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A ELITE DO PRIVILÉGIO QUE OBTEVE PROTAGONISMO PLENO SOB LULA

A CLASSE MÉDIA ABASTADA NÃO É FÁCIL DE SER IDENTIFICADA, MAS PODE SER NOTADA PELO SEU APETITE CONSUMISTA E PELA POSTURA DE PRETENSA SUPERIORIDADE.

Por Alexandre Figueiredo

Desde 2022 algo muito estranho acontece sob o rótulo de "democracia". Uma elite consumista, com notáveis privilégios econômicos, embora visualmente não seja fácil de ser identificada. Afinal, com seus trajes casuais, sua linguagem coloquial e alguns hábitos "populares" - como ouvir "Evidências" com Chitãozinho & Xororó, gostar de futebol e ver o seriado mexicano Chaves - , é difícil associar essa elite a uma concepção tradicional de burguesia, aquela associada aos trajes de gala.

Devemos tomar muita cautela com os tempos atuais, devido ao complexo de superioridade de uma burguesia heterodoxa, que comanda uma frente ampla na qual os antigos 1% das histerias golpistas de 2015-2016 se transformaram nos 10% da "democracia" lulista, na qual o próprio presidente Lula, enquanto candidato em 2022, acabou agindo mal, sabotando o compromisso democrático de enfrentar uma diversidade de candidatos, preferindo a "campanha plebiscitária" entre ele e Bolsonaro.

Poucos percebem, mas quem está tomando as rédeas da "democracia" caraterizada pelo hedonismo identitarista e pelo consumismo desenfreado é a mesma elite do atraso que reclamou a queda de Dilma Rousseff e permitiu o país "experimentar" Jair Bolsonaro como presidente da República.

O que fez essa elite aparentemente mudar e expurgar apenas a parcela "problemática" que se engajou diretamente no golpismo mais histérico foram as conveniências do momento. A elite apenas aumentou seu conjunto social, acolhendo os chamados pobres "remediados", os grupos identitários e as celebridades e subcelebridades cheias da grana.

A própria burguesia teve que se reinventar, com a geração Z inventando novos hábitos que fazem dos donos do poder econômico parecerem, agora, mais "informais" em suas palestras, mais "idealistas" em seus projetos e mais "lúdicos" em suas festas, caprichando no estereótipo do "gente como a gente", termo que se refere a uma visão caricatural e um tanto preconceituosa da simplicidade humana.

A mudança fez com que a burguesia heterodoxa e sua frente ampla de ex-pobres, identitários e famosos conquistassem um protagonismo pleno, tornando-se a "sociedade-modelo" do Brasil, com seu culturalismo vira-lata enrustido, marcado pela exaltação do mainstream dos EUA e a gourmetização do comercialismo rasteiro popularesco.

E por que essa burguesia, historicamente marcada pelo extrativismo predatório das riquezas naturais, pelo genocídio dos bandeirantes contra indígenas, pela escravidão, pelos golpismos da República Velha, da ditadura de 1964 e da retomada conservadora de 2015-2022, agora está associada à "democracia progressista" simbolizada pelo governo Lula? Por que pessoas cheias de dinheiro passaram a apoiar governos que, em tese, são de esquerda, considerada "incômoda" para as classes dominantes?

Em primeiro lugar, não foi essa burguesia que mudou substancialmente. Quem mudou foi o lulismo, hoje mais próximo do sistema de coalizões do antigo PMDB das Diretas Já e do tucanato clássico do PSDB de 1989 do que do próprio petismo dos anos 1980.

Lula se distanciou tanto do antigo líder sindical, do qual não resta sequer a sombra - realidade indiscutível, por mais que o presidente, em seus discursos, afirme ser sempre "aquele mesmo filho de Dona Lindu" - , que o termo "democracia" tem que ser usado não para definir um sistema marcado pela tolerância social e pela liberdade de direitos, mas como eufemismo para as concessões à direita que o chefe do Executivo federal estabelece atualmente.

A própria burguesia parece se sentir à vontade com Lula. Mesmo com a falsa animosidade que inspira supostos ataques entre os ricos e Lula, incluindo acusações forjadas de que o presidente estaria "abandonando" a classe média (na verdade, sua real e maior prioridade), tudo isso não passa de um jogo de cena, como naquela rivalidade postiça das antigas Rainhas do Rádio, Emilinha Borba e Marlene, ou entre os Beatles e Rolling Stones, nos anos 1960.

Lula hoje tem um desempenho que chega a ser inferior até ao dos dois mandatos anteriores, que já eram bastante moderados e sob concessões à direita "democrática". Uma amostra disso é em relação ao reajuste do salário-mínimo, que antes tinha um valor de acréscimo anual de cerca de R$ 120, e hoje seu valor não vai mais de R$ 90.

A única diferença é que o atual governo Lula é considerado o mais ambicioso, mas mesmo assim tudo isso gira em torno do marketing, marcado pelos simulacros dos relatórios, opiniões, promessas, cerimônias, que são manobras que chegam a ser grosseiras, com realizações "rápidas" e "fáceis" demais para serem verídicas, ainda mais considerando que o presidente fica muito tempo fora do país.

A blindagem da própria burguesia atual, agora convertida numa elite "legal", ajuda no faz-de-conta do atua governo Lula, banindo o pensamento crítico e submetendo o senso comum a um padrão de narrativas que não pode fugir dos dados oficiais e de uma concepção muito longe de ser realista, mas que prevalece por ser agradável a uma elite que conquistou o protagonismo pleno, com os tataranetos das antigas aristocracias renovando seu poder num contexto de aparente paz social que seus antepassados não gozaram.

A burguesia atual, que denomino de "elite do bom atraso" - tomando emprestado o termo de Jessé Souza apenas acrescido do adjetivo "bom" - , com seus indivíduos "esclarecidos" e supostamente sintonizados com os "novos tempos", agora quer jogar o passado sujo de seus antepassados sob o tapete, não por reprovar radicalmente os procedimentos das antigas gerações, mas por substituir o antigo "poder duro" das velhas elites pelo "poder suave" das elites que hoje são mais "cordiais".

O que esta "boa" sociedade, agora proclamada "sociedade do amor", faz hoje é criar um cenário de aparente "paz social" que permita o consumismo pleno, a ênfase na diversão e do entretenimento, o hedonismo desenfreado e um culturalismo conservador, mas heterodoxo e marcado de populismos. Tudo para garantir a manutenção das velhas estruturas sociais, mesmo sob um aparente verniz "esquerdista".

Diante disso, a burguesia mudou para continuar a mesma, apenas tirando seus anéis para salvar seus dedos, suas gravatas para salvar seus pescoços e seus sapatos e sandálias de bicos pontudos para salvar seus pés. Mesmo assim, a própria campanha contra o senso crítico nas redes sociais mostra o quanto o DNA golpista está no sangue dessa elite que hoje se diz "democrática". Por isso, temos que acreditar na ilusão de que é ficando calados que o Brasil entrará no Primeiro Mundo, mesmo com muita sujeira debaixo do tapete.

FONTES: Carta Capital, Diário do Centro do Mundo, UOL, Blogue Linhaça Atômica.

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