Por Alexandre Figueiredo
No dia 06 de junho de 2007,o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional realizou o lançamento do livro Samba de Roda no Recôncavo Baiano, numa cerimônia realizada no Forte de Santo Antônio, em Salvador (BA). Para celebrar o lançamento, o presidente do IPHAN, Luiz Fernando de Almeida, entregou um exemplar da obra para representantes da Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia. No evento, cerca de 20 grupos de samba-de-roda estavam presentes, dando amostra da importância do ritmo, que foi considerado Patrimônio Cultural em 2004.
O samba-de-roda é a matriz do samba brasileiro. O ritmo, na forma como a História registra, teria se originado em 1860, época do Segundo Império brasileiro. O local de origem, o Recôncavo Baiano, é uma região do Estado da Bahia localizada ao longo da Baía de Todos os Santos, tendo como limite Norte a capital do Estado, Salvador.
O registro do ritmo é um resultado do trabalho de uma das linhas de pesquisa do Departamento de Patrimônio Imaterial do IPHAN, responsável pelo estudo da evolução das manifestações musicais brasileiras que utilizam como instrumentos os de percussão e as violas. A transformação do samba-de-roda em patrimônio se trata do começo de um processo de transformação dessas manifestações em patrimônio histórico, já que o IPHAN põe em andamento a avaliação de outros ritmos derivativos do samba, como o samba carioca, o côco (Pernambuco), o samba rural do interior de São Paulo e o tambor de crioula. Outro ritmo derivado do samba, o jongo, que inspirou o samba do partido alto (tendência difundida pelo bloco Cacique de Ramos, de onde vieram cantores como Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Beth Carvalho, entre outros), também está sendo apreciado pelo IPHAN, através do registro tecnicamente instruído pelo Departamento de Patrimônio Imaterial, que elaborou um parecer técnico julgado pelo Conselho Consultivo da instituição para dar início ao processo de tombamento.
A importância do samba-de-roda não se restringe a uma simples manifestação como música, dança ou ritual. Seu valor é muito amplo, pois indica o mapeamento de um percurso que começa com a chegada de escravos africanos aos engenhos e lavouras de cana-de-açúcar do Recôncavo Baiano. Nessa época, o Século XVI, o Brasil vivia seu primeiro grande ciclo econômico, o ciclo da Cana-de-Açúcar. O Recôncavo Baiano era uma potência nessa época e Salvador, capital do país, era o principal porto para exportação do produto para outros países. Quanto à formação social do negro brasileiro, o período foi peculiar, apesar (e devido até mesmo) à ingrata realidade da escravidão.
Através do comércio de escravos - vistos como "simples coisas" - , onde cada escravo era vendido individualmente, feito mercadoria, ou em grupos aleatoriamente formados, a formação do povo afro-brasileiro, mesmo dentro deste contexto dramático e trágico, se deu de uma forma acidentalmente própria. Os senhores de escravos não respeitavam as origens sociais de seus subordinados. Sabe-se que a África é composta por centenas de etnias só na raça negra, incluindo tribos rivais onde os negros mais poderosos escravizavam os mais fracos, daí a origem do comércio escravo em outros países. Com isso, negros de um mesmo agrupamento social eram separados no convívio em terras brasileiras, enquanto outros de agrupamentos diferentes e até hostis eram colocados juntos. A esse doloroso processo, no entanto, a sociedade afro-brasileira começou a reagir desenvolvendo seus próprios aspectos sociais, pois a partir da junção de elementos de diferentes origens, criam-se outros grupos sociais.
O processo de registro do samba-de-roda se deu a partir de uma pesquisa realizada por uma equipe de cinco estudiosos locais coordenada pelo professor do Núcleo de Etnomusicologia da Universidade Federal de Pernambuco, Carlos Sandroni, que visitou 22 comunidades localizadas nos 18 municípios que fazem parte do Recôncavo. Um dos primeiros problemas encontrados foi o fato do samba-de-roda ser um bem difuso na região, indicando o caráter heterogêneo das comunidades existentes na região. Além disso, em relação ao samba local, a equipe de pesquisadores não encontrou representantes que tivessem condições suficientes de falar em nome de grupos e pessoas locais. Os pesquisadores, então, optaram por consultar a Associação de Paneleiras das Goiabeiras, para saber dos hábitos culturais do povo da região, e tiveram o apoio do Núcleo de História Indígena da Universidade de São Paulo.
