Por Alexandre Figueiredo
Com a posse da presidenta reeleita Dilma Rousseff, sua equipe de ministros foi formada, com novidades nem sempre agradáveis aos seus partidários, como a escolha do ministro Joaquim Levy, para a pasta da Fazenda, e da ex-desafeta Kátia Abreu, para a da Agricultura, que representam os interesses opostos aos dos seguidores do PT, partido há 12 anos no poder.
Mas, diante de tantas novidades, há o retorno do sociólogo baiano Juca Ferreira, à pasta da Cultura, cerca de cinco anos após ter deixado o cargo, em 2010. Ele havia substituído Gilberto Gil, de quem é politicamente ligado, que deixou o ministério para se concentrar à música.
O grupo de Gil e Juca foi o primeiro a executar a nova lógica da política patrimonial, dando ênfase ao patrimônio imaterial, que havia ganho apreciação legal a partir de 2004. Juca também foi o primeiro ministro a iniciar mandato depois que o setor de museus foi desmembrado do IPHAN, através da criação de outra autarquia, o IBRAM.
Embora a orientação de Gilberto Gil fosse voltada ao mercado, já que dá tratamento igual, embora controverso e discutível, às tendências de "cultura de massa", formadas sem a espontaneidade natural das verdadeiras manifestações culturais, sua participação no ministério foi satisfatória, procurando valorizar o tema Cultura e também as políticas patrimoniais.
Juca Ferreira seguiu o projeto de Gilberto Gil, que agilizou muitos projetos de tombamento e divulgação das tradições culturais brasileiras, embora tenha encontrado problemas nos quadros funcionais do IPHAN, que teria sofrido processo de divergências políticas.
Em 2004, o IPHAN era presidido pelo antropólogo Antônio Augusto Arantes, ligado ao CONDEPHAAT e politicamente hostilizado por partidários de Gilberto Gil. Por outro lado, havia também os partidários de Gil que acusavam o ministro-músico de usar o cargo para promover seu estrelismo, enquanto atribuíam, equivocadamente, ao IPHAN uma inoperância.
No Orkut, havia membros que seriam funcionários do IPHAN, uns mostrando suas identidades e fotos, outros usando pseudônimos e figuras animadas. Sem informar sequer que atividades eles faziam, eles apenas protestavam contra o que alegavam ser a crise na instituição. Um protesto chegou a acontecer em 2006, com a greve dos funcionários do Ministério da Cultura (MinC).
A atuação do Ministério da Cultura, considerado o "patinho feio" dos ministérios, pelo fato de receber poucas verbas do Orçamento da União, passa por inúmeras polêmicas, inclusive o fato de que a Lei Rouanet, sob o pretexto de não realizar qualquer discriminação das manifestações culturais, privilegiar praticamente a "cultura de massa", de valor cultural bastante duvidoso.
Neste sentido, fora as manifestações culturais mais tradicionais, as verbas se dirigem para duplas, conjuntos musicais e cantores que não possuem compromissos artísticos em acrescentar valores sócio-culturais através da música, mas apenas na produção de sucessos radiofônicos para consumo imediato e que não correspondem à realidade sócio-cultural vivida pelas comunidades.
Mas outras administrações polêmicas vieram depois de Juca Ferreira, também comprometido com a flexibilização das normas de direitos autorais, adaptando-as ao contexto de liberdade na Internet. Sem, no entanto, ir ao extremo de uma classe intelectual de partidários da pirataria e do sub-emprego artístico.
Esses partidários da pirataria cultural, que acreditavam que para ser um artista moderno bastava ter uma ideia na mão e um sâmpler na cabeça - corrompendo e distorcendo as ideias (expostas em tom contestatório) por Glauber Rocha sobre o cinema), jocosamente denominaram copyleft, em oposição a copyright e numa alusão a "cópia levada (finalizada)" contra "direito de reprodução".
As polêmicas vieram quando chegou o outro extremo, através de Ana de Hollanda, que assumiu o MinC na posse do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Com a ministra Ana, também cantora e irmã de Chico Buarque, a questão dos direitos autorais ameaçou se fechar demais, não bastasse a restrição de recursos para o investimento de projetos culturais.
A ministra teria privilegiado a cúpula do ECAD, que ameaçou contemplar políticas de restrições severas ao uso de direitos autorais, a ponto dos artistas pedirem autorização para o uso de suas próprias obras, de propriedade de seus editores. Ana foi apelidada, jocosamente, pelos seus opositores, de "Rainha de Holanda".
A questão chegou ao ponto de haver uma ameaça de cobrança de taxa aos blogueiros pelo uso de cada vídeo reproduzido do YouTube, medida que foi descartada depois que um grande protesto se realizou na Internet, acusando o ECAD de promover censura e expressar ganância financeira.
Depois, a polêmica correu fora do âmbito do MinC, sem atingir ministérios - a essas alturas Marta Suplicy, mãe do cantor Supla, havia se tornado titular da pasta, depois da saída da desgastada irmã de Chico Buarque - , quando Roberto Carlos, com o apoio de Erasmo Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e o próprio Chico, criaram, com a ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, o Procure Saber.
O Procure Saber, movimento liderado por Paula, ex-atriz e hoje produtora, pedia o fim das biografias não-autorizadas e a defesa de medidas que só permitam que biografias fossem produzidas depois de prévia solicitação ao biografado ou aos seus herdeiros, no caso do biografado já ser falecido.
O episódio criou uma grave crise nos bastidores da cultura brasileira e os escritores se manifestaram contrários ao Procure Saber, que depois se desgastou, prejudicando sobretudo a reputação do cantor Roberto Carlos, antes idolatrado pela intelectualidade dominante pela imagem associada a "modernizador da cultura brasileira".
Recentemente, a polêmica em torno de Juca Ferreira, já anunciado no fim do ano passado como o atual titular do MinC, é de caráter político, uma vez que Marta Suplicy aparentemente compartilhava dos princípios liberais do seu sucessor, uma política considerada flexível para a cultura, que respeite as tradições culturais embora favorecesse interesses mercadológicos.
Marta acusou Juca, num comunicado, de cometer "desmandos". Ana de Hollanda também havia corroborado a opinião, acusando Juca de ter uma conduta "belicista" e "não conhecer" a complexidade da cultura brasileira. Já a professora da UFRJ, Ivana Bentes, elogiou a escolha do ministro, afirmando que sua gestão recolocará a cultura em debate.
Juca não quis comentar as críticas de Marta, alegando não ter lido nem se interessado em dar uma resposta à mensagem. Consta-se que os ataques de Marta a Juca são de caráter político. Marta Suplicy, a exemplo do ex-marido, o senador Eduardo Suplicy, mas de maneira independente dele, estão em divergências políticas e ideológicas com a cúpula do PT.
Quanto à gestão de Juca Ferreira, a política cultural voltará aos termos de 2006 a 2008. A rigor, as políticas patrimoniais não foram seriamente afetadas nos últimos anos, em que pesem incêndios que atingiram prédios históricos em Salvador e coleções de obras de arte pessoais no Rio de Janeiro, além de outro incêndio que afetou parte do acervo do artista Hélio Oiticica.
Em todo caso, há uma maior tendência ao debate cultural, uma vez que, atualmente, a facção de intelectuais que queria a supremacia da "cultura de massa" brega-popularesca no Brasil não é mais tão influente quanto há pouco tempo atrás. Podemos criticar o brega-popularesco sem sermos rotulados de "preconceituosos", até porque conceitos e ideias temos de sobra.
FONTES: IPHAN, Folha de São Paulo, Ministério da Cultura, Blogue Mingau de Aço.
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