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O MUSEU DE ARTE DO RIO DE JANEIRO E A ZONA PORTUÁRIA


Por Alexandre Figueiredo

Descontando os interesses políticos e midiáticos que estão por trás, não se pode negar que a inauguração do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) é um marco significativo para a nova vida na Zona Portuária carioca.

Inaugurado no dia primeiro deste mês, em razão do aniversário da cidade do Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio de Janeiro é um projeto financiado pela Fundação Roberto Marinho e pela Prefeitura do Rio de Janeiro, sendo um dos primeiros símbolos das mudanças em torno da Zona Portuária, então entregue ao abandono no Rio de Janeiro.

A paisagem da Zona Portuária tornou-se sombria desde que, em 1962, foi concluída a construção do Viaduto da Perimetral, enquanto prédios e ruas do entorno da Avenida Rodrigues Alves eram quase todos abandonados, oferecendo risco à segurança da população e transformando as áreas entre a Ponte dos Suspiros, no Santo Cristo, e a Praça Mauá em áreas de assaltos e consumo de drogas.

Nem mesmo a fama da Praça Mauá, que no passado era o reduto do chamado "submundo" - prostituição, drogas, alcoolismo, boemia e alguma criminalidade (numa época em que a criminalidade era mais "amena" em relação à de hoje) - , representava quadro tão perigoso depois que a Perimetral praticamente "cobriu" a Rodrigues Alves transformando-a num quase túnel diante de ruas vazias e um aspecto sujo e ermo.

No passado, a Zona Portuária era uma festa e o porto da Praça Mauá recebia navios turísticos, onde gente vinda de outras partes do Brasil e do mundo desembarcavam no Rio de Janeiro para iniciar sua visita à cidade, sobretudo a partir dos primeiros anos da Avenida Rio Branco, inaugurada em 1905 pelo prefeito Pereira Passos.

O Rio de Janeiro vivia o começo de sua urbanização, bastante polêmica e nem sempre positiva, uma vez que bairros populares foram dissolvidos sem qualquer consulta popular e as indenizações pagas aos desalojados eram tão precárias que elas se tornaram, praticamente, o marco inicial da favelização no Rio de Janeiro, então capital do país.

A urbanização do Rio de Janeiro era feita de acordo com os interesses das classes dominantes, que desejavam equiparar a cidade às capitais europeias e ao entretenimento e conforto de seus beneficiários, mesmo quando iam e vinham do trabalho.

Isso trouxe grandes benefícios para a cidade, que ampliou seu patrimônio arquitetônico, criou grandes avenidas que serviram para escoar o trânsito e gerou diversas mudanças que superaram, em muitos aspectos, o caráter provinciano que a cidade tinha até o começo do século XX. Mas a visão elitista e excludente criaram problemas sociais que influenciaram nas consequências drásticas para os cariocas.

Afinal, a criminalidade aumentou e se organizou a partir dos erros e omissões que a sociedade elitista fez ocorrer na sociedade carioca. O crescimento desordenado das favelas é consequência da exclusão imobiliária e a indiferença das autoridades à população, junto a outros fatores que abriram caminho para a ação criminosa que, em muitos momentos, atuava como um "Estado paralelo" repressor e paternalista.

PAISAGEM DE CONSUMO

Ultimamente as autoridades cariocas tentam resolver as sérias consequências sociais de décadas, mas mesmo assim longe de adotarem soluções reais. Afinal, reconhece-se que o grupo político que domina o Rio de Janeiro é pouco identificado com os interesses sociais e é originário de tendências políticas conservadoras que desde a década de 70 exerce influência no Estado.

A implantação de Unidades de Polícia Pacificadora é um exemplo de tentar substituir o controle político do crime organizado nas favelas e subúrbios cariocas pelo controle policial do governo, que não resolvem em todo a situação, até porque há outros aspectos que precisam ser considerados, como a reurbanização dos bairros e favelas.

Poderia-se, por exemplo, aproveitar terrenos ociosos e iniciar uma desfavelização com a construção em grande escala de prédios habitacionais populares que aos poucos transferissem os moradores das favelas, que seriam demolidas para reflorestamento ou criação de centros urbanos novos, usando tijolos ecológicos que permitem construção rápida, segura, sustentável e de baixíssimo custo.

Infelizmente, neste aspecto, as autoridades fluminenses, embora afirmem a aparente preocupação com a habitação popular, são insensíveis a esse aspecto. Nota-se que o assunto não lhes é prioridade, e que as casas populares construídas, além de serem insuficientes, são feitas mais para atender à agenda de empreiteiras e visando futuras vitórias eleitorais.

Já se queixa de que a Zona Portuária, em que pese ter, em seu entorno, o Morro da Providência, não será recuperada visando o benefício habitacional do povo, mas para atender a interesses turísticos e econômicos. Raquel Rolnik, em seu blogue, destaca que vários terrenos na Zona Portuária pertencem ao INSS e ao espólio da antiga RFFSA, que poderiam ser usados para construção de habitações populares.