No dossiê, além dos documentos relacionados com a história e com as caraterísticas do movimento cultural, foram acrescidos materiais produzidos como registro do samba-de-roda e da cultura popular do Recôncavo. Assim, o grupo de pesquisadores produziu dois CDs, um de uma hora e outro de 10 minutos, um documentário em vídeo com duas horas de duração e uma série de fotografias. A partir de então, todos os envolvidos na pesquisa, entre os próprios pesquisadores e as pessoas entrevistadas ou consultadas, foi realizada uma reunião para discutir um plano de preservação cultural. Essa reunião se tornou um marco para o lançamento da Associação dos Sambadores do Recôncavo, entidade agora responsável pela guarda do samba-de-roda.
A elaboração do livro Samba de Roda no Recôncavo Baiano é um resultado da avaliação do dossiê, e um documento que celebra o tombamento do ritmo e dança baianos, processo iniciado em 04 de outubro de 2004 e encerrado em 25 de novembro de 2005, com o registro do samba-de-roda como patrimônio histórico.
O samba-de-roda inclui musica, poesia, dança e festa. É um ritmo que é manifesto em todo o Estado da Bahia, mas sua maior expressão se encontra no Recôncavo Baiano. É uma herança africana transformada com elementos portugueses, como o uso de instrumentos como a viola e o pandeiro e a adoção da própria língua portuguesa. Não existem ocasiões exclusivas para sua realização, mas o samba-de-roda não deixa de ter suas festividades especiais, nas quais é considerado um ritmo indispensável. Há a festividade própria do Recôncavo para o dia de São Cosme e São Damião (27 de setembro), assim como a festa da Boa Morte em Cachoeira, no mês de agosto, e isso sem falar da sua execução durante os cultos de candomblé.
Com o passar do tempo, o samba-de-roda se diversificou e se difundiu em outras partes do país. A migração de negros para o Rio de Janeiro, ainda no século XIX, fez com que florescesse o samba carioca, sobretudo nos bairros do Canal do Mangue, da Zona Portuária e do subúrbio da Leopoldina. As rodas de samba eram realizadas, no Rio, em casas das chamadas "tias baianas", como Tia Amélia, Tia Perciliana e, sobretudo, Tia Ciata. Além disso outros fatos históricos contribuíram para a expansão do samba brasileiro.
A primeira gravação de um samba foi feita em 1916, a música "Pelo Telefone", pelo filho de Tia Ciata, Donga. Depois vieram as escolas de samba, evolução dos blocos carnavalescos para uma conduta que provasse à sociedade que as rodas de samba não eram um caso de polícia, como antigamente o eram conhecidos pelas elites sociais (até o tempo do governo Vargas, o delegado Batista Luzardo ainda reprimiria rituais como o candomblé). Vieram muitos compositores, cantores, movimentos, e vestígios do samba se encontram não só na Bahia, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro, existindo samba até em Belo Horizonte e Florianópolis. Atualmente, intérpretes de projeção nacional como Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Jorge Aragão, Edil Pacheco, Roque Ferreira, entre tantos outros, são responsáveis pela popularização do samba em todo o país.
A transformação do samba-de-roda em patrimônio histórico terá, entre outros benefícios, esclarecer melhor a respeito de suas caraterísticas musicais, evitando a deturpação mercadológica que, recentemente, a indústria cultural fez em relação ao "pagode baiano", movimento de gosto bastante duvidoso de grupos como É O Tchan, Harmonia do Samba, Gang do Samba, Terra Samba e derivados. Esses grupos nunca fizeram samba-de-roda e mesmo seu "samba" possui baixa qualidade artística, sendo feito apenas para o mundo superficial das paradas de sucesso, em nada significando em termos de cultura. Quando muito, esses grupos diluem tão somente o samba de gafieira (cruzamento entre o swing com o samba), e aqui faz até algum sentido que tais grupos definam seu som como "suingueira", embora até para a gafieira sua música fique muito a dever.
Em que pese as diluições comerciais em torno do samba, depois da década de 1990, em que o ritmo é muito mal assimilado por músicos educados apenas pela superficialidade do hit-parade radiofônico e pela ideologia da cafonice, o ritmo mantém-se firme e será estimulado pelas políticas em prol do patrimônio histórico que definitivamente adotaram essa notável herança africana surgida no Brasil.
FONTES: Revista Museu, Revista Patrimônio (IPHAN), Wikipedia.
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