A ELITE EMPRESARIAL DA FARIA LIMA ATUA COMO MANIPULADORA DOS VALORES CULTURAIS NO BRASIL DOS ÚLTIMOS 50 ANOS.
Quando a repressão ditatorial começou a repercutir de maneira negativa e o “milagre brasileiro” entrou em crise, ao concentrar seus benefícios para as classes abastadas, houve uma preocupação das elites civis que apoiavam a ditadura militar em criar meios para abafar a revolta popular e a revalorizar a hierarquia institucional, restringindo, assim, o processo de redemocratização, hipótese que já estava em pauta nos movimentos sociais daquela época, por volta de 1974.
A ideia do poder suave - do inglês soft power - é uma maneira de minimizar os efeitos sociais, econômicos e políticos do golpe de 1964 sem comprometer as estruturas de poder conquistadas então. É um meio para reduzir os danos humanos mas mantendo os privilégios de poder, evitando revoltas e pensamento crítico sem que fosse preciso o uso da força.
A Faria Lima, neste caso, é uma espécie de Illuminati brasileiro, ou seja, um grupo de ideólogos orgânicos a serviço do empresariado e dos grandes donos do poder econômico, como os banqueiros e latifundiários. Nota-se que a Faria Lima passou a ter um poder paralelo ao moldar os padrões de cultura e comportamento do Brasil nos últimos 50 anos.
Falamos da Faria Lima agora, por conta dos noticiários apontando o possível envolvimento desse reduto empresarial com o crime organizado, através das investigações da Polícia Federal sobre as movimentações financeiras da facção Primeiro Comando da Capital (PCC).
Hoje o Brasil está, no nível intelectual e cultural, relativamente paralisado. É impossível frear totalmente as expressões de arte, cultura e pensamento, mas a Faria Lima cria obstáculos para garantir a estabilidade necessária para o lucro ilimitado das elites do poder econômico. O poder da Faria Lima é tanto que uma gíria privativa deles, "balada", foi promovida a um jargão pretensamente universal e atemporal através da ação de uma mídia associada.
Seja na cultura musical, seja na espiritualidade ou na transmissão do saber, há processos que dificultam a expressão de abordagens que fogem dos limites ideológicos do status quo. E isso é feito com maior intensidade desde 1974, descontado um período de influência menor na segunda metade dos anos 1980.
1974 foi tanto o período da ascensão de uma tecnocracia dedicada a conduzir o futuro do Brasil quanto da domesticação das classes populares como meio para anestesiá-las diante das adversidades da vida. O referido ano deve ser considerado como a consolidação do golpe de 1964 e a construção de seu legado a ser reciclado para a posteridade, ganhando apoio até, pasmem, de setores das esquerdas médias dos últimos 25 anos.
RESTRIÇÕES À CULTURA E AO PENSAMENTO CRÍTICO
Na vida acadêmica, nota-se o banimento quase absoluto do pensamento crítico nas teses de pós-graduação, diferente do que ocorre na Europa. A desculpa utilizada é que o pensamento crítico soa “opinativo demais” e criaria problemas para a captação de bolsas de estudos, além de, é claro, servir de concorrência para os professores dirigentes, que em sua vaidade não querem ser passados para trás por alunos mais afiados em sua linha de pensamento.
Na espiritualidade, a atuação das religiões pentecostais, como a Assembleia de Deus, e neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus, além do Espiritismo brasileiro, serviram de frentes para tentar salvar a ditadura militar e enfraquecer a Igreja Católica, que através da Teologia da Libertação estava agindo como uma força poderosa de oposição ao poder ditatorial. Vendidos cono “novidades” religiosas, neopentecostais e “espíritas” eram na verdade dois movimentos ultraconservadores marcados por ideias meritocráticas e por um moralismo religioso retrógrado.
Essas religiões foram acionadas dentro de uma perspectiva do soft power de evitar uma ação “subversiva” de assistência social. Neopentecostais e “espíritas” buscavam um caminho conservador para a fé sob o apoio da ditadura, dos grandes proprietários de terras (principalmente do Triângulo Mineiro), da mídia patronal e de outros empresários envolvidos.