Em que pese haver até mesmo o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, o que se nota é que a utilização social desses terrenos encontra dificuldades, até mesmo sociais, para serem realizadas e que mesmo a legislação em torno do patrimônio público seja utilizado para gerar a maior rentabilidade possível, sob pena de seus gestores serem acusados de lesar o patrimônio.

Por isso, o projeto Porto Maravilha, embora tenha a atitude louvável de dar alguma serventia para a Zona Portuária abandonada e perigosa, junto a uma controversa derrubada gradual do Viaduto da Perimetral - compensada pela criação de novos acessos viários, inclusive a nova Avenida Binário - , dará maior ênfase aos interesses empresariais e turísticos em jogo.

O Projeto Maravilha terá como virtude recuperar a beleza paisagística eliminada pelo Viaduto da Perimetral que "ancorava" o cenário sombrio de armazéns e casas abandonadas e ruas escuras e sujas, palco da marginalidade social da área. Mas o uso de terrenos para fins sociais de habitação popular é apenas promessa vaga de autoridades que se julgam capazes e solidários a tudo no discurso, mas não na prática.

Já existe até mesmo o projeto de construção de um complexo empresarial de propriedade do magnata norte-americano Donald Trump, os dois edifícios do Trump Towers. Só que nada de concreto foi previsto para as habitações populares, que além de atenderem ao interesse público criariam uma maior movimentação de pessoas na Zona Portuária.

O poder político, embora no seu discurso afirme "uma maior preocupação" com o interesse público, prefere que as melhorias dos bairros se constituam em "paisagens de consumo", conforme alertou a arquiteta do IPHAN, Lia Motta, que trazem aos centros históricos um sentido bastante distanciado de contextos históricos anteriores, quando as classes populares faziam o cotidiano desses lugares.

O Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), cujo diretor é o ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o arquiteto Luiz Fernando de Almeida, é um dos primeiros símbolos dessa nova fase da Zona Portuária, e mesmo sua iniciativa louvável não impede de associá-la a esse contexto de tensões e conflitos de interesses acerca da revalorização do local.

O conflito nem se dá quando um prédio moderno, a Escola do Olhar, destinada a abrigar cursos de formação artística de futuros professores, se confronta com o antigo Palácio Dom João VI, uma construção do início do século XX, até porque ambos possuem um tamanho próximo e dialogam num contraste estético equilibrado.

O conflito se dá no contexto apresentado, de uma "paisagem de consumo" que se produzirá, mais uma vez transformando as classes populares em meros figurantes, e não protagonistas, de um processo de recuperação do espaço urbano no velho centro do Rio de Janeiro, área castigada com eventuais ocorrências de incêndios em prédios antigos que o poder público nem se preocupou em investir na recuperação.

Há quatro exposições no Museu de Arte do Rio de Janeiro, envolvendo vários temas e incluindo obras de vários artistas, incluindo Di Cavalcanti, Rubens Gerchman, Franz Weissman, Lygia Clark, Ligya Pape e Hélio Oiticica, e numa delas, intitulada "O abrigo e o terreno - Arte de sociedade no Brasil", existe uma maquete de favela, feita pelo Projeto Morrinho.

A maquete é uma boa iniciativa, desde que não caiamos na tentação, induzida por muitos intelectuais badalados no Brasil, de ver as favelas como "arquiteturas pós-modernas" dentro de uma perspectiva de glamourização da pobreza e apologia à miséria e ao dito "orgulho de ser pobre". Afinal, esse ufanismo populista apenas mascara as tensões e conflitos que vivem as classes populares em nosso país.

A maquete deve servir para repensarmos essas tensões e conflitos. Serve para vermos o quanto as elites e o poder político agiram contra os interesses populares, principalmente há cem anos atrás, quando o povo pobre não exercia sequer metade de seus direitos de cidadania que hoje podem exercer.

Se as autoridades de hoje continuam indiferentes ao interesse público, em que pesem demagogias e paliativos à parte, pelo menos o povo pobre pode se manifestar livremente, através de movimentos sociais que incluem diversas causas, inclusive a Habitação.

Neste sentido, a maquete da favela serve para um bom gancho para o debate público. Mas nem é necessário recorrermos a ela para discutirmos a questão das moradias populares. Basta irmos para a proximidade de logradouros como a Rua Rivadávia Correia e a futura Avenida Binário para vermos, em destaque, o Morro da Providência que é o exemplo vivo da favela que pede não para ser vislumbrada, mas para ser debatida e discutida seriamente.

FONTES: O GLOBO, Wikipedia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOISE, Janete Martins. MUSEU DE ARTE DO RIO. Disponível em http://artescolapublica.blogspot.com.br/2013/03/museu-de-arte-do-rio.html. Consultado em 18 de março de 2013.

GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2000.

MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000.

ROLNIK, Raquel. Por que é tão difícil viabilizar terrenos e imóveis públicos para moradia social? - Disponível em http://raquelrolnik.wordpress.com/2013/03/13/por-que-e-tao-dificil-viabilizar-terrenos-e-imoveis-publicos-para-moradia-social/. Consultado em 18 de março de 2013.

ZUKIN, Sharon. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder. In: ARANTES, Antônio A. O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000.

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