN recebeu da prefeitura municipal e da associação de feirantes e de grupos de fregueses, há dez anos. A feira é um dos principais mercados populares da cidade paraibana e recebe intensa movimentação de fregueses de segunda a sábado.
Na Feira de Campina Grande, se vendem desde alimentos (de doces a comida regional) e animais - vivos ou abatidos - até roupas, flores e obras artesanais, além de comida regional e vários serviços. Várias figuras regionais são vistas no local, como seieiros. mangaieiros e balaieiros, além de profissionais como barbeiros e artistas como cordelistas, violeiros e repentistas.
O terceiro bem, a Ladeira da Misericórdia, se refere a um logradouro localizado ao lado do hospital da Santa Casa de Misericórdia e da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso, a mais antiga do município do Rio de Janeiro. A ladeira também fica junto à rua do mesmo nome.
A ladeira é um dos pontos remanescentes do entorno do antigo Morro do Castelo, um grande bairro popular localizado na área que hoje envolve o trecho entre a Praça Quinze de Novembro, na altura das Barcas, e o Aeroporto Santos Dumont. Até 2016, o entorno da Misericórdia tinha um terminal de ônibus, junto à Av. Alfred Agache, hoje parte de uma pista expressa da Zona Portuária, e à Rua da Misericórdia. O terminal hoje se deslocou para junto à Santa Casa e na vizinha Av. Churchill.
O Morro do Castelo foi demolido em 1928 e seu entulho foi aproveitado para aterrar o antigo litoral da Praia de Santa Luzia, localizada na rua do mesmo nome. O aterro corresponde ao entorno da Av. Beira-Mar, cuja orla recebeu, em 1965, um novo aterro, o Aterro do Flamengo, resultado de outro desmonte, o do Morro de Santo Antônio, que ficava junto ao Largo da Carioca.
A Ladeira da Misericórdia, portanto, é um vestígio remanescente de uma grande área carioca, o Morro do Castelo, que ao lado dos entornos da Candelária, parte do Campo de Santana e da Praça Onze demolidos para dar lugar à Av. Pres. Vargas, foram cenários da antiga vida popular carioca, ficando na memória saudosa de muitos apreciadores.
FONTE: IPHAN.
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