Entre os "espíritas kardecistas" (nome dado apesar das traições do Espiritismo brasileiro às ideias originais de Allan Kardec), nota-se o modismo das "cartas mediúnicas", mensagens fake que serviram de cortina de fumaça contra o agravamento da crise da ditadura militar, anestesiando a população e oferecendo como mensagem subliminar a falácia de que os mortos da repressão estariam, agora, "num lugar melhor".
Tudo isso era feito para transformar a ideia de auxilio ao próximo num mecanismo restritivo, mantendo somente a prosperidade relativa de uns, enquanto outros são aconselhados a permanecer nas adversidades sem fim, em troca de benefícios precários e meramente paliativos.
A Faria Lima também controla a rebeldia juvenil, e a 89 FM é um claro exemplo disso. Controlada por uma família que apoiou a ditadura militar, a família Camargo, a 89 é o oposto do que poderia ser um canal de expressão do público de rock. Com uma programação marcada pela linguagem pop, a 89 alimentou seu marketing através de programas noturnos que nem de longe refletem a integridade da grade total, pois a emissora quase sempre opera como uma rádio pop comum, apenas com vitrolão roqueiro.
A ideia é evitar a força agregadora que se tornou célebre através da Fluminense FM de Niterói. Daí que a 89 se revelou mais conservadora na conduta radiofônica e, hoje, seu dono João Camargo é um dos mais poderosos empresários de São Paulo, sendo o maior chefão da Faria Lima.
Isso faz com que haja restrição para a expressão da cultura rock, que até possui seus espaços nas redes sociais, mas eles se limitam a bolhas sociais consideradas "socialmente invisíveis", o que as torna incapazes de configurar em algum movimento, como havia sido nos anos 1980.
Infelizmente, a 89 FM e sua congênere no Rio de Janeiro, a Rádio Cidade, mais fizeram contra o rock do que a favor dele, tornando o gênero refém de uma lógica empresarial que praticamente sufocou a cultura rock, que se tornou dependente de um mercado que limita sua expressão, pois representa tudo aquilo que o rock autêntico rejeita, que é a subordinação a interesses comerciais austeros e rasteiros.
A Faria Lima também restringe o mercado de palestras, hoje praticamente restrito a empresas e algumas instituições ligadas ao status quo. Não há mais palestras que possam trazer algum debate mais crítico, como também não se permite, nos meios acadêmicos, o livre trânsito do pensamento mais questionador. Todas essas limitações são impostas para dar a impressão de que tudo está bem no Brasil e também visando a sustentabilidade financeira, que seria ameaçada diante de uma instabilidade intelectual.
Essa instabilidade intelectual, que mostrou seus surtos nos primórdios da ditadura militar, entre 1965 e 1968, e na chamada Nova República, entre 1985 e 1989, ameaçava o poder econômico dominante, daí a logística da Faria Lima em castrar o pensamento e a criatividade.
Daí a domesticação do povo pobre pela bregalização cultural, legitimada pelo discurso intelectual, vide a campanha do "combate ao preconceito" comandada pela Rede Globo e Folha de São Paulo. Daí, também, o obscurantismo religioso de neopentecostais e "espíritas kardecistas" como contraponto à ação transformadora da Teologia da Libertação católica, que agiu contra a repressão da ditadura militar.
E até a rebeldia roqueira passou a ser castrada pelo poder da Faria Lima, que mal conseguia esconder seu domínio através da 89 FM, controlada por uma família ligada à ditadura militar, o que faz a famosa "rádio rock" desmerecer sua representatividade como canal de expressão do público roqueiro.
Através desses exemplos, vemos que a Faria Lima e tornou um poder paralelo que substituiu o poder militar, através da estratégia do soft power, podendo trabalhar um aparato superficialmente democrático que no entanto não comprometeu os interesses das elites que trabalharam o golpe militar de 1964. Até o IPES-IBAD, a dupla de "institutos" que pediu o golpe de 1964, tornou-se desnecessário diante da ação estratégica de um think tank mais poderoso situado na Avenida Brigadeiro Faria Lima.
FONTES: UOL, Carta Capital, Caros Amigos, Folha de São Paulo, O Globo, Blogue Mingau de Aço fora do ar), Blogue Linhaça Atômica.
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